Há quase três meses foi publicada a resolução nº 163 do Conanda (Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente), que passou a considerar abusiva toda e qualquer publicidade ou comunicação mercadológica dirigidas ao público infantil com menos de 12 anos.
No entanto, o que se verifica é um completo desrespeito à norma. A publicidade que fala diretamente com a criança com a intenção de seduzi-la para o consumo continua firme e forte nos canais televisivos segmentados infantis, na tevê aberta, nos cinemas, nas escolas, nos parques, nos clubes, na distribuição de brindes colecionáveis das cadeias de fast-food e em outros inúmeros espaços de convivência.
E como justificar isso? Como explicar para mães e pais cansados do bombardeio publicitário que atingem seus filhos que a norma está em vigor, mas praticamente o mercado inteiro não a cumpre? Não há como. Só mesmo a constatação de que, para as empresas anunciantes, para as agências de publicidade e para os veículos de comunicação envolvidos, os interesses financeiros e corporativos são enormemente mais importantes que o saudável desenvolvimento das nossas crianças.
A publicidade e a comunicação mercadológica que se dirigem diretamente às crianças, além de ilegais, são antiéticas e imorais. Aproveitam-se da peculiar fase de desenvolvimento dos pequenos, justamente quando não conseguem entender o caráter persuasivo das mensagens ou mesmo diferenciar o conteúdo de entretenimento do comercial. A publicidade infantil intensifica problemas sociais como o consumismo infantil, a formação de valores materialistas, o aumento da obesidade infanto-juvenil, a violência e a erotização precoce.
O mercado, de maneira geral, está infringindo despudoradamente uma norma que foi aprovada por unanimidade em um Conselho Nacional de Direitos vinculado à Secretaria Especial de Direitos Humanos, criado pela lei nº 8.242/91 com competência para formular, deliberar e controlar as políticas referentes à infância e adolescência. Conselho que nasce da Constituição cidadã e é formado, de maneira paritária, por representantes da sociedade civil organizada atuantes no âmbito da promoção e proteção dos direitos da criança e por representantes do Poder Executivo federal.
Um país que honre suas crianças
Na prática, a resolução nº 163, em conjunto com o artigo 37 do Código de Defesa do Consumidor, deveria significar o fim dos abusos mercadológicos desferidos às crianças, ou seja, o fim do direcionamento da publicidade ao público infantil, à medida que se trata de uma norma emanada de um conselho deliberativo, com poder vinculante e, obrigatoriamente, precisaria ser observada e cumprida em território nacional.
No entanto, o mercado age à revelia da norma, acreditando estar acima dela, acima do Conanda, da própria sociedade que o compõe e do clamor social pela proteção das crianças. Pensa ser até mesmo intocável pela Constituição Federal ou pelo Código de Defesa do Consumidor. Nada lhe atinge. Só o que lhe interessa é o expressivo volume financeiro que movimenta ao convencer crianças de que elas precisam consumir cada vez mais.
Ocorre que a sociedade brasileira atual exige a responsabilização daqueles que infringem os direitos sociais, inclusive o das crianças a uma infância plena, sadia e feliz.
É por isso que, como única forma de se frear esse assédio, caberá aos Procons, à Secretaria Nacional do Consumidor, aos Ministérios Públicos, às Defensorias Públicas e ao próprio Poder Judiciário, coibir as ilegalidades cometidas, inclusive com a aplicação das respectivas sanções, a fim de se garantir a construção de um país que verdadeiramente honre suas crianças.
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Isabella Henriques é advogada e diretora do Instituto Alana, dedicado à defesa dos direitos da criança