Apesar da pressão do governo brasileiro, a neutralidade de rede foi deixada de fora do texto final do NetMundial, evento sobre governança da internet encerrado ontem em São Paulo. Assim como aconteceu no rascunho apresentado na semana passada, ficou no texto final apenas a menção ao conceito de neutralidade.
Ele está expresso, de forma mais clara, em dois artigos: 10 e 12. No 10, ficou a menção ao tráfego livre de pacotes de dados. No 12, foi mantida a definição de internet como uma rede de arquitetura aberta. O assunto foi colocado como um tema a ser discutido em outros fóruns, junto com a definição dos papéis de cada ator na questão da governança da internet e outros assuntos.
A expectativa inicial era de que a neutralidade da rede fosse debatida durante a reunião do Internet Governance Forum (IGF), marcada para outubro na Turquia. Segundo um executivo do setor, no entanto, já se fala que não haverá tempo para isso e que as conversas podem ficar para o encontro do IGF no primeiro semestre do ano que vem, provavelmente no Brasil.
A neutralidade de rede significa que os dados que trafegam pela web têm que ser tratados igualmente pelas operadoras – um serviço de vídeo, por exemplo, não pode ter uma velocidade de acesso mais alta que um site de notícias quando é acessado pelo usuário.
Russos criticam falta de transparência
Durante as discussões sobre o texto final, o termo “não-discriminatório”, que daria uma indicação mais clara sobre o que se queria com a ideia de neutralidade chegou a ser incluído no texto, mas foi retirado por pressão do representante da International Chamber of Commerce (ICC).
O ministro Paulo Bernardo chegou a entrar na reunião para pressionar os representantes brasileiros a colocarem a definição de neutralidade no texto. Com o Marco Civil aprovado na quarta-feira contemplando a neutralidade, o país queria que o assunto fosse inserido no texto final. Mas não foi o suficiente. A avaliação de interlocutores é que o NetMundial não era o fórum de discussão de neutralidade, já que cada país quer lidar com o assunto da sua maneira.
O texto final do encontro, com 11 páginas, tratou de princípios gerais para a internet. Reafirmou a web como um recurso global que deve ser gerido de acordo com o interesse público, garantindo a participação de todas as partes interessadas, incluindo o governo, o setor privado, a sociedade civil, a comunidade técnica, acadêmica e os usuários.
Há pressupostos como o de que “os direitos que as pessoas têm offline também devem ser protegidos online”, o que inclui liberdade de expressão, liberdade de associação e privacidade.
“Pode não ser o documento perfeito, mas é resultado de um processo que junta contribuições de múltiplos agentes” disse Virgílio Almeida, presidente do NetMundial e secretário de políticas de informática do ministério da ciência, tecnologia e inovação (MCTI).
Para Demi Getschko, presidente do comitê gestor da internet no Brasil (CGI.br), o texto é um grande avanço. “Nunca tinha visto um resultado desse tipo em nenhum evento de internet”, disse.
Após a apresentação do texto final no entanto, representantes das missões da Rússia, Índia, Cuba e também da sociedade civil pediram a palavra e apresentaram oposição ao material.
Para os russos, faltou transparência no processo e o texto pode promover desigualdade no mundo digital. “A Rússia discorda de documentos similares e não vai aceitar adotá-los no futuro”, disse o representante da delegação. O indiano Vinay Kwatra, secretário do ministério de Relações Exteriores do país, criticou o fato de as sugestões do país não terem sido acatadas. O representante de Cuba disse que o documento é limitado e defende que o futuro da internet seja debatido no âmbito da Organização das Nações Unidas (ONU).
O representante da sociedade civil se disse desapontado pelo texto não incluir a neutralidade de rede e não ser mais incisivo quanto à espionagem e coleta indiscriminada de dados de cidadãos.
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Gustavo Brigatto, do Valor Econômico