Teorias que analisam o profissionalismo consideram que a existência de uma profissão depende, crucialmente, do controle que esta atividade exerce sobre sua própria base cognitiva, um controle circunscrito, portanto, na esfera da deontologia. Basta uma comparação com os campos do Direito e da Medicina para compreender como códigos deontológicos, conselhos profissionais e códigos de ética são amplamente ratificados no bojo das relações sociais contemporâneas.
O conhecimento abstrato, controlado por grupos profissionais, define uma profissão e afirma a legitimidade dos campos profissionais. Nesse cenário, o conhecimento acadêmico e a formação científica em escolas especializadas emergem como critérios de afirmação social de uma dada atividade profissional.
A especialização de um campo profissional e sua consequente diferenciação de outros campos profissionais implica no domínio de uma linguagem especializada e diferenciada em relação aos “não profissionais” (TRAQUINA, 2005). Desse modo, especializar significa atribuir autoridade e autonomia àqueles que se dedicam a uma determinada ocupação, assim como acontece na própria Medicina, no Direito e em tantas outras áreas do saber profissional.
Greenwood (apud Traquina, 2005) elenca cinco atributos necessários à caracterização de uma ocupação como profissão: 1) a existência de um corpo sistemático de teorias que servem de base para a prática; 2) a preponderância de um sentimento de autoridade profissional; 3) a ratificação pela comunidade da autoridade dos “agentes especializados”, inclusive de seu poder de exigir controle sobre a admissão de novos profissionais; 4) a existência de um código regulador de ética formal; 5) a existência de uma cultura profissional.
Estandardização da base cognitiva
A problemática da profissionalização jornalística perpassa, dentre outras questões, o reconhecimento/auto reconhecimento, a legitimidade e a afirmação do poder da base cognitiva e deontológica da área. A afirmação de que basta escrever em um jornal para ser jornalista deságua na confusão entre as circunstâncias que circunscrevem o Jornalismo como profissão e aquilo que o referenda como prática, apenas.
O surgimento das escolas de formação em Jornalismo no Brasil, a exemplo do que ocorreu em outros países, não esteve associado ao esforço de profissionais de campo em socializar um saber característico, mas de acadêmicos que tomaram a iniciativa de aplicar ao domínio jornalístico, outros domínios epistemológicos pré-existentes como, por exemplo, as Ciências Sociais e Humanas, Letras e Humanidades e Ciências da Comunicação (BENEDETI, 2009).
A legitimidade de uma profissão, então, se assenta no esforço de seus profissionais para reconhecerem instituições educacionais e formas de ensino que promovam, por assim dizer, a estandardização da base cognitiva necessária ao exercício profissional, um saber mais complexo do que exigem as rotinas do dia a dia. Tal legitimidade consistente em incutir na cultura da profissão um saber reflexivo que questione o saber estabelecido e, pontualmente, interrogue as bases solidificadas que referendam o jornalismo como uma questão de prática, dissociada de qualquer saber abstrato.
Referências
BENEDETI, C. A. A qualidade da informação jornalística: do conceito à prática. Florianópolis: Insular, 2009.
DUBAR, C. A socialização: construção das identidades sociais e profissionais. Portugal: Porto Editora, 2005.
TRAQUINA, N. Teorias do Jornalismo. vol. 2. A tribo jornalística – uma comunidade interpretativa transnacional. Florianópolis: Insular, 2005.
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Anielle Morais é jornalista, mestre em Letras e professora dos cursos de Jornalismo e Publicidade e Propaganda