Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

Acordo sobre como gerir a web é urgente

A internet vai se fragmentar se não houver um acordo sobre como administrar a web nos próximos anos. O alerta é do libanês Fadi Chehadé, presidente da Icann, empresa que hoje controla a rede mundial de computadores. No centro de uma polêmica mundial, a companhia é alvo de ataques de todo o mundo. Afinal, é controlada pelo governo americano, o que da à Casa Branca poder especial sobre a Internet no mundo.

Mas as revelações do analista de sistemas Edward Snowden mudaram o rumo da gestão da web. Para conter a ira internacional causada pela denúncia de que chefes de estado e milhares de pessoas estavam sendo vigiadas pelo governo americano, Washington aceitou acabar com seu controle sobre a Icann, num gesto de “paz”.

A entidade deu início a um processo de reforma para se transformar em uma organização de fato multinacional. A expectativa é de que o processo seja atingido no fim de 2015. Mas o governo americano já avisou: se no lugar da Icann o que o mundo criar for uma “ONU da internet”, não aceitará ceder seu poder e continuará a dominar a rede.

Ontem [quinta-feira, 28/8], em Genebra, o Fórum Econômico Mundial iniciou um processo de consultas para, justamente, tentar desenhar o futuro da gestão da internet. Trata-se do primeiro passo para tentar implementar o que uma conferência internacional realizada, em maio, em São Paulo, estabeleceu: a necessidade de se encontrar uma arquitetura para administrar a rede.

O texto final da conferência NETmundial definiu, entre outras coisas, que os mesmos direitos humanos defendidos no mundo offline devem ser preservados no mundo online. O modelo de governança deve ser o multissetorial e continuamente aprimorado. O texto recomenda que o processo de transição da governança da Icann aconteça de forma gradual até setembro de 2015.

Davos

O processo que se iniciou no Fórum Econômico Mundial criou um sério mal-estar. Entre mais de 70 especialistas, representantes de empresas e do governo americano, apenas dois chineses foram convidados e ninguém do mundo árabe, restante da Ásia ou africanos.

A iniciativa de Davos estava sendo mantida em sigilo. Mas o vazamento de documentos revelando as intenções da entidade causou desconforto internacional. Por isso, o Fórum decidiu convidar novos participantes, entre eles o Brasil, representado pelo secretário de tecnologia da informação do governo, Virgílio Almeida.

Gestão

Apesar de gerar críticas na sociedade civil brasileira, o Palácio do Planalto decidiu participar do evento para continuar a influenciar no processo e garantir que sua visão seja considerada. “Queremos um processo aberto, transparente”, declarou Almeida. “O que há como consenso é que o modelo de gestão da web terá de ser compartilhado, como temos no Brasil”, disse. “A internet é uma construção coletiva e esse é o começo do processo”, indicou o brasileiro.

Tanto a Icann quanto Davos e as multinacionais comemoraram o fato de que, nos últimos meses, Brasília se distanciou de posições mantidas pela China, Rússia e outros países emergentes, que defendem um controle sobre a web vindo quase que exclusivamente de Estados.

Após o encontro, Chehadé falou ao Estado e não deixou de elogiar o Brasil. “O País está colaborando muito.”

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‘A internet está desafiando a forma pela qual nós governamos tudo’

Em entrevista ao Estado, Fadi Chehadé, presidente da Icann, diz ser contra a criação de uma “ONU” para gerir a internet. (J.C.)

Quem vai governar o futuro da internet?

Fadi Chehadé – Organizações separadas que administram a internet aumentaram nos últimos anos. A Icann é uma delas. Elas não são perfeitas, mas estão evoluindo. A internet coloca muitas questões e não temos ainda caminhos para a solução. Portanto, temos duas opções: ou podemos passar os próximos dez anos debatendo se vamos criar uma nova Icann ou podemos separar a questão das soluções e sua implementação.

O que isso quer dizer?

F.C. – Todos nós conhecemos os problemas. Mas precisamos reunir todos e começar a testar soluções. Pode ser que tenhamos soluções que sejam assumidas por diferentes organizações. O que precisamos garantir é que, quem assuma isso, tenha a capacidade de dar uma resposta. Em alguns anos, o que haverá será diferentes grupos, entre eles a Icann. Eles serão grupos pequenos e focados em temas específicos.

Mas o sr. não vê a necessidade de uma organização internacional que controle todos esses grupos especializados? Uma espécie de ONU?

F.C. – Não. Isso vai fazer a internet perder sua velocidade. Isso não quer dizer que não precisamos de instituições para ajudar no trabalho. Mas não uma entidade que controle tudo. A forma de governar a internet deve refletir o que a internet é hoje: descentralizada. Não se pode controlar a internet de uma forma centralizada, de cima para baixo. Essa é a imagem que espero ver.

Tim Berners Lee, o criador da internet, deixou claro que a web está ameaçada. O sr. concorda com isso?

F.C. – Está em perigo sim. A internet desafia hoje o modelo de governo que se criou no século 20. A internet hoje está desafiando a forma pela qual nós governamos tudo.

E por que a atual arquitetura internacional não funciona para lidar com a internet?

F.C. – A internet é transnacional e veloz. Se você poluir o rio em Genebra, Marselha será afetada em três horas. Mas, se você poluir a internet no Cairo, antes de você piscar ela afetou Los Angeles. A velocidade da internet está desafiando a todos. As instituições da ONU não foram desenhadas para lidar com algo tão veloz quanto a internet.

Qual o risco se não houver um acordo?

F.C. – Não podemos mais continuar assim. Se não houver um acordo, a internet vai se fragmentar. A fragmentação de políticas já está ocorrendo, com medidas adotadas em alguns países que não podem ser adotadas em outros. Mas o maior risco é o da fragmentação política. Exacerbados, governos podem simplesmente dizer: ao inferno com tudo isso, vou criar minha própria internet. Esse é o maior perigo.

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Jamil Chade, do Estado de S.Paulo, em Genebra