O descontrole do vírus ebola atemoriza e o trágico assunto tem o seu lugar assegurado em todas as manchetes, noticiários e redes sociais. Mas por enquanto está bem longe, e não há muito o que os nossos cidadãos possam fazer para pôr um freio nele. O vírus da dengue, no outro extremo, é nosso e evitável – porém, devido aos muitos anos de triste convívio, já não constitui notícia. Fica difícil para os jornalistas bater na tecla do mesmo assunto inúmeras vezes, porque o interesse público precisa da parceria com o interesse do público. Mas há um vírus novo no Brasil que mereceria mais atenção da imprensa. Porque pode ser evitado e porque, além de tudo, poderia ajudar na necessária luta contra a dengue.
Todo mundo conhece algum idoso que reclama de dores nas articulações. Imagine, por um momento, se daqui a uns anos tivesse ao seu redor uma legião de idosos com mais dores do habitual. Este é um cenário que seria bom evitar.
O significado da palavra “chikungunya”, o nome do vírus que chegou este ano no Brasil, resume numa língua do leste africano os efeitos debilitantes da doença: diz-se que é “aquela que dobra”, ou seja, que faz a pessoa se contorcer. Além dos outros sintomas (febre, vômitos), as dores nas articulações, especialmente pés e mãos, podem impedir o doente de fazer as tarefas normais do dia a dia por bastante tempo.
É um vírus novo e, por causa disso, pode se transmitir muito rápido. Sem imunidade prévia da população, como no caso do Brasil, a chamada “taxa de ataque” pode ser de até o 40%. E já não dá para olhar para outro lado: neste ano houve casos em São Paulo, Rio de Janeiro, Amazonas, Paraná, Rio Grande do Sul, Amapá, Goiás e Ceará. Por enquanto não há casos autóctones, mas vão aparecer.
Primo do dengue
Na mídia brasileira, as matérias sobre o vírus chikungunya o apresentam em geral como um primo mais leve da dengue, não apenas porque os sintomas se assemelham (mesmo sea dor é muito mais pronunciada e localizada nas articulações e tendões), mas porque é transmitido pelo mesmo inseto e tem as mesmas medidas de prevenção. Há um risco alto do que a dengue e o chikungunya circulem simultaneamente. E as duas doenças podem ocorrer juntas no mesmo paciente.
Há um lado bom: não vamos ter que noticiar mortes, pois são raras. Às vezes os sintomas são tão leves que a doença não é sequer diagnosticada. Porém, se o paciente for picado pelo mosquito durante o período agudo da infecção, mesmo sem sintomas ele pode transmitir a doença.
O maior problema vem na sequência. Depois do surto, a situação não poderá ser esquecida por muito tempo. Se tiver um alto pico de transmissão, é provável que o país enfrente daqui a alguns anos uma onda de pessoas transitoriamente incapacitadas, que fariam a delícia de um roteirista de ficção cientifica do tipo “O fim do mundo está chegando”. Estudos da África do Sul mostraram que de 12% a 18% dos pacientes terão sintomas persistentes de 18 meses a três anos após a infecção; porém, estudos mais recentes, realizados na Índia, mostram que a proporção de pacientes com dores persistentes dez meses após o início da doença foi de 49%. Dados da Ilha da Reunião, bem mais perto, demonstraram que três meses após o início da doença 90% dos pacientes se queixam de dores e a metade ainda reclama dois anos depois. Fatores de risco para não esquecer logo da picada infame? Ser maior de 65 anos, ter problemas de articulação preexistentes e doenças como hipertensão ou diabetes.
O primeiro surto cientificamente descrito do chikungunya ocorreu em 1952, no Planalto Makonde, região que engloba partes de Moçambique e Tanzânia. Agora está em 40 países. As duas espécies de mosquitos Aedes que o transmitem ocupam na América uma área que se estende de Buenos Aires, ao estado do Missouri, nos Estados Unidos.
Não e preciso alarmar a população, mas noticiar mais. Não existe vacina nem tratamento, e as recomendações para preveni-lo são as mesmas aplicadas à dengue, o que pode beneficiar também essa luta. É preciso simplesmente usar o gancho do vírus novo para recomendar mais uma vez à população para tomar medidas conhecidas por todos e esquecidas por muitos.
A Organização Mundial da Saúde já informou que a situação é grave. O Ministério de Saúde do Brasil já têm prontos os planos de contingência para uma epidemia do vírus chikungunya. Os médicos do país estão se capacitando. Chegou a hora de a imprensa fazer a sua parte. O primeiro passo e aprender a dizer o nome do chikungunya.
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Roxana Tabakman é bióloga e jornalista, autora de A Saúde na Mídia – Medicina para jornalistas, jornalismo para médicos (Editora Summus)