Sunday, 29 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Telefonia no Brasil é redesenhada na Europa

O futuro das operadoras de telecomunicações no Brasil depende de negociações que estão em curso, neste momento, em quatro países europeus: França, Itália, Espanha e Portugal. O grande maestro por trás do movimento de consolidação é a espanhola Telefónica, mas a decisão de como ficará o setor está nas mãos da francesa Vivendi, dona da GVT no Brasil.

Em sua reunião do conselho de administração, hoje, a Vivendi deverá analisar duas propostas. Uma da Telefónica, para adquirir a GVT, e outra da Telecom Italia , que propõe uma fusão entre sua controlada TIM Brasil e a GVT.

Ontem [quarta, 27/8], as atenções se voltaram para as reuniões dos conselhos de administração da Telefónica, em Madri, e da Telecom Italia, em Milão. A Telefónica aumentou sua proposta, não solicitada, de € 6,7 bilhões que já havia apresentado à Vivendi, para € 7,5 bilhões. O grupo espanhol já havia perdido a GVT para a Vivendi em uma conturbada disputa, em 2009, e agora está disposto a endurecer o jogo para não repetir a derrota. Logo depois que a Telecom Italia decidiu blindar a TIM, propondo uma fusão da empresa com a GVT, a Telefónica revidou, melhorando sua oferta.

Na última hora, na noite de terça-feira [26/8], a Oi confundiu mais ainda o jogo. Enviou um comunicado à Comissão de Valores Mobiliários (CVM), informando que havia assinado contrato com o banco BTG Pactual, que como comissário deverá desenvolver alternativas para comprar a fatia da Telecom Italia na TIM.

Por esse modelo, o BTG age em seu próprio nome e negocia com as empresas interessadas em aderir à proposta de aquisição. De imediato, o banco sai apenas com a adesão da Oi. A expectativa é que a América Móvil – dona da Claro, Net e Embratel Star One – e Telefônica Vivo se juntem para uma proposta em comum. A proposta é adquirir a participação indireta de 66,7% do capital que a Telecom Italia tem na TIM.

Ontem [quarta, 27/8], o valor de mercado da TIM alcançou R$ 30,752 bilhões. A ação ordinária foi cotada a R$ 12,72, com valorização de 11,18%. Foi a quinta maior alta do mercado à vista e a primeira do Ibovespa.

A ação preferencial da Oi fechou a R$ 1,43, alta de 6,71%, a segunda maior do Ibovespa. Com isso, o valor de mercado da Oi atingiu R$ 12,448 bilhões. Em Lisboa, as ações da Portugal Telecom subiram 6,3%, cotadas a € 1,55, enquanto em Milão o papel da Telecom Italia fechou em alta de 3,17%, a € 0,86.

A pergunta que analistas e fontes do setor faziam ontem era como a Oi poderia bancar sua parte em uma eventual oferta pela TIM. O valor de mercado da Oi é bem inferior ao da TIM. Além disso, a empresa reportou dívida líquida de R$ 46,2 bilhões no fim de junho, considerando a integração dos negócios da PT Portugal. A dívida bruta era de R$ 52,2 bilhões e o caixa, de R$ 5,988 bilhões. Para o analista Alex Pardellas, da CGD Securities, a Oi não tem condições financeiras para fazer a aquisição, pois o endividamento líquido e a relação entre a dívida líquida e o lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização (Ebitda, em inglês) está próxima a 4,5 vezes.

A questão já vinha sendo debatida há meses, quando já se comentava que a Oi, assessorada provavelmente pelo BTG, lideraria a aquisição e que, se o negócio fosse concretizado, a TIM seria dividida entre os concorrentes no Brasil.

Concentração de mercado

Além de a Oi não ter de fazer a proposta pela fatia inteira da Telecom Italia na TIM, ainda conta com ativos para financiar sua parte. São cabos submarinos em Portugal, torres de telefonia móvel e imóveis. Até os ativos da TIM poderiam ser vendidos ao entrar no negócio, como a rede de fibra óptica da operadora e a rede de longa distância da Intelig, além de torres de celular avaliadas em R$ 7 bilhões.

A Telecom Italia não recebeu bem o comunicado da Oi e divulgou nota argumentando que o conselho de diretores tomara conhecimento, pela imprensa, da iniciativa da empresa com o BTG. Confirmou, ainda, que a TIM Brasil continua a ser “um ativo estratégico com o qual está comprometida para concentrar importante investimento e perspectiva de crescimento” e “especifica que é completamente estranha à iniciativa da Oi S.A., a qual desconhecia”.

O grupo italiano de fato se mostrou irritado com o movimento da Oi, considerado uma “interferência inapropriada” em um processo que já era complicado. Se o BTG concluir um desenho de aquisição e enviar uma proposta formal, o presidente da Telecom Italia, Marco Patuano, terá de levá-la ao conselho. E isso atropela tudo que vinha sendo discutido.

Essa seria a última chance para a Oi tentar abocanhar uma fatia da TIM, no caso de fragmentação da tele. Nesse caso, não haveria sentido para a Telecom Italia prosseguir em seu plano de consolidar a TIM com a GVT. Uma proposta da Oi, se bem-sucedida, eliminaria um concorrente de serviços móveis. A TIM é a 2ª no ranking por número de clientes (74,2 milhões), atrás apenas da Vivo (79,4 milhões). Pela proposta da Telefónica, desapareceria como rival a GVT, focada em telefonia fixa, banda larga e TV por assinatura. Já no modelo de aquisição da Telecom Italia, TIM e GVT se uniriam, uma complementando o serviço que falta na outra.

“A Oi não pode ficar passiva com o processo de consolidação em curso nesta indústria. No caso do Brasil, tem obrigação estratégica de ser protagonista”, disse ao Valor uma fonte próxima ao grupo de controladores da operadora brasileira. Embora haja preocupação com o processo de fusão com a Portugal Telecom e a dívida resultante disso, a aposta é que com a sequência do processo de fusão após a aprovação da Assembleia Geral Ordinária, em Portugal, marcada para 8 de setembro, a estratégia será de continuar o caminho para tornar o grupo Oi uma corporação, com acesso a funding de longo prazo a custos competitivos.

A expectativa, ainda, é que uma eventual fusão crie sinergias que permitam um processo de consolidação de ativos que permitam um significativo processo de redução da dívida da Oi.

Já entre analistas o cenário não é tão promissor. Um ponto de preocupação, além da dívida da Oi, é o “imbróglio” envolvendo a Portugal Telecom, que levou um calote de € 897 milhões do Grupo Espírito Santo, obrigando-a a reduzir sua fatia na fusão com a Oi.

Há quem classifique de “movimento desesperado” a contratação do BTG pela Oi, tentando evitar que a TIM compre a GVT. Isso porque se o comando da Oi avaliasse que a Telefônica é que iria comprar a GVT, não teria razão para divulgar um comunicado ao mercado na véspera da reunião do board da Vivendi. Segundo um analista, o natural seria a Oi esperar fechar a compra da GVT pela Telefônica, o que teria como consequência a redução do valor da TIM Brasil e aí fazer oferta por ela.

Vender a TIM para a Oi criaria mais valor para a italiana do que uma possível associação com a GVT, disse um analista que preferiu não se identificar. Se a Telecom Italia ficar com a GVT, unidade de telefonia fixa e banda larga da francesa Vivendi, terá de consolidar um mercado de quatro operadoras, cuja competição é cada vez mais acirrada. Por isso, a venda da TIM seria uma opção com resultados mais seguros.

Em todos os casos, terá de ser observada a concentração de mercado, mesmo que regional. A Telefônica está tentando atender às exigências do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), que não aceita a participação da espanhola na Vivo e indiretamente na TIM. O grupo espanhol já diminuiu sua participação na Telecom Italia de 14% para 8,3%, mas não é suficiente. A Telco, com 22,4% de participação na Telecom Italia e com a Telefónica como maior acionista, está em fase de liquidação. Aos poucos, o cenário vai se modificando. (Colaborou Heloisa Magalhães, do Rio)

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Ivone Santana, Graziella Valenti, Talita Moreira e Tatiane Bortolozi, do Valor Econômico