A matéria tratava sobre a conveniência ou não de vacinar as crianças. O texto teve quase 800 compartilhamentos pelo Facebook, deu origem a 250 tuítes e 400 comentários. Um sucesso. Mesmo assim, no site logo apareceu uma nota de rodapé informando que a matéria não representava a opinião da jornalista nem da redação. Uma conduta que muitos consideram tardia e inútil, com a agravante de ao menos um milhar de pessoas terem lido e amplificado uma mentira muito perigosa.
O erro não foi falar do assunto, de interesse do público. Foi dar um banho de igualdade a evidências científicas com a fofoca, foi aceitar erros como verdades, foi ocultar fatos que fazem a diferença entre a vida e a morte. Não existem duas opiniões, em ciência, quando se acumulam as evidências a favor de uma. As vacinas são necessárias e, na medida do possível, seguras. Afirmar o contrário é uma mentira. É preciso que a imprensa deixe de divulgar uma “postura imparcial” que não existe, que assuma uma posição definida, que aceite a relevância do método científico como princípio. Os jornalistas não podem dar o mesmo peso a todas as opiniões, o ranking de credibilidade de suas fontes não pode depender da simpatia. E preciso acabar com a inocência.
País vulnerável?
A matéria “Vacunas: ¿si o no?” (Vacinas: sim ou não?, ver aqui, em espanhol), assinada pela Magali Etchebarne na revista feminina argentina Oh LaLá poderia ter sido mais uma história de delitos jornalísticos, poderia ter ido enxergada como uma matéria isolada publicada numa revista menor. Porém, não é apenas isso. Apresentar duas opiniões opostas como equivalentes faz parte de uma moda perigosa que, com a volta de doenças que graças às vacinas já não existiam, está custando vidas inocentes nos Estados Unidos e Europa.
Logo depois da publicação da dita matéria, jornalistas de ciência do país vizinho, quase uma centena de profissionais que fazem parte da Red Argentina de Periodismo Cientifico (RDPC), começaram a se enviar e-mails com mensagens de indignação. “Alguém já leu isso?”, foi o primeiro. “Não podemos deixar passar”, o segundo. Outros repetiam o que se diz sempre, que o jornalista científico não pode ser um intérprete acrítico, mais ainda nos assuntos de saúde de ampla repercussão. Decidiram então avançar na direção de uma cura racional para os problemas da profissão, e deixar clara a sua posição (ver aqui).
O entusiasmo de uma pequena turma ecoou nas redes sociais na Argentina. Também foi viralizado no exterior, como um exemplo a seguir. O segredo para atravessar as discussões internas e as fronteiras está na globalização, a mesma globalização que fez o jornal britânico The Guardian alertar que a vinda de turistas para a Copa do Mundo pode espalhar vírus.
A jornalista Jill Filipovic fez a advertência desde São Paulo, escrevendo que escolher se vacinar ou não e um “problema do primeiro mundo” (ver aqui). Traduzida pelo Jornal do Brasil com o título “Resistência a vacinas no Ocidente pode deixar população do Brasil vulnerável” (ver aqui), a matéria diz que da mesma maneira que um movimento contra vacinas nos Estados Unidos e na Europa estaria causando um surto de doenças, o Brasil pode ficar vulnerável durante a Copa do Mundo, quando muitos turistas de países cuja população tem evitado as vacinas virão ao país.
Reação global
A globalização certamente traz riscos. A boa notícia é que a velocidade cada vez maior com que se difundem as doenças e os mitos também pode chegar ao conhecimento e à vigilância do trabalho dos outros.
Os temas de saúde envolvem a todas as pessoas, não têm fronteiras. E na mesma semana em que o Unicef lembrava que a cada 20 segundos uma criança morre por falta de vacinação, é preciso não esquecer que, diante uma ameaça global, a reação a matérias enganosas também tem que ser global.
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Roxana Tabakman é jornalista, autora de A saúde na mídia. Medicina para jornalistas, jornalismo para médicos (Summus Editorial)