A prática de oferecer acesso a determinados produtos ou serviços on-line sem a cobrança pela conexão representa uma ameaça à neutralidade da rede, pelo menos é o que pensa Tim Berners-Lee, o inventor da web. A prática tem se tornado bastante popular entre as operadoras, inclusive no Brasil, com a oferta de acesso ao Facebook ou ao Twitter gratuitamente.
“Manter a neutralidade da rede é crítico para o futuro da web e o futuro dos direitos humanos, inovação e progresso”, afirmou Berners-Lee, em blog da Comissão Europeia. “Claro, não se trata apenas de bloquear ou estrangular. Também é sobre parar com a ‘discriminação positiva’, quando um operador de internet favorece um serviço em particular em detrimento de outro. (…) Em efeito, eles podem se tornar os guardas do portão, capazes de selecionar os vitoriosos e perdedores no mercado e favorecer os próprios sites, serviços e plataformas”.
O posicionamento do pesquisador surge em momento delicado da neutralidade da rede. O tema está em pauta na Comissão Federal de Comunicações dos EUA (FCC, na sigla em inglês) e ainda causa polêmica no parlamento europeu.
Segundo o “Wall Street Journal”, a proposta a ser apresentada pela FCC na próxima quinta-feira terá uma defesa firme da neutralidade, com as operadoras sendo reguladas como utilidade pública. Na Europa, uma proposta que defende a neutralidade da rede — mas não abrange a “discriminação positiva” — aprovada em abril último, retornou à mesa de negociações antes da aprovação final.
“Algumas companhias e governos argumentam que deveríamos acabar com o princípio da neutralidade da rede. Até agora, nós convivemos bem sem leis explícitas protegendo a neutralidade, mas com a evolução da internet, a situação mudou”, afirmou Berners-Lee. “Se nós quisermos manter e melhorar a internet como um motor de crescimento, nós devemos garantir que operadoras não possam bloquear, estrangular ou restringir conteúdos e serviços de seus usuários on-line, seja por motivações comerciais ou políticas”.
A última edição do relatório Web Index, 74% dos 86 países questionados não possuem legislações protegendo a neutralidade da rede. O Brasil está junto com a minoria, entretanto, apesar da aprovação do Marco Civil da Internet, com garantia explicita da neutralidade da rede, ainda falta regulamentar as exceções.
Consulta pública no Brasil
Desde o último dia 28, o Ministério da Justiça realiza consulta pública para debater o tema. O prazo para a coleta de sugestões é de 30 dias e qualquer cidadão pode participar pelo portal participacao.mj.gov.br. A questão da “discriminação positiva” é central no debate. Apesar de o Marco Civil proteger a neutralidade, algumas operadoras oferecem acesso gratuito ao Twitter e ao Facebook.
A neutralidade da rede é o princípio pelo qual todo o tráfego é tratado de forma isonômica na internet. Operadoras pleiteiam o direito de cobrar preços diferentes, dependendo do uso da rede. Elas querem, por exemplo, cobrar taxas de serviços como o Netflix e YouTube, para que a velocidade de entrega dos vídeos seja boa. Na outra ponta, querem diferenciar os consumidores, com a possibilidade de diferentes pacotes dependendo do tipo de uso. Por exemplo, quem usa a web só para acessar e-mails pagaria menos, ou, como na “discriminação positiva”, alguns serviços poderiam ser gratuitos.
Os defensores da neutralidade, entre eles Tim Berners-Lee, afirmam que a proposta das operadoras pode barrar a inovação e criar barreiras à difusão de conteúdo. Com o poder de bloquear ou estrangular o fluxo de informações, as operadoras poderiam prejudicar um concorrente de um serviço próprio, como as ligações VoIP e aplicativos de troca de mensagem, que ameaçam o faturamento com telefonia.
“Como inventor da World Wide Web, as pessoas sempre me perguntam: o que vem pela frente? Qual será o futuro na web? A verdade é que eu não sei. Por que? Quando eu fiz o design da web, eu deliberadamente a construí como um espaço neutro, criativo e colaborativo”, disse Berners-Lee. “Minha visão era que qualquer pessoa, de qualquer lugar do mundo, pudesse compartilhar conhecimento e ideias sem ter que comprar um licença ou pedir permissão a mim ou a algum CEO, governo ou comitê. Hoje, porém, um elemento chave para a abertura da web está sob ameaça”.