Festa junina de escola com barracas patrocinadas, propaganda de brinquedo na TV com personagem de desenho, embalagem de xampu em formato de super-heróis…
Na próxima quarta-feira (4/06) completam-se dois meses desde que uma resolução de um conselho ligado à Presidência da República determinou que qualquer publicidade para crianças, inclusive em embalagens, é abusiva. Propagandas de produtos infantis podem existir, desde que dirigidas a adultos. De lá para cá, o que mudou nas prateleiras de lojas de brinquedos e nos intervalos das TVs infantis? Nada.
Mas, se para os olhos de pais e crianças a resolução 163 do Conanda (Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente) ainda não trouxe consequências, nos bastidores políticos ela jogou álcool em brasa.
Faz mais de uma década que esse é tema de disputa acirrada – afinal, calcula-se que o mercado de produtos infantis movimente mais de R$ 50 bilhões por ano no país. De um lado, ONGs ligadas aos direitos da criança tentam aprovar restrições e até vetos legais à publicidade. De outro, o mercado publicitário defende que o controle sobre propagandas abusivas deve se dar por autorregulamentação – desde 2006 o Conar (Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária) cumpre esse papel.
Até 4 de abril, data da publicação da resolução, o cenário da polêmica era o Legislativo, onde projetos propõem leis para os dois lados.
O texto da resolução é praticamente o mesmo de uma das versões do projeto de lei de Luiz Carlos Hauly (PSDB-PR). Apresentado em 2001, é o que está, entre outros do mesmo assunto, com a tramitação mais avançada.
É lei?
Agora o Poder Executivo entrou no ringue e aí está o ponto desse segundo round: associações do mercado publicitário dizem não reconhecer o valor legal da resolução, porque só o Legislativo, e não o Conanda, teria esse poder.
“É absurdo por dois aspectos. O Conanda é um órgão consultivo, não pode legislar. Depois, as regras são tão radicais que talvez só em Cuba e na Coreia do Norte a lei seja assim”, disse Rafael Sampaio, vice-presidente executivo da ABA (Associação Brasileira dos Anunciantes).
Anunciantes e agências têm recorrido às consultorias jurídicas das associações. “A resolução gerou grande insegurança. Anunciantes cogitam deixar de investir em publicidade infantil temendo o desgaste e o risco de multas”, disse Paulo Gomes de Oliveira Filho, consultor jurídico da Abap (Associação Brasileira de Agências de Publicidade).
Por ora, a estratégia é evitar uma disputa jurídica, até que a primeira propaganda sofra uma ação. Enquanto isso, um projeto de lei foi apresentado pelo deputado Milton Monti (PR-SP) propondo a ilegalidade da resolução.
O Conanda faz parte da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República e é formado por representantes do governo e da sociedade civil. Foi criado por lei federal que coloca entre suas atribuições “elaborar as normas federais da política nacional de direitos da criança”. Já há proibição, prevista no Código de Defesa do Consumidor, à publicidade que “se aproveite da deficiência de julgamento da criança”.
O que o Conanda fez foi regulamentar o que é abusivo, afirma Miriam José dos Santos, presidente do órgão. Não propõe punição, diz ela, por já estar prevista no código, sob forma de multas. “A resolução está respaldada pela Constituição, pelo ECA [Estatuto da Criança e do Adolescente] e pelo Código de Defesa do Consumidor”, disse Miriam à Folha.
O que é abusivo?
A discórdia deve chegar logo à Justiça. O Instituto Alana, ONG que desde 2006 denuncia propagandas que considera abusivas e atua em favor da restrição legal, acaba de enviar ao Ministério Público Federal (MPF) relatório sobre os intervalos de canais infantis de TV em que lista propagandas voltadas a crianças. “Caberá à Justiça analisar cada caso, mas temos claro que o direcionamento da publicidade à criança é sempre abusivo”, disse Isabella Henriques, diretora do Alana.
O Conanda terá a partir desta semana reuniões com MPF, Ministério da Justiça e Procon para definir como será a fiscalização e a aplicação de punições. “Não queremos que ninguém seja punido, mas é triste ver que nada mudou. Não vamos esperar”, disse a presidente do órgão.
O Ministério da Justiça, via Senacon (Secretaria Nacional do Consumidor), mostrou-se disposto a entrar na disputa em favor da restrição. O mesmo se dá com o MPF. “Vamos investigar o que for denunciado e chamaremos a empresa para negociar. Se não houver acordo, partiremos para uma ação civil pública”, disse Jefferson Aparecido Dias, procurador regional dos Direitos do Cidadão do MPF de SP.
Para o diretor-executivo da Fundação Procon, Paulo Arthur Góes, “não será matemático definir o que é abusivo”. “A sociedade terá de se apropriar da discussão porque a criança está exposta de forma excessiva ao consumo.”
Os anunciantes defendem que as restrições ferem a liberdade de expressão e são, portanto, inconstitucionais. “Não vemos chance de que a resolução seja colocada em prática por qualquer juiz razoavelmente lúcido”, disse Rafael Sampaio, da ABA.