Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Ainda levará tempo para se ter privacidade na internet

Asilado na embaixada do Equador em Londres desde junho de 2012, o fundador do site WikiLeaks, o australiano Julian Assange, 43, afirma que é “impossível” ter privacidade na internet. “Isso ainda vai levar muito tempo”, disse, em entrevista exclusiva à Folha, na sexta-feira (6).

Assange recebeu a reportagem para falar sobre seu novo livro, “Quando o Google encontrou o WikiLeaks” (Editora Boitempo), que chega ao Brasil na próxima semana. O livro aborda um encontro dele com executivos do Google em 2011.

A empresa, para Assange, tornou-se a vilã do controle de dados pessoais e aliada do governo dos EUA, com quem o fundador do WikiLeaks trava batalha jurídica em razão da revelação de documentos sigilosos, muitos deles segredos militares e diplomáticos.

Assange pediu asilo ao Equador em Londres para evitar a extradição para a Suécia, onde vivia e é acusado de crimes sexuais em 2010.

Ele se diz inocente e teme ser enviado aos EUA para ser julgado devido ao WikiLeaks.

Por questões de segurança, Assange pediu que não fosse feita imagem do local da entrevista. Do lado de fora da embaixada, um policial britânico fazia a vigilância.

Por quanto tempo o senhor conseguirá viver na embaixada?

Julian Assange – O presidente Correa (Rafael Correa, presidente do Equador) fala em 200 anos, mas espero que não seja por muito tempo. Há uma questão interessante, alguns benefícios, por questões de segurança nacional. Não há polícia britânica dentro da embaixada, não há intimações, tribunais. É como uma terra de ninguém. Não há lei formal, há apenas relação entre seres humanos.

Há uma certa curiosidade sobre sua rotina.

J.A. – Brinco com minha equipe quando me perguntam isso e digo: vamos mostrar meu lado humano. Eles brincam: ‘estamos procurando isso nos últimos quatro anos’. Mas não tenho que falar disso. Estou comprometido com o que estou fazendo, tenho família, me preocupo com ela.

O sr. tem visto seus parentes?

J.A. – Não posso falar por questões de segurança.

O sr. não pode sair daqui. Não se parece com uma prisão?

J.A. – Em alguns momentos, sim, porque recebo visita, há um aparato policial lá fora vigiando 24 horas por dia. Não é um ambiente saudável. É uma situação difícil, mas outras pessoas também estão em situações difíceis e estou confiante que vou sobreviver.

É viável uma solução no curto prazo, como uma negociação com as autoridades?

J.A. – Os países envolvidos, como Reino Unido e Suécia, querem mostrar firmeza. Já as autoridades dos EUA se recusam a conversar. É importante destacar que organizações de direitos humanos revelaram à ONU preocupação com minha situação.

O que tem feito o Wikileaks?

J.A. – Três coisas: uma é desenvolver recursos mais sofisticados de sistemas de pesquisa para nosso material, por um assunto ou uma palavra. Temos 3,1 milhões de documentos publicados, e desenvolver isso é importante para o jornalismo e pesquisas acadêmicas. A outra é trabalhar em cima de novas publicações, relacionadas a setores de inteligência. Em terceiro, estamos nos defendendo na Justiça pelo mundo.

E como estão os processos?

J.A. – São vários, espalhados, mas sobretudo nos EUA, onde há uma acusação interessante de conspiração e que poderia ser aplicada a qualquer empresa de mídia: um jornalista que trabalha para um veículo obtém uma informação de uma fonte e dizem que a fonte conspirou com o jornalista. Não. O jornalista discutiu com seu editor, que trabalhou nesse material para publicar. Essa chamada conspiração é parte normal do processo. Se os americanos forem bem-sucedidos nessa teoria, qualquer mídia poderá sofrer essa acusação.

Quantas pessoas trabalham hoje para o Wikileaks?

J.A. – Tenho orgulho disso. Apesar de tudo, de bloqueio bancário, eu aqui na embaixada, esse apoio tem crescido. Não é um número alto, mas é significante. Só não posso falar.

Durante esse tempo asilado, o sr. se arrependeu de algo em relação ao WikiLeaks?

J.A. – Não tenho arrependimentos, tenho muito orgulho do que fiz. E sobrevivi a isso. Mas tiro lições das estratégias do passado. Às vezes, você tenta voltar no tempo e percebe que, em situações específicas, foi forçado pelas circunstâncias.

Poderia dar exemplos?

J.A. – Eu subestimei o quanto a Suécia tinha mudado nos últimos 30 anos. A Suécia ficou famosa nos anos 70, quando o premiê Olof Palme aceitou refugiados do Vietnã e o país promoveu sua reputação. Mas, desde seu assassinato, em 1986, a Suécia se transformou no país mais próximo dos EUA na Europa, com exceção do Reino Unido. Foi um equívoco de minha parte. Eu também não entendi direito a natureza do “The Guardian” (jornal que rompeu parceria com Wikileaks). Sou australiano e o via como um jornal “antiestablishment”, mas isso não era verdade. É um jornal que representa parte do establishment britânico. Quando você é estrangeiro, leva tempo para entender noções de poder do país.

O seu novo livro aborda a possível “morte” da privacidade na internet. Como as pessoas podem protegê-la?

J.A. – Isso é impossível para a maioria das pessoas e ainda vai levar muito tempo. Por outro lado, as pessoas estão acordando para o que está acontecendo com o Google e criando demandas para algo que preserve a privacidade e reprima o apetite do Google, cujo negócio é coletar informação privada. Pelo menos 80% dos smartphones são controlados pelo Google, que grava as localidades, contatos, e-mails, o que pesquisaram.

Essas informações são integradas com outras coletadas no Gmail e no Youtube para construir um perfil sobre você. Não é só uma empresa de tecnologia. É a segunda maior companhia dos Estados Unidos, com conexões com o Departamento de Estado, trabalhando com projetos de inteligência nos últimos 12 anos.

Por isso afirma no livro que o Google não é o futuro da internet?

J.A. – Seu modelo é uma armadilha do serviço gratuito, oferecendo maneiras de pesquisa que parecem ser de graça, mas não são. É um anzol, e você é o peixe que morde a isca com informação pessoal.

No começo, parecia que o Google não atuava como organização lucrativa, porque oferecia serviços gratuito com simples técnicas de pesquisas, um logo colorido. Mas o fato é que essa organização está levando a política externa americana para outros países.

Como vê a repercussão do caso de espionagem dos EUA no Brasil?

J.A. – Ou o Brasil define suas instituições e tem o seu governo ou os EUA vão sempre encontrar uma maneira de meter os dedos no governo brasileiro.

O governo de Dilma Rousseff deve proteger a sociedade brasileira da ambição de outros Estados e das empresas conectadas com esses Estados.

O país tem de buscar passos para ser independente. Infelizmente, o governo dos Estados Unidos e as suas instituições privadas têm sido bem-sucedidos em corromper funcionários e empresas dos governos, incluindo no Brasil.

Essas pessoas pensam que a independência do Estado brasileiro é acoplada a suas ambições e estão dispostas a vender e trocar equipamentos militares para as missões de treinamento e de alta tecnologia com agências americanas.

Qual sua opinião sobre o debate do “direito de ser esquecido” envolvendo o Google na Europa, em que as pessoas podem requerer a retirada de links que citam seus nomes das pesquisas do site?

J.A. – O que me parece é que a Europa está decidindo formalmente testar o quanto eles podem empurrar para fora a dominação americana. É uma experiência sobre quão independente é o ocidente europeu. O Google tem economicamente o tamanho de algumas nações, como Nova Zelândia e Portugal. Na verdade, podemos dizer que o Google é como um Estado, e Estados têm obrigações. Quando seu poder aumenta, a responsabilidade também. O Google tem serviços como efeitos civis em bilhões de pessoas. Ou seja, no caso dele, não é publicar ou não publicar alguma coisa.

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Leandro Colon, da Folha de S.Paulo, em Londres