Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

A agonia de uma indústria

A indústria brasileira de telecomunicações está em frangalhos. Diante dessa situação, o ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, promete divulgar dentro de 30 dias uma política industrial para o setor. Mais do que adotar medidas pontuais e de emergência, seria oportuno que o Ministério das Comunicações preparasse, em conjunto com outros setores do governo e com a participação de especialistas, um ambicioso projeto nacional de microeletrônica e telecomunicações. Esperemos, também, que a nova política não introduza nenhum tipo de reserva de mercado, mas se traduza em apoio efetivo às empresas brasileiras, com melhores financiamentos, desoneração de tributos, formação de mão de obra e recursos humanos de alto nível.

Foram múltiplas as causas da crise da indústria nacional de equipamentos de telecomunicações. A primeira foi a abertura total do mercado, a partir da privatização da Telebrás, em 1998, sem que a indústria nacional estivesse preparada para a competição com os grandes fornecedores internacionais. Altamente protegida pela política industrial da Telebrás durante mais de 25 anos, a indústria brasileira foi arrasada diante da competição mundial.

A segunda causa da crise decorreu de uma mudança de paradigmas tecnológicos, exatamente no momento do fim da bolha da internet, no ano 2000, quando as centrais telefônicas baseadas na tecnologia de comutação de circuitos passaram a ser substituídas por equipamentos baseados na comutação de pacotes (com o protocolo IP), como os roteadores e comutadores, totalmente diferentes das centrais e muito mais baratos. O fim da comutação de circuitos nas telecomunicações teve efeitos catastróficos sobre os maiores fabricantes mundiais de centrais telefônicas – Lucent, Alcatel, Siemens, Ericsson, NEC e Nortel, entre outras.

O preço do atraso

Em consequência, a Nortel faliu. A Lucent teve que ser adquirida pela Alcatel. A Siemens, muito mais diversificada, fechou praticamente sua divisão de telecomunicações. A NEC encolheu dramaticamente suas atividades e seu faturamento. Para sobreviver, dedicou-se muito mais à área de microeletrônica, serviços e gestão de redes, inclusive como provedora de internet para milhões de assinantes no Japão. Entre as maiores empresas, apenas a Ericsson, a Nokia, a Samsung e a Motorola tiveram sucesso nesse novo cenário porque tinham posição de maior destaque em telefonia móvel ou noutros segmentos da eletrônica.

No Brasil, até as filiais dos maiores fabricantes mundiais de centrais telefônicas – Ericsson, NEC, Siemens e Alcatel – deixaram de produzir e de fornecer centrais de comutação e paralisaram totalmente sua produção. Fabricantes de cabos telefônicos, como a Pirelli, fecharam suas fábricas.

Imagine, leitor, o efeito dessa crise sobre as pequenas e médias empresas que participavam da cadeia produtiva das telecomunicações no país. Hoje, o pouco que restou dessa indústria se concentra na prestação de serviços e na montagem de equipamentos de transmissão e de redes.

Outros segmentos da indústria eletrônica brasileira, entretanto, vivem uma situação muito diferente. É o caso dos fabricantes de computadores e de televisão, cuja produção vem crescendo há quase 10 anos. A produção anual brasileira já supera os 12 milhões de computadores e 13 milhões de televisores. O grande problema que esses segmentos enfrentam é sua extrema dependência da importação de componentes eletrônicos, que já chega a mais de US$ 18 bilhões por ano.

O resultado desse desequilíbrio se reflete na balança comercial do complexo eletrônico do país, cujo déficit vem crescendo ao longo dos últimos 15 anos e superou os US$ 16 bilhões em 2010. Esse é o preço do atraso de nossa indústria de componentes eletrônicos. Vale lembrar que o país não produz sequer circuitos integrados de nível intermediário nem a maioria dos componentes eletrônicos.

Pensar grande

Por que não aproveitar a oportunidade de formulação de uma política industrial de telecomunicações para elaborar um grande projeto nacional de desenvolvimento de toda a eletrônica brasileira, em especial, em microeletrônica?

O Brasil precisa hoje de um grande projeto nacional, de longo prazo, tão ambicioso quanto aqueles que nos ajudaram a superar o subdesenvolvimento em outras áreas, como:

1) Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA) em 1950, base da competência nacional que possibilitou a criação o sucesso da Embraer;

2) Petrobrás, em 1954, que nos capacitou para a indústria e a exploração do petróleo, inclusive em águas profundas;

3) Embratel, em 1965, que nos permitiu a decolagem em telecomunicações de longa distância, nacionais e internacionais via satélite;

4) Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), em 1973, responsável em grande parte pela competência nacional nesse setor.

Reflitamos nos frutos extraordinários desses projetos e de outros como a Universidade de São Paulo (USP), em 1934, a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), durante a Segunda Guerra Mundial, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), em 1952, a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), em 1966; e a Telebrás, em 1972, que assegurou a decolagem das telecomunicações no país. Por que não pensar grande outra vez?

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Jornalista