Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Neutralidade da rede é desafio na batalha pelo acesso digital

A programação da NetMundial, a conferência internacional que discute o futuro da internet, não conta com discussões oficiais sobre a neutralidade da rede, mas nos corredores do hotel Hyatt, em São Paulo, onde o encontro de dois dias chega hoje a seu fim, o tema parece um pano de fundo inevitável para as conversas.

O tema sugere uma questão meramente técnica – e, de fato, muito do que está envolvido é de difícil compreensão para quem não é especialista. Acima dessa camada de bits e bytes, no entanto, há uma discussão estratégica sobre quem fica com o que nos bilionários negócios da web, o que pode afetar tanto o bolso do consumidor como a qualidade do serviço digital que ele recebe.

Em linhas gerais, a neutralidade significa que as empresas que controlam a infraestrutura de comunicação, em especial as operadoras de telefonia, devem dar tratamento igualitário ao fluxo de dados, não importando o que transita em suas redes. As teles ficam impedidas, portanto, de dar prioridade ao tráfego de um cliente em detrimento da demanda de outro.

Qual o problema disso? As operadoras argumentam que o tráfego de dados têm se multiplicado rapidamente nos últimos anos por causa de serviços como a transmissão de vídeos e músicas, que exigem uma capacidade muito maior da infraestrutura disponível. É verdade. A americana Netflix, de distribuição de vídeo sob demanda, já seria responsável por um terço do downstream – o fluxo de dados que vai do provedor para o usuário – na América do Norte. No Google, metade da capacidade de rede seria ocupada pelo YouTube, o site de compartilhamento de vídeos da empresa.

A reclamação das teles é que elas precisam investir bilhões para expandir continuamente a infraestrutura – e dar conta desses serviços – enquanto as companhias de internet, que fazem uso intensivo da rede, não desembolsam um tostão para ajudar a pavimentar essa estrada digital, sem a qual não poderiam atender seus clientes. Para mudar a situação, os donos da infraestrutura sugerem privilegiar o tráfego de quem pagar mais pelo uso dos dutos de informação. Ou seja, querem o fim da neutralidade da rede.

As operadoras argumentam que é injusto que um consumidor que só mande e-mail e navegue na web, por exemplo, pague o mesmo preço que seu vizinho, que passa a noite baixando músicas e filmes. Mas muitos observadores dizem que o fim da neutralidade prejudicaria os clientes de empresas menores, relegadas a segundo plano na entrega de seus serviços, e poderia colocar em risco a própria sobrevivência dessas companhias. A ameaça, dizem, é transformar a internet em uma terra de gigantes exclusivamente.

Permissão para acordos especiais

O Marco Civil da Internet, que já havia passado pela Câmara dos Deputados e foi aprovado pelo Senado, anteontem, ganhou uma grande exposição internacional exatamente por consagrar o conceito da neutralidade da rede. A expectativa é que o conjunto de regras ajude a pautar iniciativas semelhantes em outros países.

A União Europeia reforçou o conceito da neutralidade no início do mês, ao aprovar um projeto para reformar o setor de telecomunicações. As propostas serão discutidas com os 28 países-membros para criar uma legislação supranacional.

Nos Estados Unidos, a questão parece especialmente complicada. Ontem, começaram a circular notícias de que a Federal Communications Commission (FCC), a agência encarregada do setor, planeja estabelecer regras que permitem que os provedores de serviços de internet ofereçam linhas mais rápidas para a transmissão de vídeo e outros tipos de conteúdo de empresas a seus consumidores. O primeiro jornal a publicar a informação foi The Wall Street Journal.

Em fevereiro, a FCC já havia anunciado que voltaria a fazer propostas sobre o assunto, depois que um tribunal federal rejeitou as regras anteriores. As empresas poderiam pagar um por um tratamento especial para a chamada “última milha”, a parte final da infraestrutura, que se liga diretamente à casa do consumidor.

Apesar desse tratamento especial, a proposta da FCC impediria que as empresas reduzissem a velocidade ou bloqueassem sites específicos, que não pagassem os valores adicionais. Para os críticos, a permissão para acordos especiais vai aumentar o custo das empresas de internet, que repassariam essas despesas aos usuários na forma de serviços mais caros.

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João Luiz Rosa, do Valor Econômico