Os jornalistas são treinados para serem céticos. Não devem acreditar e, sim, apurar. Os cientistas também têm a mesma missão. E toda vez que uns deixam de lado a fé e avaliam o trabalho dos outros, sempre acham algo para melhorar.
Os médicos Senthil Selvaraj, Durga S. Borkar e Vinay Prasa fizeram uma pergunta muito simples: são as melhores pesquisas as que fazem as notícias? Não ficaram no bate papo de corredor, criticando aos outros como é de praxe. Converteram a dúvida em um assunto a investigar com todas as regras do método científico. E a resposta foi rotunda: “Não”.
A rigorosa avaliação foi publicada na revista Plos One. A conclusão foi que, ao menos na amostragem selecionada, os jornais difundem, preferencialmente, as pesquisas que têm mais deficiências metodológicas – ou seja, aquelas nas quais o peso das conclusões é mais fraco. O trabalho “Media coverage of medical journals: do the best articles make the news?”, que pode se lido aqui (em inglês), compara o peso das evidências de 75 pesquisas que receberam atenção da imprensa e de outras 75 pesquisas que foram publicadas no mesmo tempo pelas revistas científicas mais citadas (utilizando o ranking da categoria no Journal Citation Report).
Para entender exatamente qual foi o critério de comparação e preciso saber que é mundialmente aceito que os pesquisadores biomédicos construam o conhecimento com base em observações passivas ou experimentos dirigidos, porém o grau de aceitação das evidências não é o mesmo segundo o tipo de metodologia escolhida. A metodologia empregada é, então, a que dá o verdadeiro valor a uma pesquisa.
As observações são simples de realizar, mas são consideradas mais fracas que as pesquisas randomizadas, que é a comparação entre duas ou mais intervenções aplicadas aleatoriamente em um grupo de participantes. Apenas a segunda garante que todos tenham a mesma probabilidade de receber ou não um ou outro tratamento, por exemplo, e possam se comparar os resultados. Nas pesquisas escolhidas pela mídia, o que mais havia eram estudos observacionais e de qualidade menor.
Apuração cuidadosa
E preciso destacar que os pesquisadores não fizeram a avaliação do publicado na imprensa sensacionalista, o que permitiria catalogar o resultado como esperado. Talvez porque eles mesmos estão no topo do atendimento médico (trabalham nos prestigiosos hospitais Brigham and Women’s Hospital de Boston, Beath Israel Deaconness de Brockter, e no National Cancer Institute dos Estados Unidos) e procuraram pôr o olho em jornalistas de um nível de qualidade equivalente. Por isso, fizeram a pesquisa no publicado em jornais de prestígio, como The Wall Street Journal,The New York Times,USA Today,Los Angeles Times eSan Jose Mercury News. Do outro lado, analisaram os artigos originais publicados nas revistas médicas líderes como The New England Journal of Medicine, The Lancet, Journal of the American Medical Association, Annals of Internal Medicine e PLoS Medicine.
O trabalho tem valor acadêmico. O critério de seleção das pesquisas refletidas pela mídia é uma maneira pouco explorada de procurar caminhos para melhorar a imprensa. “A validade do jornalismo de saúde é produto tanto da qualidade da cobertura como da escolha dos assuntos a serem divulgados”, escrevem os autores. E explicam por que decidiram meter o nariz no trabalho dos jornalistas: a imprensa tem um papel importante sobre como o cidadão médio compreende a sua saúde a as novas tecnologias médicas. E também há evidências de que a mídia geral influencia a prática da medicina e a pesquisa científica.
Colocar informação entre aspas não exime o jornalista da sua responsabilidade. Como fazer um trabalho melhor? A proposta dos autores do trabalho é que especialistas em pesquisa sejam consultados antes da escolha da reportagem, e não apenas depois, para ter um depoimento.
O jornalismo de saúde é jovem. Ainda tem muito que aprender na busca do que é notícia. Para que o boom informativo sobre saúde não tenha efeitos contraproducentes, o essencial deverá continuar sendo a busca de qualidade na informação. Uma procura inesgotável.
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Roxana Tabakman é bióloga e jornalista, autora de A Saúde na mídia – medicina para jornalistas, jornalismo para médicos (Ed. Summus)