Sunday, 17 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

A transparência, as CPIs e a imprensa

Após ter sido deputado estadual pelo MDB, 1979-83; deputado federal pelo PT, 1983-87; candidato não eleito a prefeito e a governador de São Paulo em 1985 e 1986; ter voltado a ser professor de economia em tempo integral na Fundação Getulio Vargas; eis que o PT me sugeriu ser candidato a vereador para ajudar a eleger uma boa bancada e a nossa candidata a prefeita, Luiza Erundina. Aceitei. Percorrendo a cidade, com um Jeep Willys 1953 que amigos me emprestaram, pintado de branco com uma estrela vermelha, o número 13 e o slogan “Pintou Limpeza” – sugestão de meu amigo Carlito Maia –, me elegi com 201 mil votos, cinco vezes mais que o segundo colocado. Fui então eleito presidente da Câmara Municipal de São Paulo.

Ao assumir, coloquei em prática o mote “A transparência em tempo real é a melhor maneira de prevenir irregularidades”. Assim, passei a ter uma relação diária com a imprensa. Diferentemente do que ocorria antes, tudo de relevante na Câmara era relatado aos jornalistas. Determinei que as reuniões da mesa fossem taquigrafadas e seu conteúdo colocado à disposição na presidência e na biblioteca. Quando veio a notícia de que o conserto do heliporto havia sido pago duas vezes, instalou-se uma comissão para apurar o caso, com apoio do Ministério Público. Decidi que as reuniões da mesa diretora fossem transmitidas ao vivo pelo sistema de som da casa. A relação completa dos servidores, respectivas funções e remunerações passaram a ser divulgadas no Diário Oficial. Inúmeras irregularidades foram desvendadas e corrigidas. Em função da repercussão do trabalho, o PT indicou-me para ser senador por São Paulo.

Primeiro senador eleito pelo PT, em 1990, com 4,2 milhões de votos, 30% do total, dei grande importância à transparência na administração pública. No Senado, fui o primeiro senador a acessar os dados de receita e despesas do Sistema de Administração Financeira da União (Siafi). Diversos jornalistas interagiram com os servidores de meu gabinete. Com o apoio da imprensa passei a divulgar gastos, tais como as compras realizadas pelos palácios do Planalto e da Alvorada, as distorções detectadas na Legião Brasileira de Assistência em vários estados, como Alagoas, e as despesas realizadas pela Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Quando divulguei essas informações, o governo Fernando Collor interrompeu o acesso ao Siafi. No segundo semestre de 1991, duas vezes por semana solicitava que se restabelecesse a conexão. Somente cem dias depois, após o apelo do presidente do Senado, Mauro Benevides, ao ministro da Fazenda, Marcílio Marques Moreira, que se encontrava acordando em Tóquio às 6h30 da manhã, o acesso ao Siafi foi restabelecido.

Movimento cívico

No primeiro semestre de 1992, Pedro Collor de Mello, irmão do presidente Fernando Collor, deu uma entrevista à Veja relatando as atividades de Paulo César Farias, tesoureiro da campanha presidencial. PC Farias exercia extraordinária influência sobre as decisões governamentais, aproveitando-se para enriquecer ilicitamente, com vantagens para o presidente. Considerei tão relevante que fui conversar com Pedro Collor. Convidei o deputado José Dirceu para ir comigo ao Hotel Maksoud Plaza, em São Paulo, onde Pedro estava hospedado, e lá falamos por cinco horas. Ficamos tão impressionados que viemos à minha casa escrever o requerimento de uma Comissão Parlamentar de Inquérito. Recolhemos assinaturas em número suficiente para que no Senado e na Câmara se instaurasse a CPI Mista para apurar o tráfico de influências de PC Farias envolvendo autoridades governamentais e as denúncias do irmão do presidente.

Numa parceria com os jornalistas, que se destacaram no levantamento de informações e no aprofundamento das investigações, como os depoimentos do motorista Eriberto França e da secretária Sandra Fernandes de Oliveira, a CPMI teve um resultado altamente positivo. A ampliação das investigações acabou resultando nos esforços por “Ética na Política”. Depois da campanha por “Diretas Já”, de 1983-4, aquela se tornou o mais importante movimento cívico, com enormes manifestações pacíficas em todas as cidades, as quais culminaram com o afastamento do presidente Fernando Collor em 30 de dezembro de 1992.

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Eduardo Matarazzo Suplicy é economista, professor e secretário municipal de Direitos Humanos e Cidadania de São Paulo