Wednesday, 13 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1313

Ministro Berzoini e a radiodifusão

A presidente Dilma Rousseff tem se manifestado contra o controle de conteúdo, mas defende a regulação econômica da mídia. Explica que a regulação econômica diz respeito a monopólios. “Em qualquer setor econômico, seja energia, petróleo, tem regulações e a mídia não pode ter?” (Estado, 6/11/2014, por Marcelo de Moraes e Tânia Monteiro). Há quem diga que o alvo da presidente é a Rede Globo. Ela nega: “Não acho que essa discussão possa atingir a Globo. Não acredito que seja o caso…”.

Passados quase dois meses daquela sua entrevista, a presidente Dilma abriu o processo de discussão sobre a regulação econômica da mídia ao nomear o ex-deputado federal (PT-SP) Ricardo Berzoini para o Ministério das Comunicações. Os blogueiros e ativistas digitais comemoraram a escolha do ex-líder sindical e ex-presidente do PT.

A indicação de Ricardo Berzoini para ministro das Comunicações sinaliza que a radiodifusão (rádio e televisão) terá prioridade na discussão do projeto da regulação econômica da mídia. A propósito, tenho lido nas redes sociais comentários de ativistas digitais que, diferentemente da presidente Dilma, defendem uma regulação econômica tendo como alvo a Rede Globo. Penso que os defensores da regulação econômica da mídia não devem analisar o poderio político, econômico e financeiro da Rede Globo separadamente do contexto da radiodifusão.

Estamos diante de uma situação inusitada. É como se a Globo fosse um pugilista dentro do ringue fazendo aquecimento à espera de seu adversário. O pugilista é visto por milhões de telespectadores. Todavia, para frustração geral, o adversário não aparece. Seria uma violência punir ou eliminar esse pugilista pela ausência de seu adversário.

Então, é o caso de perguntar o que tem impedido o surgimento de redes de televisão que poderiam competir à altura com a Rede Globo. É fácil responder: a barreira é a indiferença do governo ao anacronismo da radiodifusão brasileira.

A presidente Dilma Rousseff já deveria ter promovido a reforma da radiodifusão. Com a ajuda de sua base aliada no Congresso Nacional, poderia ter democratizado a outorga de concessões de rádio e televisão, ensejando a entrada de novos e talentosos concessionários com potencial para enfrentar a Rede Globo.

No entanto, como seria possível essa mudança, diante do escandaloso fato de 30% das concessões de rádio e TV estarem em poder de políticos congressistas? Tal panorama é uma agressão à Constituição da República. Essas concessões poderiam estar em mãos de gente talentosa e criativa, com vontade de fazer televisão regional de qualidade – por conseguinte, fatiando, de modo quase igualitário, o bolo publicitário (verba) do meio televisão.

Alto nível

Até hoje os governos petistas deixaram de propor a revisão da renovação de concessões de radiodifusores que se mostram completamente desinteressados em prestar serviço público e entreter de verdade. Estes encontraram no arrendamento do espaço de suas emissoras uma maneira fácil de ter uma receita vultosa sem despesas.

O colunista de TV Daniel Castro destacou no site UOL, em 11 de dezembro: “Comenta-se no mercado que as igrejas eletrônicas injetam R$ 1 bilhão na televisão todo ano”. Situação que persiste como afronta às atribuições da radiodifusão estabelecidas na Constituição de 1988.

Muitos arrendatários são congressistas e apoiam o governo Dilma. A propósito, o deputado federal George Hilton, pastor da Igreja Universal, é o novo ministro do Esporte.

Aliás, o espaço atualmente arrendado às igrejas poderia ser ocupado por jornalistas, artistas, autores, técnicos, etc., interessados em competir com a Globo ou em estabelecer redes regionais competentes.

A radiodifusão, além de anacrônica, está desorganizada: cada um age com base em si próprio. Acredito que a reforma da radiodifusão ajudará a promover a pluralidade das fontes de informação. E a garantir o “direito à informação sobre aquelas coisas que convêm aos homens, segundo as circunstâncias de cada um, tanto particularmente como constituídos em sociedade” (Inter Mirifica – Concílio Vaticano II).

Entretanto, em junho passado, o ministro Berzoini deu uma entrevista aos blogueiros e ativistas digitais e não falou sobre a situação da radiodifusão brasileira. Disse que era favorável à regulamentação da mídia e contra o controle de conteúdo. Afirmou também que a sociedade precisa ser protegida contra os abusos da mídia, como ocorre em Portugal e na Inglaterra. Comentou que a esquerda parlamentar não passa de 100 a 120 deputados. E declarou ainda o ministro: “Como cidadão e agente político, entendo que a grande mídia no Brasil tem lado e é historicamente contra as conquistas dos trabalhadores” (Portal Fórum/Paulo Batista e Renato Rovai).

Parece-me que, terminada a campanha eleitoral e agora na condição de ministro das Comunicações, Berzoini depara-se com um dilema: o de manter o status quo, agradando aos parlamentares concessionários de rádio e televisão ligados à Rede Globo e que participam da base do governo no Congresso, garantindo a governabilidade para a presidente Dilma; ou ter de tomar partido dos trabalhadores, que, segundo o ministro, têm suas conquistas contestadas pela grande mídia.

Tenho a impressão de que, se a reforma da radiodifusão for realizada, todos os segmentos da sociedade, principalmente o dos trabalhadores, serão beneficiados e pouco sobraria para fazer a regulação econômica da mídia.

Faço votos de que a discussão sobre a regulação da mídia transcorra em alto nível. “Antes de tudo, deve-se incluir um autêntico compromisso com o bem comum, um bem que não se reduza aos estreitos interesses de um grupo particular ou nação, senão que acolha as necessidades e os interesses de todos, o bem da família humana” ( João Paulo II – 39.º Dia Mundial das Comunicações).

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Francisco Paes de Barros é radialista