Terminadas as eleições, os mais variados balanços estão sendo feitos, contabilidades realizadas e ações sugeridas. O saldo mais importante sem dúvida é a escolha da presidente. Com uma margem pequena, mas suficiente, o PT e seus aliados conseguem um inédito quarto mandato. Foi uma disputa apertada, tensa e a política de alianças em vigor alimentou a confusão ideológica, possibilitou o oportunismo fisiológico, mas não escondeu a polarização e a crescente definição dos atores políticos.
De um lado, a histórica esquerda nacional, agora amparada num apoio popular indiscutível e fruto das políticas de inclusão em andamento. De outro, a velha direita com os velhos e novos aliados também, uma crescente classe média, paradoxalmente constituída a partir das políticas governamentais que viabilizaram um crescimento econômico consistente e um padrão de consumo equivalente, mais uma massa de eleitores alimentados pela ação partidária e engajada da imprensa nacional e estimulada pelos eventos de junho de 2013, que sinalizavam com a adoção tática da violência e uma tênue escolha ideológica construída a partir do combate à corrupção.
Agora muitos se arvoram vencedores e outros tantos tentam reverter a derrota, mas no final do pleito os atores reais apareceram, inclusive para além dos dois principais partidos políticos envolvidos. Ganhou a eleição, por pouco é verdade, a política econômica e social em andamento. Militantes políticos e sociais saíram às ruas revigorando o cenário nacional e construindo a unidade que as siglas não conseguiram. Por outro lado, a mídia mais uma vez galvanizou a oposição e possibilitou, pela primeira vez, que a direita se apresentasse como tal, constituindo incipientes militantes ao lado dos já conhecidos cabos eleitorais pagos.
As análises em voga apresentam diferentes enfoques, diversas conclusões e, é claro, receitas muitas vezes opostas. Sinteticamente é possível afirmar que o protagonista mais atuante e destacado não era um ator político legítimo. As redes de comunicação nacional mais uma vez exacerbaram seu papel e usurparam um espaço de outros atores. A manipulação e partidarização das empresas de comunicação acenderam a luz vermelha e produziram uma reação que poderá, se bem encaminhada, finalmente discutir e aplicar sobre o sistema de comunicação brasileiro os princípios democráticos previstos na nossa constituição. A intromissão da mídia foi de tal intensidade – a capa da revista Veja do dia 24 de outubro é apenas o ápice do processo – que os danos ultrapassam o pleito e atingem mortalmente o jornalismo. Caberá agora aos jornalistas, porque as empresas já o abandonaram há tempo, defender e lutar por um jornalismo efetivo, forte, livre e democrático.
Reforma necessária
Não será fácil. Os sintomas autoritários continuam e se ampliam. Uma escolha de venezuelização parece tomar a elite brasileira, comandada pelas empresas de comunicação, sugerindo abertamente ou golpe ou a constituição de uma oposição intransigente e autoritária que voltará a apostar na violência e na ruptura.
A esquerda, por sua vez, vencedora nacionalmente mas enfraquecida pelo crescimento da candidatura Aécio e da agressividade da mídia tradicional, tenta reagir. E o faz de várias maneiras. Ao lado de reconhecer demandas insatisfeitas, sinalizar para aliados em potencial mais à esquerda, recompor a agenda das reformas estruturais e implementar as regulações civilizatórias necessárias, também cria mistificações e justificativas para acolher ações políticas que tendem ao isolamento e à intransigência.
A análise que percorreu as redes e foi acolhida por parte importante dos eleitores de Dilma é de que estas redes sociais impediram o golpe midiático, denunciado em escala nacional primeiro por Tarso Genro e em seguida pela própria candidata Dilma Roussef. Decorre desta análise que a vitória de Dilma só foi possível pela existência das redes sociais. No meu entendimento está análise, parcialmente correta, alimenta uma mistificação da tecnologia que pode produzir futuros erros táticos e estratégicos.
Em primeiro lugar, agora já é claro que as chamadas redes sociais não são tão sociais assim. Elas tribalizam a sociedade, fragilizam a esfera pública e, portanto, em si mesmas não realizam a inclusão ou promovem o debate, indispensável para a constituição da opinião pública. Não há dúvida de que são importantíssimas para o contraponto de uma mídia engajada e partidarizada. Mas não realizam, a não ser em raros momentos e em raros casos, a função de mediação dos relatos sociais.
Em segundo lugar, parece injusto com os milhões de anônimos militantes que percorreram estradas, ruas e ruelas com suas mensagens, panfletos e bandeiras, imaginar que foi majoritariamente a importante, mas restrita, guerrilha na internet que venceu a eleição. Esta versão, oriunda é claro dos apologistas das redes, já tinha sido difundida na primeira vitória de Dilma, omitindo que, na verdade, naquela ocasião como agora, a calúnia, a difamação, a mentira e a ideologização estiveram muito mais presentes do que a verdade e a informação.
Naquele momento foi o tema do aborto que inundou a globosfera, produzindo uma queda na intenção de voto na candidatura de Dilma que só não foi pior porque não houve tempo. Nesta eleição, as redes foram importantes como contraponto a uma mídia majoritariamente militante em favor de Aécio, mas longe de ter o determinismo que o setor reivindica.
Do mesmo modo o surgimento de propostas de criação de um jornal nacional de massas por parte de uma tendência do PT, ao mesmo tempo em que parece ser uma saudável iniciativa de criação de alternativas, não esconde um desejo incontido e perigoso de reduzir a urgente e necessária democratização da comunicação com a criação de um sistema de comunicação de sinal contrário ao sistema hegemônico atual. Vejas e Globos de sinal contrário seriam apenas a reprodução da visão instrumental e manipulatória da comunicação reinante hoje.
De maneira que, tanto quanto a reforma política anunciada pela presidenta eleita, é necessária a reforma onde a política está sendo realizada efetivamente. Um marco regulatório urgente e democrático, como foi sugerido por Dilma no calor da disputa, que retome os compromissos assumidos pelo governo Lula durante a realização da 1ª Confecom, é a única saída para que a comunicação e o jornalismo reassumam sua dimensão libertadora e transformadora.
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Celso Augusto Schröder é presidente da Federação Nacional dos Jornalistas