Em Istambul houve, na semana que passou, o nono Internet Governance Forum (IGF). Um evento grandioso com mais de 3 mil inscritos de todo mundo e com uma agenda com cerca de 200 sessões de vários tópicos.
A primeira reunião do IGF foi em 2006, em Atenas, com 300 participantes e, no ano seguinte, o IGF foi realizado no Rio de Janeiro, quando já havia mais de 500 participantes. Entre os temas tratados nessa edição, estão neutralidade da rede, interesse público, proteção à criança, legislação e o risco de fragmentação da rede. Tratar de algo que desconhece fronteiras sempre traz desafios e tensão aos mecanismos de aplicação das leis nacionais e de soberania.
Outro tema quente diz respeito à transição da Internet Assigned Numbers Authority (Iana). Nos anos 80/90, esse grupo era composto por pesquisadores liderados por Jon Postel na University of Southern Califórnia (USC), que cuidavam de três tópicos críticos para internet nascente: a atribuição de números IP às redes ingressantes, a manutenção da base de informações sobre protocolos-padrão e parâmetros técnicos referentes ao funcionamento da rede, e a manutenção e atualização do conteúdo da raiz de nomes da internet.
É nesta raiz que toda a estrutura de nomes está “ancorada” e nela constam os domínios de nível mais alto (TLD), sejam eles de país, como o “.br”, sejam genéricos, como “.net” e, agora, “.rio”, além de outros. Com o crescimento da rede, o Departamento do Comércio (DoC) dos EUA entrou em cena em 1998 e chamou organizações sem fins de lucro para que se candidatassem a assumir o papel e as funções da Iana.
Culturas e tradições
A Internet Corporation for Assigned Names and Numbers (Icann), uma ONG instalada em Los Angeles, ganhou o contrato no final de setembro de 1998, um ano bastante tenso e tumultuado para a internet. Cerca de um mês depois de a Icann assumir a Iana, Jon Postel faleceu. Sem ele, um clima de incerteza pode ter motivado um novo contrato, firmado entre a National Telecommunications and Information Administration (Ntia, vinculada ao DoC) e a Icann; que passaria a “supervisionar” a manutenção da raiz.
Qualquer alteração proposta e aceita pela Icann e pela Iana só poderia entrar em vigor após passar pelo crivo da Ntia. O contrato dava a um único instituto de governo o privilégio de autorizar ou não a alteração na raiz. E, pior, o que parecia ser provisório foi se eternizando. Em março de 2014, pouco antes da NETmundial, importante reunião realizada em São Paulo, a Ntia surpreendeu ao anunciar que pretendia não mais renovar o contrato trianual com a Iana, quando de seu término em 2015. Uma boa notícia! Resta ver quais propostas surgirão para assumir (ou, até mesmo, eliminar) o papel de “avalizador” das alterações na raiz de nomes da internet.
Discute-se assim, em Istambul, a encruzilhada atual da internet. Que esses temas sejam tratados em Istambul, um caldeirão de culturas e tradições, não deixa de ser intrigante. É, certamente, muito adequado cuidar aqui de Política, na mais profunda acepção etimológica do termo. Tratemos de política “na Pólis”, em grego “éis tin Póli”, expressão cujo som gerou “Istambul”.
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Demi Getschko é conselheiro do Comitê Gestor da Internet e colunista do Estado de S.Paulo