Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A criminalização das rádios comunitárias

A 1ª Conferência Nacional de Comunicação foi um marco para a comunicação no país, mas ainda não representou um divisor de águas para o movimento das rádios comunitárias. Conforme o coordenador-geral da Associação Brasileira de Radiodifusão Comunitária (Abraço), José Nascimento Sóter, o setor continua sofrendo tentativas de criminalização por parte do Estado. A mais recente visa condicionar a concessão de outorgas ao não exercício sem autorização do serviço de radiodifusão comunitária.

Segundo Sóter, a maioria absoluta das emissoras que está no ar sem autorização atua pela democratização da comunicação. ‘Impedi-las de serem regularizadas é criminalizar um movimento social’, afirma o dirigente, que também integra a Coordenação Executiva do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC).

Em entrevista ao e-Fórum, Sóter analisa a situação do setor no período pós-Confecom, a proposta de marco regulatório que está em elaboração pelo Governo Federal e a preparação da entidade para o seu 7º Congresso Nacional. O encontro da Abraço ocorrerá entre os dias 16 e 18 de dezembro, em Brasília, e pretende reunir 500 emissoras comunitárias. A entrevista foi concedida por telefone.

Maioria das emissoras atua pela democratização

Como está o setor da radiodifusão comunitária no país pós-Confecom?

José Nascimento Sóter – Nós não tivemos nenhuma alteração no quadro. A Confecom não representou um divisor de águas que nós imaginávamos. Isso porque o braço do Estado que é responsável por esse serviço foi criado para o mercado e é totalmente voltado para o ele. E sendo assim, a radiodifusão comunitária é tratada como um empecilho aos interesses que eles representam. Essas instâncias estão situadas no Ministério das Comunicações e na Anatel, que acionam outros órgãos do Estado, como o Judiciário e a Polícia Federal, para fazer valer essa opção política para a comunicação através da repressão às rádios comunitárias. Exemplo de que nada mudou é a nova forma do Ministério das Comunicações de dificultar a concessão de outorgas, criminalizando o movimento.

Em que consiste essa nova tentativa de criminalização?

J.N.S. – O Ministério das Comunicações, por orientação do Ministério Público Federal e da Advocacia Geral da União, está submetendo à Anatel os processos que estão em via de aprovação pela Casa Civil, da Presidência da República. A intenção é saber se essas emissoras exerceram ou não sem autorização o serviço de radiodifusão comunitária. E estão indeferindo processos com base nesse relatório da Anatel.

Isso serve para criminalizar o movimento das rádios comunitárias, da mesma forma que tentaram criminalizar os trabalhadores sem terra. Há tempos a União Democrática Ruralista (UDR) tentou imputar aos trabalhadores sem terra a condenação de não participar de programas de reforma agrária se tivessem participado da ocupação de alguma área.

A maioria absoluta das emissoras que está no ar sem autorização atua pela democratização da comunicação. Tanto que a Abraço foi criada em 1996 e a Lei que rege as rádios comunitárias foi sancionada em 1998 (Lei 9.612/1998). A Abraço foi criada pelas emissoras que não tinham autorização, mas funcionavam. Nós já solicitamos inclusive ao Ministério, através do coordenador da Secretaria de Serviços de Comunicação Eletrônica, José Vicente dos Santos, informações a respeito dessas ações. Se não conseguiram com os trabalhadores sem terra, por que vão fazer isso com os radialistas comunitários?

Um curso de capacitação

O governo está preparando um novo marco regulatório para a comunicação, como você acredita que deveria ser essa nova regulação?

J.N.S. – A Abraço defende que a radiodifusão é um serviço comum, não tem distinção. O conceito de estatal, público e privado é uma questão cultural. Nós precisamos de uma Lei Geral de Telecomunicações com um escopo comum a todos e que os serviços sejam especificados de acordo com a sua conceituação. No nosso caso nós estamos incluídos no conceito de radiodifusão pública não estatal. Somos uma entidade pública, sem fins econômicos, temos uma participação aberta a todos os cidadãos e cidadãs das comunidades. Queremos então, todas as garantias de uma radiodifusão, além da segurança conceitual do que é a radiodifusão comunitária. Essa é a nossa linha de atuação em relação ao marco regulatório que está sendo proposto pelo governo.

A Abraço realizará em dezembro o seu 7º Congresso Nacional, como está a preparação da entidade para esse encontro?

J.N.S. – A preparação para o 7º Congresso começou ainda em 2007 durante o sexto congresso da Abraço. Esse é um momento importante para dar continuidade ao processo de construção do movimento das rádios comunitárias, e consolidar a Abraço como entidade nacional.

Durante a Confecom, na Assembleia Geral Permanente foi definido o processo de realização dos congressos regionais e suas regras. Decidimos que haveria a participação de até três participantes de cada rádio comunitária, garantida a cota de 30% de mulheres nos congressos regionais e que neles também seria realizado um encontro de mulheres dirigentes de rádios comunitárias.

Depois disso, nós realizamos um curso de capacitação em parceria como o Ministério do Desenvolvimento Social e a Unesco, envolvendo cerca de 700 emissoras das 27 unidades da Federação. Nesses cursos, nós tiramos as coordenações estaduais dos congressos e definimos o calendário.

Um coletivo nacional de mulheres dirigentes

Quantos congressos regionais já aconteceram e qual o número de delegados previsto para o evento nacional?

J.N.S. – Dos 27 congressos que foram previstos, já foram realizados sete: Rio Grande do Sul, Paraíba, Rio Grande do Norte, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Tocantins e Maranhão. Os próximos serão realizados em Santa Catarina (dias 23 e 24 de outubro), Ceará e Pará (28 a 30 de outubro) e Pernambuco (31 de outubro). Como o nosso calendário coincidia com o período eleitoral, os nossos militantes que estavam envolvidos com as campanhas estaduais tiveram um pouco de dificuldade de realizar os congressos regionais. Então nós adiamos até o dia 15 de novembro o prazo para a realização desses encontros.

Para o congresso nacional foi definido o número de 500 delegados dirigentes de rádios comunitárias, ou seja, cada rádio que participar do congresso regional pode participar da escolha de delegados, dentro de uma cota para atingir esse número de delegados. Assim, nós teremos a representação de 500 rádios comunitárias, sendo um dirigente por emissora.

Como a questão de gênero será tratada no encontro?

J.N.S. – Dessas 500 emissoras que devem participar do Congresso, 30% no mínimo devem ser dirigidas por mulheres. O que nos leva para o encontro nacional de mulheres dirigentes de rádio comunitária é a participação de ao menos 170 dirigentes. Desse encontro deverá sair um coletivo nacional de mulheres dirigentes de rádios comunitárias da Abraço.

Somos tratados como sub-serviço de radiodifusão

Quais são os temas que serão debatidos no 7º Congresso?

J.N.S. – Estamos trabalhando com o que nós conseguimos mobilizar na sociedade civil para aprovar na Conferência Nacional de Comunicação, a Confecom. Nossa pauta é ainda a pauta da Conferência porque nada do que foi deliberado lá avançou. É claro que poderão surgir outras questões, mas o que vai dirigir e orientar os debates políticos do Congresso serão as pautas que nós levamos para a Confecom. Além disso, haverá a eleição para a direção da Abraço no triênio 2010-2013.

Como a entidade pretende encaminhar essas questões?

J.N.S. – Durante o nosso congresso, queremos fazer mobilizações aqui em Brasília, onde será realizado o encontro. Com essas 500 emissoras que estarão aqui nós desejamos proporcionar a abertura de um diálogo com o Congresso Nacional, para sensibilizar deputados e senadores para as questões das rádios comunitárias no Brasil. Nós queremos também forçar uma agenda com o governo federal e com o Judiciário, para poder esclarecer algumas coisas que assumidas como fato, que são na verdade fruto de desentendimentos. Nós precisamos atuar nesse sentido já durante o nosso Congresso.

A partir dessas atuações, nós queremos criar frentes de trabalho junto aos três poderes da União, para poder encaminhar as questões que estão voltadas para o desenvolvimento da radiodifusão comunitária. Questões como a sustentabilidade das emissoras, a abrangência do sinal, a publicidade, o tratamento diferenciado que nós recebemos ao sermos tratados como sub-serviço de radiodifusão.

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Da Redação FNDC