A explosiva reação da Telefónica na madrugada de segunda-feira ao fazer uma proposta não solicitada de R$ 20,1 bilhões pela GVT, à controladora francesa Vivendi, é a clássica receita para competição: a melhor defesa é o ataque.
O grupo espanhol, comandado por César Alierta, reagiu ao descobrir que a mais alta cúpula de Telecom Italia e da Vivendi estavam em conversas avançadas na definição de uma parceria estratégica que pode ir além do Brasil, conforme apurou o Valor.
O negócio promoveria não só a fusão entre TIM e GVT no mercado brasileiro, como tornaria a Vivendi a principal acionista de referência da Telecom Italia – em substituição à Telefónica, que hoje ainda detém 8,3% da operadora, mas está de saída do negócio. Uma operação, portanto, que traria impacto também ao mercado europeu.
A administração das empresas italiana e francesa estavam alinhadas no desenvolvimento do negócio. O conselho da Telecom Italia estava prestes a avaliar essa perspectiva oficialmente, quando chegou a oferta da Telefónica.
Diante desse cenário, não é tão óbvio que a Vivendi vá aceitar a oferta da Telefónica. É possível que briguem pelo plano com os italianos. No mercado, muitos esperam, no mínimo, por novos lances de preço do grupo espanhol, a exemplo do que ocorreu na aquisição da fatia de 50% da Vivo em poder da Portugal Telecom, em 2010. A oferta inicial foi de € 5,7 bilhões e o negócio fechou em € 7,5 bilhões.
A Vivendi já marcou posição em sua breve nota ao dizer que a GVT não esta à venda. Além disso, a reação da cúpula francesa de declarar-se em férias, por conta do verão na Europa, e indicar que o tema só será ponderado ao término do descanso já dá pistas de que não serão tão facilmente convencidos.
Desafio brasileiro
Para a Telefónica, transformar a proposta numa “oferta hostil” pela GVT é estratégico. A companhia francesa é predominantemente uma empresa de entretenimento, com ativos fixos que não demandam investimentos pesados como no setor de telefonia. Assim, se desfazer da última operação nesse ramo e embolsar o equivalente a € 6,7 bilhões permitiria ao grupo folga para distribuir recursos aos seus acionistas – o que torna a oferta sedutora ao mercado.
O maior acionista da Vivendi, com 5% do capital, é o novo presidente do conselho, desde 24 de junho, Vincent Bolloré.
A Telefónica avaliou a GVT em R$ 20,1 bilhões, incluindo a dívida líquida de R$ 4 bilhões. O preço é mais do que o dobro do valor envolvido na última disputa pela GVT. Vivendi e Telefónica brigaram pela única empresa espelho sobrevivente no Brasil em 2009. A francesa levou por R$ 7,5 bilhões. Em 2007, a empresa abriu capital na bolsa valendo R$ 2,2 bilhões.
A proposta representa um prêmio frente à média dos preços das teles no Brasil. Excluída a dívida, equivale a 8 vezes o lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização (Ebitda) da GVT em 2013, quando ficou em € 707 milhões. Na média, as operadoras de telefonia são transacionadas entre 5 vezes e 7 vezes Ebitda.
A GVT, que foi criada do zero em Curitiba (PR) pelo israelense Amos Genish, opera em 152 cidades. Desde o fim 2009, quando foi comprada pela Vivendi, até 2013, teve expansão de 188% na receita líquida, para R$ 4,8 bilhões.
Pela proposta espanhola, a GVT passaria a ser controlada pela Telefônica Vivo. A oferta é para pagamento de R$ 11,96 bilhões em dinheiro, à vista. Após a aquisição do controle, a Telefônica Vivo, já com a GVT dentro do grupo, faria uma oferta de ações para ampliar em 12% seu capital – o que permitiria obter cerca de R$ 6 bilhões ao preço de ontem. A matriz na Espanha se comprometeu a acompanhar a operação, em no mínimo, sua fatia no negócio, ou seja, 74%.
Para uma proposta em dinheiro, poucas empresas têm a flexibilidade da Telefônica Vivo. A tele encerrou junho com R$ 5,5 bilhões em caixa, o que resulta numa dívida líquida de R$ 2,5 bilhões – uma alavancagem de 0,24 vezes o Ebitda. A empresa gerou R$ 900 milhões de caixa, só no segundo trimestre, descontadas as necessidades de investimento e financiamento.
Outro fator que permite à Telefónica um posicionamento mais agressivo, comparado ao de 2009, é a integração completa da operação fixo e móvel. A GVT representa, a partir da Vivo, grande potencial de sinergia que antes não existia, fora do Estado de São Paulo.
A companhia tem ainda fôlego para transformar ágios de compras caras em economia fiscal, dada sua lucratividade. O lucro líquido de R$ 1,99 bilhão, do segundo trimestre, contou com um crédito de imposto de R$ 748 milhões.
Pagar um preço salgado pela GVT é consequência do posicionamento da Telefónica de deixar as disputas para quando as transações além de expandir os negócios significam defender mercado. Foi assim com Vivo, que integralmente comprada em seu melhor momento. E agora ocorre o mesmo com GVT. A Telefónica passou os últimos anos evitando gastos com aquisições de peso. Agora, o passo sobre a GVT é, além de oportunidade de crescimento, defesa. Ganha legitimidade perante os investidores para gastar mais.
A despeito da saúde financeira, a Telefónica, como todas as gigantes do setor, originais de mercados maduros, começa a enfrentar desafios também no Brasil. Desde 2011, quando passou a consolidar integralmente a Vivo, a receita líquida da companhia subiu 5%, para R$ 35 bilhões no ano passado.
O grupo espanhol quer a consolidação do mercado brasileiro e a redução da competição no País. Não por acaso, conforme o Valor apurou, articulou o plano em que a Oi compraria a TIM da Telecom Italia para depois revender fatias proporcionais aos grandes grupos do país – ela própria e América Móvil (Claro, NET e Embratel).
Briga por território
O lance da Oi pela TIM estava próximo de ganhar seus contornos finais, a despeito da resistência dos italianos, quando se tornou pública a perda de € 897 milhões no caixa da empresa, por conta de uma aplicação financeira de risco que a Portugal Telecom fez em notas da Rioforte, uma holding do Grupo Espírito Santo (GES) – principal acionista da tele portuguesa.
Entre os analistas, a expectativa é que a compra da GVT não diminua o apetite da Telefónica pela TIM. Porém, mais uma vez, a operação postergaria a definição do futuro do grupo italiano. Diante da impossibilidade da Oi de dar o pontapé inicial na consolidação da TIM, há entre analistas aqueles que acreditam que a Telefónica poderia assumir essa tarefa.
A briga por território é cada vez mais global e agita o setor de uma forma que há anos não se via. Por aqui, derrubou as ações: Oi caiu 7,58%, TIM recuou 8,47% e a Telefônica Vivo perdeu 6,55% de seu valor. (Colaborou Fernando Torres)
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Graziella Valenti, do Valor Econômico