O Portal ANDI conversou com Danilo Rothberg – docente da Unesp (Universidade Estadual Paulista) e coordenador da Renoi Nacional de Observatórios de Imprensa) – sobre a importância dos observatórios de imprensa para o aperfeiçoamento da democracia.
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É muito frequente a reflexão entre especialistas no sentido de que um sistema de mídia consistente envolve mecanismos de co-responsabilidade entre a regulação estatal, a auto-regulação por parte das empresas e a participação ativa da sociedade civil. Como você vê a importância observatórios de mídia nesse contexto?
Danilo Rothberg – Os observatórios de mídia promovem oportunidades para que a sociedade possa exercer vigilância ativa sobre a qualidade do conteúdo produzido pelos meios de comunicação e expressar suas perspectivas de maneira construtiva, a fim de contribuir para o aperfeiçoamento da mídia. A crítica proveniente dos observatórios estimula a responsabilidade pela manutenção de um ecossistema midiático saudável, em que os meios cumpram com mais eficiência o papel de sustentação do debate democrático.
A atuação dos observatórios se dá em duas direções. De um lado, com a expertise das universidades que de alguma forma os mantêm ou contribuem para sua sobrevivência, apresentam críticas e análises fundamentadas para orientar os diferentes públicos na recepção de conteúdo, especialmente jornalístico (mas também de cultura e entretenimento) e embasar exigências de qualidade. Por outro lado, é fundamental lembrar que a criação de observatórios também tem origem em outros setores sociais preocupados com a contribuição da mídia à democracia, como entidades de classe, organizações sociais de interesse público, entre outros.
Como surge a Renoi? Qual o perfil das organizações que integram a rede?
D.R. – A Renoi foi fundada em 2005 no III Encontro Anual da SBPJor (Associação Nacional de Pesquisadores em Jornalismo) e permanece ligada a esta entidade científica como uma rede de pesquisa acadêmica. Atualmente são mais de 15 nós na rede, que correspondem a observatórios de mídia mantidos por universidades públicas e privadas de todo o Brasil ou que recebem apoio da academia e de fundações.
O perfil dos observatórios é variado. Alguns possuem profissionais experientes como colaboradores e contam com recursos significativos. Outros contam com estudantes de graduação e pós-graduação e pesquisadores em comunicação como autores de críticas e análises de mídia, e possuem infra-estrutura ainda em desenvolvimento. Outros ainda combinam as duas características. Todos os nós se beneficiam do avanço das tecnologias de informação e comunicação e utilizam a internet para veicular sua produção.
Alguns também produzem programas de rádio e televisão, veiculados em mídias universitárias, e materiais impressos especiais, como guias de educação para mídia. A Renoi considera que a crítica de mídia deve ser exercida de maneira responsável e construtiva desde o início da formação profissional, por isso seus nós são canais para o amadurecimento de estudantes de comunicação, que são incentivados a desenvolver uma percepção consistente dos desafios postos ao aperfeiçoamento da qualidade da mídia na atualidade.
Há precedentes, em outras partes do mundo, de fóruns com este perfil? É possível ver uma trajetória de fortalecimento deste tipo de estratégia no Brasil?
D.R. – Em muitos países, inclusive da América Latina, a contribuição dos observatórios é uma constante no cenário midiático. Cada vez mais, eles são considerados pelo público em geral como fonte de referência para se analisar a qualidade da atuação dos meios de comunicação. No Brasil, verificamos um crescimento do número de observatórios desde a criação da Renoi. As universidades têm percebido sua relevância tanto para a sociedade quanto para a formação acadêmica. Faz parte da missão da Renoi, inclusive, fornecer expertise para auxiliar a criação de novos observatórios em universidades que venham a se interessar por manter suas próprias iniciativas na área.
Como a articulação (como os intercâmbios metodológicos) entre os observatórios pode contribuir para o fortalecimento dessas experiências?
D.R. – A riqueza de uma rede vem da complementaridade da expertise possuída em cada um de seus integrantes. Enquanto alguns observatórios possuem, em função das características de seu corpo de colaboradores, atenção a meios de comunicação de circulação nacional, outros acompanham meios regionais. As análises podem englobar períodos extensos, cobrindo dezenas de edições de um veículo impresso, por exemplo, ou apenas uma matéria jornalística que tenha gerado controvérsia. Com o aporte de pesquisas de pós-graduação, há análises que apresentam metodologias complexas, aplicadas com rigor equivalente ao adotado pelos melhores programas de pós-graduação dos Estados Unidos e Europa.
Dessa multiplicidade de experiências, cada nó da rede procura extrair elementos para construir seu perfil de atuação, que pode também se transformar rapidamente, em função de recursos recebidos de suas universidades de origem, das agências oficiais de fomento à pesquisa do Ministério da Educação e do Ministério da Ciência e Tecnologia e outras fontes, como organizações não governamentais e fundações.
Recentemente, em parceria com a Unesco, a Renoi promoveu uma série de investigações tendo como foco a qualidade do jornalismo. Qual o balanço desta iniciativa? Quais os principais aportes que este trabalho gerou?
D.R. – O apoio da Unesco foi vital para que a Renoi se aprofundasse na geração de conhecimento específico sobre o tema da qualidade jornalística. Os resultados do acordo de cooperação científica estabelecido entre Renoi e Unesco são extremamente relevantes e esperamos que se constituam como uma contribuição de referência para se analisar a capacidade de as mídias impressas brasileiras atenderem a princípios que vêm se consolidando internacionalmente na construção social de parâmetros de qualidade.
Uma equipe de pesquisadores da Renoi da qual fiz parte, composta também por Rogério Christofoletti, Josenildo Luiz Guerra e Luiz Egypto de Cerqueira, utilizou o documento da Unesco Indicadores de Desenvolvimento da Mídia como base para a realização de um estudo empírico que envolveu a sondagem de mais de 200 jornalistas das principais empresas brasileiras de mídia impressa. A opinião e a experiência dos entrevistados foram relacionadas às mais recentes teorias do jornalismo e da comunicação para traçar perspectivas sobre o cenário da evolução do setor no país, de maneira que consideramos o trabalho uma contribuição original aos estudos sobre o tema.
Em seu artigo ‘Jornalistas e suas visões sobre qualidade: teoria e pesquisa no contexto dos Indicadores de Desenvolvimento da Mídia da Unesco’, há dados que revelam uma ampla concordância dos entrevistados com parâmetros de qualidade expostos nos indicadores. Como você avalia estes números do ponto de vista de um observador de imprensa? Há um descompasso entre o reconhecimento positivo dos parâmetros e o que se observa na prática?
D.R. – De fato, a equipe de realização da pesquisa ficou surpresa com os altos índices de concordância de jornalistas e editores de grandes veículos impressos de comunicação com exigentes parâmetros de qualidade. Este dado deve ser visto como positivo a respeito da disposição dos entrevistados a buscar qualidade. Eventuais descompassos entre este cenário ideal e uma realidade de apuração jornalística precária, falta de equilíbrio e pluralismo e condições insuficientes de trabalho podem ser explicados pela absoluta falta de conhecimento e domínio sobre os instrumentos de busca de qualidade nas redações e por limitações impostas por um mercado no qual a qualidade, no contexto dos Indicadores de Desenvolvimento da Mídia, ainda precisa se consolidar como diferencial na competição pela preferência dos leitores.
Os jornalistas tendem a valorizar ou desvalorizar ações externas de observação da imprensa, como o caso dos observatórios? Por que as ações internas, como a figura do ombudsman, ainda são tão restritas e ocorrem em poucas redações?
D.R. – Em geral, os observatórios de mídia são valorizados, provavelmente porque auxiliam a auto-regulação, medida que os meios preferem diante da possibilidade de regulação imposta pelo Estado. Já a figura do ombudsman é rara porque demanda um investimento financeiro que a maioria das empresas de comunicação não está disposta ou não tem condições de fazer.
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