Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Governo começa a fiscalizar aluguel de TV para a Universal

Por determinação da Justiça Federal, o Ministério das Comunicações instaurou quatro procedimentos administrativos para fiscalizar programas da Igreja Universal do Reino de Deus em emissoras de televisão da Rede CNT.

Controlada por familiares do ex-presidente do PTB José Carlos Martinez, morto em 2003, os canais da rede transmitem programas da denominação do bispo Edir Macedo 22 horas por dia, conforme contrato firmado em 2014 e válido por oito anos.

O Ministério das Comunicações confirmou que estão sendo fiscalizadas as quatro concessões da Rede CNT: TV OM de Curitiba; TV OM de Londrina (PR); TV Corcovado, do Rio de Janeiro; e TV Carioba, de Americana (SP).

Embora o governo fale na necessidade de regulação da mídia – causa defendida há anos pelo PT – a ordem de fiscalização partiu do juiz federal Djalma Moreira Gomes, da 25ª Vara de São Paulo.

Em decisão liminar, ele concordou com o Ministério Público Federal, que, numa ação civil pública, acusou o governo de omissão em relação às normas já existentes.

Apoiada em pareceres dos juristas Celso Antônio Bandeira de Mello e Fábio Konder Comparato, a Procuradoria questiona a legalidade do contrato CNT-Universal alegando que o acordo caracteriza alienação da concessão.

Ainda que seja interpretado como publicidade, o negócio é irregular, dizem os procuradores, pois extrapola o limite legal para propaganda, de 25% da programação.

Na ação contra o governo, a CNT, a Universal e seus respectivos representantes legais, a Procuradoria pediu uma liminar (decisão provisória) estabelecendo bloqueio dos bens dos envolvidos e suspensão imediata das concessões, entre outras medidas.

Foi na resposta a esse pedido de liminar que o juiz determinou a instauração da fiscalização. A ordem é extensiva à Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações).

Apesar de ter negado os demais pedidos, o magistrado, em diversos trechos da decisão, sugeriu concordar com os argumentos da acusação.

Afirmou que os fatos narrados na peça inicial da ação já estão “suficientemente comprovados” e que “é robusta a plausibilidade dos argumentos no sentido de que houve a transferência [da concessão] para terceiros”.

O juiz refutou a expressão “puxadinho hermenêutico”, usada por advogados da TV OM de Curitiba para desqualificar a tese da acusação em uma defesa prévia.

E disse ainda que “faz sentido” a alegação de que o governo federal tem permanecido “inerte” nessa área.

Em sua primeira manifestação jurídica sobre o caso, o governo afirmou que não sabia dos problemas listados pelos procuradores. Em manifestações anteriores, como uma entrevista do ex-ministro Paulo Bernardo à Folha, o governo já disse que, do seu ponto de vista, não há lei específica que vete acordos como o da CNT com a Universal.

Concorrência

O milionário mercado de aluguel de horários da programação de rádios e TVs é alimentado por empresas de televenda, entidades de representação de classe e, principalmente, igrejas evangélicas neopentecostais.

Entre as concorrentes da Universal buscam expansão disputando púlpitos eletrônicos estão a Igreja Internacional da Graça, do missionário R. R. Soares, e a Igreja Mundial do Poder de Deus, do apóstolo Valdemiro Santiago.

A própria CNT já alugava nacos de sua grade para Santiago e para o pastor Silas Malafaia, da Assembleia de Deus Vitória em Cristo, antes de fechar o acordo que entrega 22 horas diárias à Universal.

Bandeirantes, Rede TV! e Gazeta são algumas das emissoras que fazem esse tipo de negócio. Globo e SBT não alugam pedaços da programação, mas algumas de suas retransmissoras já fizeram isso.

Além da CNT, o Ministério Público faz acusações semelhantes contra a Rede 21 (do grupo Band), que também fechou acordo de 22 horas diárias com a Universal. Neste caso, porém, o juiz federal da 11ª vara negou todos os pedidos de liminar.

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Emissora e igreja afirmam que não há ilegalidade em contrato

Em defesa prévia enviada à Justiça Federal de São Paulo, a Rede CNT refutou a acusação de alienação de sua outorga dizendo que o grupo “continua exercendo o controle e operação de suas concessões de forma absolutamente independente, permanecendo responsável pelas atividades de seleção e direção de sua programação”.

Afirma ainda que seu acordo com a Igreja Universal tem “natureza comercial” cujo objeto “não tem o condão de imiscuir-se na gestão do serviço público”.

Segundo a empresa, “não há que se falar em arrendamento e, muito menos, em transferência de concessão”.

Sem entrar no mérito a respeito do tempo de programação cedido à Igreja Universal no acordo questionado pelo Ministério Público, a peça diz ainda que tal contrato não fere os limites legais de veiculação de publicidade.

A Folha pediu entrevista com algum representante da empresa ou com seu advogado por meio do escritório de advocacia que a defende, mas não houve retorno.

Universal

Em manifestação por escrito, o Departamento de Comunicação Social e Relações Institucionais da Igreja Universal afirmou que “a locação de espaço na grade de emissoras de televisão para a exibição de produções independentes é prática legítima e usual do mercado brasileiro, sendo exercida por todas as redes de TV, e não é vedada pela legislação em vigor”.

A igreja cita uma Nota Informativa emitida pelo Ministério das Comunicações para sustentar essa posição.

A denominação evangélica afirmou que “reitera sua convicção de que meios de comunicação social, como televisão, rádio e internet, podem e devem ser utilizados como canais evangelísticos, ultrapassando as barreiras da distância e levando uma palavra de vida e fé a qualquer lugar do mundo”.

Na nota, a igreja argumentou ainda que “todos os programas produzidos e veiculados pela Universal no Brasil e em outros países cumprem o objetivo principal de Jesus, de alcançar o maior número de pessoas e propagar o Evangelho”.

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Ricardo Mendonça é editor-adjunto de “Poder” da Folha de S.Paulo