A concentração na propriedade dos meios de comunicação eletrônica no México é das mais altas do mundo: no caso da televisão, por exemplo, as emissoras Televisa (quatro canais) e Azteca (três canais) são donas de 95% das concessões e mais de 90% da audiência. Quanto ao rádio, dez grupos detêm 75% das concessões. E os donos desse negócio milionário e bastante influente já podem dormir tranqüilos, pois essa situação altamente privilegiada, gerada por meio de um esperto ajuste entre as ambições do poder midiático e as do poder político, não deve mudar nos próximos 20 anos. Pelo menos.
É que a reforma de uma legislação do ramo, existente há 46 anos, a Lei Federal de Rádio, Televisão e Telecomunicações, aprovada há pouco pelo Congresso Nacional, por unanimidade, depois de quatro meses de amplas e acesas discussões em plenário, não só consolida o velho modelo como concede às duas emissoras hegemônicas de TV e os principais grupos radiofônicos do país o monopólio absoluto da área, com prioridade inclusive sobre novas freqüências – o que representa, de cara, por parte de particulares, um poder de barganha perturbador diante do Estado.
Parlamentares de joelhos
A tal ponto chegaram as facilidades e benefícios dados ao setor que a nova lei, ainda quando em tramitação, logo foi batizada de ‘Ley Televisa’ ou ‘Televisigate’. Nesse processo, a tão esperada transição do sistema analógico para o digital, que permitiria a desconcentração e a pluralidade do rádio e da TV (mais emissoras educativas ou culturais, mais emissoras comunitárias), também acabou em mãos dos grandes grupos. Os dados técnicos do problema se perdem em meio à enorme e inquietante importância das implicações políticas, sociais e comerciais da nova lei.
De nada adiantaram os protestos na imprensa escrita por parte de núcleos independentes de rádio e TV, de jornalistas de prestígio, de analistas da mídia, de abalizadas vozes da comunidade acadêmica e até de órgãos oficiais reguladores do setor das comunicações. A própria ONU advertiu o governo mexicano em relação à sombria ameaça que se aproximava: deputados e senadores, mais preocupados com os votos (as eleições presidenciais e legislativas serão em 2 de julho) do que com os autênticos interesses nacionais, atraídos pela promessa de um melhor trato midiático para suas campanhas (tarifas e tempos mais generosos), cederam às pressões feitas sobretudo pela poderosa Televisa e não mudaram, como exigia a opinião pública nacional, as esclerosadas e muito convenientes condições e esquemas operacionais do setor.
Por seu lado, os três candidatos presidenciais decidiram manter um silêncio constrangedor sobre o tema em seus discursos. Nesse caso, gritam os opositores, o partido do presidente Vicente Fox, o PAN (Partido de Acción Nacional) garante sair para a luta eleitoral bem munido de propaganda no rádio e na TV – o que significaria, por muitos anos, uma presença forte no cenário político, no que seria um sonhado continuísmo da atual gestão presidencial.
Segundo denúncias da combativa revista semanal Proceso, que dedicou um par de capas ao assunto nos últimos meses, a ‘nova legislação foi feita de forma a assegurar os interesses dos grandes grupos eletrônicos por várias gerações. Televisa exerceu toda sua capacidade de chantagem outorgada por seu poder para dobrar os partidos, finalmente colocando de joelhos a senadores e deputados’.
Resumo da ópera
Os 312 deputados, que teriam estudado muito pouco as intrincadas vertentes técnicas do tema e dado mínima atenção às recomendações de especialistas do ramo e da indústria, aprovaram a ‘Lei Televisa’ em menos de sete minutos, revela Proceso. As vésperas da revisão e aprovação pelo Senado, que teria portanto recebido um texto pouco abrangente e profundo, a acadêmica e colunista Fátima Fernández Christlieb advertia: ‘O plano de negócios de Televisa está a ponto de passar por cima das instituições da República’.
Passou, e para os críticos mais ferrenhos dessa nova regulamentação, os legisladores, mancomunados com os donos do negócio televisivo e radiofônico, numa cumplicidade muitíssimo suspeita, desrespeitando as regras do jogo democrático que supostamente prevalece no México atual, enterraram a preciosa oportunidade de democratizar a informação eletrônica por meio da nova tecnologia digital, também dada de bandeja aos donos tradicionais do meio.
Agora a lei, aprovada pelo Congresso, vai à sanção do presidente Vicente Fox, e tudo indica que ele, afundado num patético desprestígio político do fim de um governo de resultados medíocres, não vai, nos próximos dez dias úteis como previsto, vetar nada de importante no texto, limitando-se, por cansaço e apatia, a consolidar o desastre.
Talvez o melhor resumo de tudo isso é o que diz o ex-deputado e senador Porfirio Muñoz Ledo, figura política ainda de grande prestígio, há anos dedicado aos estudos de uma ampla reforma do Estado mexicano: ‘Trata-se de uma infâmia para o Congresso, uma vergonha para a nação e um opróbrio para os candidatos presidenciais’.
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Jornalista e escritor brasileiro radicado na Cidade do México