A Conferência Nacional de Comunicação deve acontecer a partir de uma grande construção que, ao final, dirá ao governo qual é a cara do Brasil. A partir daí, o deputado baiano Walter Pinheiro (quatro mandatos na Câmara Federal) imagina que é possível elaborar uma nova regulação capaz de incluir regras democratizantes para o setor e reduzir ‘a grande desigualdade social’ no País. Para isso, o parlamentar deverá se manter firme em suas proposições e enfrentar, entre outros desafios, uma liderança sobre os deputados ‘donos da mídia’ na Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática (CCTCI).
A democratização dos meios de comunicação, a inclusão social e a convergência digital estão entre as lutas assumidas no mandato do deputado federal pelo Estado da Bahia Walter Pinheiro (PT). Desde março, o parlamentar responde pela presidência da CCTCI da Câmara Federal, onde são debatidos projetos que, segundo ele, visam garantir o acesso igualitário dos cidadãos à realidade produzida com a entrada das novas tecnologias. O deputado enfrenta o desafio de manter na pauta da CCTCI a discussão sobre as concessões em radiodifusão, num ambiente compartilhado com parlamentares que são proprietários de meios de comunicação (ver ‘Cresce o número de políticos donos de meios de comunicação‘).
Natural de Salvador, 46 anos, Walter Pinheiro é economista e técnico em telecomunicações. Seu envolvimento com a vida política se iniciou com o movimento estudantil, no final da década de 1970. Em 1982, filiou-se ao Partido dos Trabalhadores. Atuou fortemente no sindicalismo: Foi presidente do Sindicato dos Telefônicos da Bahia (Sintel-BA) em1982; fundador da CUT – onde atuou como secretário-geral e tesoureiro da unidade estadual (1983-1987) e da unidade nacional (1986-1988); foi coordenador-geral da Federação Interestadual dos Trabalhadores em Telecomunicações – Fittel (1989-1991). Em 1997, Pinheiro assumiu seu primeiro mandato como deputado federal, sendo reeleito outras três vezes.
Nesta entrevista exclusiva ao e-Fórum, Walter Pinheiro fala da necessidade de se realizar a Conferência Nacional de Comunicação e garante que, à frente da CCTCI, manterá a ‘bandeira’ das lutas populares em nome da democracia, liberdade, cidadania e a inclusão social.
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Qual a importância de se realizar uma Conferência Nacional de Comunicação nesse ano?
Walter Pinheiro – O Brasil está vivendo uma explosão enorme de relação com as novas ferramentas de informação e comunicação. Diante disso, temos a necessidade muito clara de mexer no marco legal do setor. A idéia de realizar a conferência é de que ela seja um instrumento capaz de fazer a leitura dessa explosão e de como isso pode ser processado num país imenso e desigual como o Brasil. A conferência pode ser o canal de escuta para os pontos mais longínquos do país, pode sensibilizar a Câmara dos Deputados a trabalhar uma legislação onde a prioridade é a universalização dos meios.
Portanto, a conferência não pode ser vista como uma coisa adversária, algo que trama contra a comunicação, ou contra esse ou aquele grupo. Nós queremos a conferência para discutir o uso da comunicação como ferramenta de democratização, de equalização das oportunidades nos mercados de produção, cultural e da distribuição.
É preciso entender que esse país não está centrado em dois ou três estados, mas em de 27 unidades que precisam ter oportunidades nesse cenário de interatividade. A conferência, em seu resultado mais amplo, deverá ser uma espécie de grande construção para dizer ao governo: essa é a cara do Brasil. Isso é o que pensa e deseja o brasileiro. Portanto, precisamos construir regras que contemplem essa grande desigualdade e não os interesses localizados nos grandes centros, ou dos grupos de interesse, principalmente na área de comunicação.
É possível tirar da conferência um novo marco regulatório para o setor?
W.P. – A idéia é usar a conferência como um espaço de elaboração de um marco regulatório para contribuir com o governo nesse sentido, pois a legislação que existe já ficou velha, não pelo fato do tempo, mas pela aceleração dos processos. A lei de radiodifusão vem da década de 60 e está obsoleta. A conferência pode elaborar o material que posteriormente o Executivo transformará em projeto a ser enviado ao Congresso Nacional e daí gerar, quem sabe, a nova legislação de comunicação social e eletrônica para o País.
Quais os pontos mais urgentes a serem tratados no País, em termos de políticas públicas de comunicação?
W.P. – Em minha opinião, a questão do acesso – a inclusão digital – traduz muito bem os pontos urgentes. A gente fala de um país onde a venda de computador cresceu. Mas todo mundo que comprou pode acessar a internet? O preço é acessível a todos? Mesmo que você diga que o computador barateou, quem o adquiriu vai poder continuar pagando uma conta mensal superior a 30, 40 reais para poder usar essa à internet e se comunicar? Essa questão é importante.
E mais. A grande carência do Brasil era só voz? Era levar o telefone público para tudo quanto é lugar? Já está todo mundo universalizado só porque conseguimos colocar telefone numa aldeia? Isso é muito pouco, se levarmos em consideração que o país está discutindo temas de ponta.
Um exemplo: TV digital com interatividade. Para quem? Só para quem está nas avenidas de classe média dos grandes centros. Mas estamos falando de interatividade para todos e quaisquer brasileiros espalhados pelo País. Por isso, a questão do acesso é um tema central, um direito universal. A comunicação deve ser como o direito de ir e vir.
Como garantir esse acesso, diante da desigualdade social?
W.P. – É importante o governo construir determinados níveis de obrigação. Estamos discutindo universalização com as empresas que ganharam concessão para explorar a terceira geração na telefonia. Elas têm a obrigação de fazer chegar a cada canto do País os serviços e a infra-estrutura. Agora, por exemplo, teremos 55 mil escolas linkadas no Brasil, mas não basta chegar só nelas. Se os serviços já chegam às escolas, por que não disponibilizar para toda a cidade, transformá-las em cidades digitais?
Para obter isso, temos que ir criando obrigações, utilizando recursos extraídos de fundos como o Funttel (Fundo para o Desenvolvimento Tecnológico das Telecomunicações), o Fust (Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações) e também o FNDCT (Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), na expectativa de permitir a consolidação de serviços essenciais que atendam a população.
Qual a proposta da subcomissão de radiodifusão (recentemente criada)?
W.P. – A subcomissão tentará trabalhar alguns temas polêmicos que foram esquecidos. Fruto da concentração e do direcionamento do debate à TV digital, o rádio digital, por exemplo, ficou completamente esquecido no Brasil. Padrões e medidas foram sendo adotados sem que tivéssemos a oportunidade de promover um debate, uma avaliação de mercado, de marco regulatório, de interesses e, principalmente, a questão do conteúdo.
A Anatel [Agência Nacional de Telecomunicações], por exemplo, está discutindo atualmente o espectro de freqüência, mas nós, aqui na CCTCI, não temos acompanhado isso. As freqüências que eram utilizadas por serviço analógico, que passarão a ser digitais, estão sendo devolvidas e a agência faz a dissimulação do uso dessas freqüências sem levar em consideração a questão da radiodifusão. Isso prejudica as rádios comunitárias, na medida em que o espectro é sempre distribuído para servir as telecomunicações, faltando freqüência para atender à necessidade crescente de instalar rádios comunitárias no país.
Também há a questão da auto-regulação. Agora mesmo, aqui no Congresso Nacional, existe a polêmica sobre uma audiência que trata da proibição de publicidade de bebidas. Há pessoas que levantam discussões sobre a proibição da propaganda que explora a nudez e acirra a libido sexual, que trama contra a moral e outras. Existem várias propostas encaminhadas.
Se não for feita uma discussão mais qualificada, a gente termina no falso moralismo, numa seara de completa falta de qualidade para ajustar o que significaria uma programação.
Um problema hoje muito sério é o fato de a Anatel ter determinadas atribuições, mas não termos uma legislação que trate disso no Brasil. Então, a idéia da subcomissão é tratar esses temas, não deixar eles se tornarem periféricos e sucumbir.
A CCTCI tem em sua composição parlamentares que são donos de veículos de comunicação. Isso dificulta tratar de temas como as concessões, por exemplo. Na presidência da comissão, como o senhor pretende ultrapassar essa barreira?
W.P. – Essa é uma polêmica que extrapola a comissão. É um debate que a comissão, por si só, não tem capacidade de resolver, porém, tem a obrigação de suscitar. A questão precisa ser sempre provocada, até porque, uma das condições para que o sujeito vire deputado é que ele se desvincule daquilo que é considerado concessão de serviços públicos. Então, é importante que a gente possa dar o exemplo.
A subcomissão discutirá as rádios comunitárias?
W.P. – Nós até já abrimos esse debate, começamos a fazer a apreciação de um projeto de anistia a pessoas punidas por terem aberto rádios comunitárias no Brasil. Levando-se em consideração que diversos pedidos feitos até hoje sequer foram analisados e muitos deles foram arquivados como impróprios, esse debate é fundamental. E não só em relação às radicom, mas também referente à TV comunitária, aos quiosques públicos, ao acesso comunitário.
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Da Redação FNDC, com a colaboração de Fabiana Reinholz