Apesar da importância de sua aprovação na Câmara, no mês passado, o projeto do Marco Civil da Internet, que define direitos dos cidadãos na rede, está longe de ser perfeito. Agora, que tramita no Senado, recebeu várias propostas de mudança.
Foram protocoladas, na semana passada, 41 emendas ao projeto. Nem todas da oposição. A senadora Vanessa Graziottin (PCdoB-AM) apresentou oito sugestões. Entre outros pontos, ela propõe que o Comitê Gestor da Internet assuma o papel de fiscalizar a guarda de informações do usuário pelos provedores, e que não seja permitido às empresas repassar dados dos clientes a terceiros, a não ser em casos previstos em lei.
O texto aprovado pela Câmara permite que esses dados sejam repassados, caso haja consentimento expresso dos clientes. E, pela sua configuração atual, o Comitê Gestor não tem poder de fiscalização. Ele coordena a distribuição de endereços de internet e o registro de nomes, além de estabelecer diretrizes estratégicas para o desenvolvimento da rede no país.
A principal questão que surge, após uma primeira leitura das emendas, é que o texto atual não é totalmente consistente com os princípios de proteção da privacidade e de garantia da liberdade de expressão, direitos fundamentais que propõe defender.
Dentre as emendas protocoladas por Aloysio Nunes, líder do PSDB no Senado, existem sugestões de mudança no artigo 10, que trata da guarda de informações do usuário. O texto atual já limita o acesso ao conteúdo de comunicações privadas a ordens judiciais. A proposta apresentada cria outra limitação: que esse acesso seja “para fins de investigação criminal ou instrução processual penal”.
Ainda nesse artigo, o projeto aprovado pela Câmara fala que “autoridades administrativas” teriam direito ao acesso a dados cadastrais do usuário, com sua qualificação pessoal, filiação e endereço, “quando tiverem competência legal para a sua requisição”.
Máquina de espionar cidadãos
Uma das emendas apresentadas pelo líder do PSDB troca “autoridades administrativas” por delegado de polícia e Ministério Público. Do jeito que está, seria possível abrir o acesso a informações pessoais para funcionários de várias instâncias do governo.
O Marco Civil da Internet teve tramitação conturbada na Câmara. Foi discutido por mais de dois anos, e chegou a entrar e sair da pauta de votação muitas vezes. Antes da sua aprovação, acabou sendo usado na queda de braço entre governo e base aliada.
No Senado, é importante que se alcance um texto que imponha o máximo de limites no acesso às informações pessoais dos usuários de internet. Caso contrário, um projeto que surgiu para defender os direitos individuais pode se tornar, por problemas de redação, uma máquina de espionar cidadãos.
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Renato Cruz é colunista do Estado de S.Paulo