Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Cuidados com a regulamentação

Em meio ao intenso bombardeio que tem vivido nos últimos tempos por conta das denúncias de irregularidades envolvendo a Petrobras, das ameaças de racionamento de energia, da inflação alta e da queda nas pesquisas de opinião, a presidente Dilma Rousseff experimentou momento de trégua na semana passada, com a aprovação do marco civil da internet.

Foi um alívio temporário, mas intensamente explorado politicamente, com a sanção da lei em um evento internacional, o Encontro Multissetorial Global sobre o Futuro da Governança na Internet, o Netmundial, que reuniu autoridades e especialistas de 97 países, em São Paulo.

Depois de cerca de três anos de tramitação na Câmara dos Deputados, a discussão do marco civil da internet ganhou velocidade no segundo semestre do ano passado, quando o ex-agente da americana National Security Agency (NSA), Edward Snowden, revelou que a própria presidente Dilma tivera comunicações pela internet monitoradas pelos Estados Unidos. Dilma colocou entre suas prioridades estabelecer regras de governança e preservação das liberdades individuais na rede e o evento global da Netmundial era o deadline perfeito.

As últimas semanas antes da aprovação da lei no Congresso foram de intensa barganha política e pressão do chamado “blocão”, que uniu parte da base aliada à oposição. A Câmara aprovou o projeto em 25 de março, deixando para o Senado menos de um mês para atender ao pedido da presidente. No dia da aprovação, em 22 de abril, o Senado por pouco não foi palco de cenas de pugilato, com a oposição reclamando do rolo compressor e da falta de tempo.

Depois desse percurso difícil, no último momento, o governo pôde sancionar o marco e apresentá-lo na conferência internacional como modelo para as discussões de governança na rede. Dilma defendeu a privacidade e o respeito aos direitos humanos na internet e saboreou o protagonismo que o país conquistou no debate, recolhendo elogios de lideranças do setor, do criador da World Wide Web, Tim Berners-Lee, ao vice-presidente da Google, Vint Cerf.

Momento de se corrigirem alguns pontos

Dos pontos principais que o governo pretendia ter incluído na nova lei, teve que abrir mão apenas da exigência da implantação dos centros de armazenagem de dados no país. Os outros temas saíram praticamente como desejava. Um dos mais prezados é a neutralidade da rede, que determina que os provedores de acesso à internet não poderão cobrar mais ou diminuir a velocidade de sites ou aplicativos de acordo com o conteúdo.

A nova lei determina também que os provedores de acesso não poderão ser responsabilizados por danos causados por qualquer conteúdo postado por terceiros, a não ser que desrespeitem ordem judicial específica a respeito das informações. As pessoas ofendidas terão que recorrer aos juizados especiais e exigir a retirada do conteúdo.

Dados de acesso, como horários e endereços utilizados, deverão ser armazenados pelo provedor sigilosamente por um ano; já os dados de navegação, como sites visitados, ficarão registrados pelos responsáveis por pelo menos seis meses.

Alguns desses pontos não tiveram consenso nem na Netmundial, como é o caso da igualdade de condições de acesso e navegação dentro da rede. Os EUA são um dos principais opositores da neutralidade total. Ao longo da conferência, ao mesmo tempo em que anunciou a redução do controle da internet, o governo americano garantiu o tratamento especial a determinados serviços. Já o Parlamento europeu aprovou recentemente a neutralidade e o fim do roaming dentro da União Europeia. Não por acaso, o documento final da Netmundial fala de um “quase consenso” em torno do assunto.

O marco civil da internet seguirá agora para a regulamentação e não se descartam pressões por mudanças nesta fase. O relator do projeto, deputado Alessandre Molon (PT-RJ) afirma que é impossível contornar a exigência de neutralidade da rede. Mas algumas exceções poderão ser estabelecidas e aí é que mora o perigo. Podem haver discussões também no Judiciário.

A fase de regulamentação é também o momento de se corrigir alguns pontos. Em relação à retirada de conteúdo, por exemplo, a legislação indica o caminho dos juizados especiais para quem se sentir ofendido. Mas não há caminho de recurso previsto para o autor do conteúdo, o que pode resultar em censura pura e simples de informação.