Friday, 27 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Para além do livre mercado

As manifestas intenções de Ricardo Berzoini, novo ministro das Comunicações, em promover a regulamentação econômica da mídia causaram furor tanto na grande imprensa comercial como no Congresso Nacional, onde seis partidos – PSDB, PMDB, DEM, PTB, PSB e PPS –, por meio de suas lideranças, comprometeram-se a barrar qualquer iniciativa nesse sentido.

Evocando os direitos à liberdade de imprensa e de expressão, nomes como Eduardo Cunha (PMDB-RJ) e Aloysio Nunes (PSDB-SP) denunciaram a suposta censura que consubstanciaria essa “bolivariana” tentativa em amordaçar a livre imprensa do país, tese acolhida com entusiasmo por muitos da imprensa local. Nessa esteira, emblemáticas são as palavras do vice-presidente Michel Temer, que há seis dias afirmou: “Não acho que se deva alterar aquilo que esteja previsto na Constituição. Porque, se de um lado ela garante a livre expressão, especialmente da imprensa, ela adota também o princípio da responsabilidade.”

É exatamente aí onde está o problema.

O capítulo V da Constituição, que trata da Comunicação Social, até hoje, vinte e seis anos após sua promulgação, não possui qualquer legislação infraconstitucional que lhe confira normatividade, situação que o rebaixa à condição de mero artifício decorativo, desrespeitado sem qualquer pudor pela grande mídia comercial.

A questão, portanto, não estar em alterar a Constituição, mas em conferir eficácia a todo um capítulo constitucional que, com exceção de seu art. 222, é totalmente ignorado, omissão que possibilita que o mercado, e não o povo por meio de seus representantes no Parlamento, é quem dê as regras para a utilização de concessões públicas de rádio e TV, por exemplo, impondo limites à propriedade cruzada e demais pontos correlacionados.

Legislar em desfavor próprio

A Constituição, em seu art. 220, §5º, expressa com categoria que os meios de comunicação social não podem, direta ou indiretamente, ser objeto de monopólio ou oligopólio, exatamente a situação na qual se encontra hoje o regime de concessões do país, onde poucas famílias oligopolizam, sem quaisquer limitações, o uso do sinal – público – de TV em proveito tão somente de seus interesses empresariais, uma vez que o que tacham de censura – a legítima regulamentação de um capítulo constitucional – vai de encontro aos seus intentos eminentemente lucrativos.

Ainda, o Planalto peca em procurar manter a regulamentação unicamente na seara econômica, uma vez que o conteúdo das programações também deve ser objeto de limitações e controle conforme os princípios trazidos pelo art. 221 de nossa lei maior: preferência a finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas, promoção da cultura nacional e regional e estímulo à produção independente que objetive sua divulgação, regionalização da produção cultural, artística e jornalística, conforme percentuais estabelecidos em lei e respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família.

Outro motivo que certamente impulsiona tamanha oposição a qualquer espécie de regulamentação da mídia comercial está no artigo 54, I, “a”, também da Constituição, que coloca que deputados e senadores não poderão, desde a expedição do diploma, firmar ou manter contrato com pessoa jurídica de direito público, autarquia, empresa pública, sociedade de economia mista ou empresa concessionária de serviço público. Assim, endossar um novo marco regulatório seria legislar em desfavor próprio, uma vez que amplas parcelas do Congresso Nacional – em especial do PMDB – gozam de contratos de concessões de rádio e TV há décadas.

Sofismas infantis

Luís Roberto Barroso [BARROSO, Luís Roberto. “Liberdade de Expressão, Censura e Controle da Programação de Televisão na Constituição de 1988”. In Temas de Direito Constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 347] define censura como a submissão à deliberação de outrem do conteúdo de uma manifestação do pensamento como condição prévia da sua veiculação. Portanto, a regulamentação – comercial e de conteúdo – dos meios de comunicação conforme parâmetros constitucionais prévios e existentes há quase três décadas jamais poderia ser considerada censura, conforme demonstram as experiências dos “bolivarianos” EUA, Suécia, Reino Unido, Argentina, Venezuela e demais países que assumiram o compromisso político de pôr limites onde não havia.

O controle, a fiscalização e a regulação da mídia se tratam, segundo os conceitos de “liberdade civil” e “liberdade natural” de Rousseau, da mais concreta expressão da liberdade em democracias verdadeiramente maduras, inclusive para debater sobre o tema sem ter de lançar mão de sofismas infantis.

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Gustavo Henrique Freire Barbosa é advogado