Nesta semana termina a reunião Plenipotenciária da União Internacional das Telecomunicações, em Busan, Coreia do Sul. A reunião, que traz no nome a ideia de onipotência, dá direito a voto aos órgãos reguladores das telecomunicações de cada país. O Brasil é representado pela Anatel.
Enquanto aguardamos o que emanará de Busan, vejamos quais os conceitos em cena e como isso se relaciona à governança da internet. Uma referência recente em discussões nas redes sociais é o Tratado de Vestfália. Foi na Paz de Vestfália, em 1648, ao final de diversas conflagrações na Europa e, especialmente, da guerra entre Espanha e Holanda, que sedimentou-se o conceito de “Estados Soberanos” e que a Holanda se tornou independente.
É talvez o dilema mais crítico no debate da governança da rede: sua extraterritorialidade. De certa forma, a internet “não assina” o tratado de Vestfália, porque não vê as fronteiras entre Estados. Por isso sua governança deve ser multissetorial, participativa e a partir das bases. É antípoda a Busan, onde o mundo tradicional se reúne.
A governança da internet evolui muito bem entre povos latinos, que, de alguma forma, têm sido usados como paradigma no processo. Para começar – e com algum ufanismo – cite-se que a Lei Geral das Telecomunicações brasileira já em 1997 definia internet como um “serviço de valor adicionado”, que se vale da infraestrutura das telecomunicações mas que com ela não se confunde. O Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), criado em 1995, é exemplo de governança multissetorial que antecede a criação da Icann, em 98. E o CGI.br, em 2009, concluiu o “decálogo” de princípios da internet no País, para proteger a rede e melhorar o entendimento de seus conceitos.
Ruptura de conceitos
O “decálogo” foi internacionalmente bem recebido. No Fórum de Governança da Internet (IGF) de 2010, em Vilna, Lituânia, foi saudado como uma conquista importante para a rede. Foi dele que derivou o Marco Civil para a Internet no Brasil, sancionado em 23 de abril de 2014, na abertura do encontro NETmundial, em São Paulo.
Em agosto de 2010 o Chile promulgava a lei 20.453 que trata especificamente de “neutralidade” na rede e que, em seu artigo único, determina: “não se poderá arbitrariamente bloquear, interferir, discriminar, dificultar ou restringir o direito de qualquer usuário da internet em utilizar, enviar, receber ou oferecer qualquer conteúdo, aplicação ou serviço legal através da internet…”
E, alvíssaras, o Congresso Italiano acaba de propor para consulta pública uma carta de direitos na rede com 14 princípios. Segue, assim, na trilha do Marco Civil brasileiro, inclusive em relação ao processo, que inclui uma ampla consulta pública.
Finalmente, em Portugal uma iniciativa multissetorial para gerir uma organismo privado e sem fins de lucro que administra o .”pt” também acaba de surgir.
A internet sempre representa uma ruptura de conceitos tradicionais. Mas é sábio e razoável levar muito em conta a soberania nacional. A internet pode seguir livre e tranquila ao mesmo tempo em que respeita as leis dos países em que se insere. Torçamos para que a internet sobrenade!
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Demi Getschko é conselheiro do Comitê Gestor da Internet e colunista do Estado de S.Paulo