Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

“A Globo foi cúmplice da censura”

O boicote à 1ª Conferência Nacional de Comunicação promovido por empresas de comunicação capitaneadas pela Rede Globo expressou seu mau costume de articular seus interesses através de lobbies em Brasília e o temor das mesmas em negociar suas propostas publicamente. Tal avaliação é do vice-presidente da Fenaj, coordenador do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC) e presidente da Federação dos Jornalistas da América Latina e do Caribe (Fepalc), Celso Schröder.


Nesta entrevista coletiva virtual, Schröder faz um balanço positivo da 1ª Confecom. Esclarecemos que, devido ao fato de algumas perguntas e contribuições encaminhadas à Fenaj estarem fora do tema proposto para a entrevista, a resposta às mesmas será remetida diretamente a quem as enviou. Acompanhe, a seguir, as respostas de nosso entrevistado às perguntas relativas à Confecom e temas a ela relacionados.


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Angela Marinho, diretora do Sindicato dos Jornalistas do Ceará, lhe deseja um feliz ano novo e conta que soube que você fez um belo discurso na abertura da Confecom. Ela avalia que a realização da conferência foi uma grande vitória da sociedade e formulou duas questões. Até que ponto a ausência dos grandes grupos de comunicação ameaça o resultado da Conferência? O que vai acontecer de prático, diante de tantas propostas aprovadas pela Confecom?


Celso Schröder Obrigado Angela, sem populismo barato te afirmo que o discurso da Confecom expressa a formulação coletiva que a Fenaj e o FNDC representam nesta história recente. Quanto à questão da ausência dos grupos a minha avaliação é que o tiro saiu pela culatra, a deles. O fato de ficarem até certo ponto na Confecom e, principalmente, pela permanência da Abra e Telebrasil, a tentativa de sabotagem dos grandes meios mais reafirmou uma opinião pública hostil a eles do que deslegitimou a conferência. É claro que não é irrelevante a versão negativa ou invisível que eles construíram da Confecom, mas comparativamente acho que perderam. Quanto às propostas: em minha opinião elas devem compor uma agenda política dos três segmentos, poder público, empresários e movimentos sociais. Uma agenda também desdobrada em três níveis: 1) norma e regulações passíveis de serem implementadas em curto prazo pelo governo. 2) legislação a ser constituída e votada no Congresso Nacional a partir, ou não, do Executivo. 3) articulação e mobilização dos segmentos para desencadearem estes processos. A Confecom não terminou, apenas iniciou o processo de instalação real de políticas púbicas. Os movimentos sociais precisam sair imediatamente às ruas para exigirem a transformação do relatório da Confecom nas políticas indicadas.


Silvio Micelli considera que o fato da Confecom ter acontecido já é um avanço na história da Comunicação do Brasil. Mas acha que a aprovação de aproximadamente 700 propostas foi ‘uma grande bobagem para agraciar a maior parte de interesses envolvidos’. Ele pergunta como implementar rapidamente as questões principais formuladas, já se sabendo que as grandes oligarquias de mídia vão ser frontalmente contrárias?


C.S. – Olha Sílvio, efetivamente a realização da Confecom foi a sua maior virtude. Com ela quebramos dois paradigmas cristalizados pelos empresários do ramo: 1) romper o silêncio consolidado em torno da comunicação, propiciando pela primeira vez um debate de dimensões nacionais. 2) Rompendo também a tese de que qualquer tentativa de regular ou legislar sobre comunicação era taxada de censura ou autoritarismo. Mas obviamente ela teve o formato que conseguimos e não o que queríamos. Foi necessário um enorme esforço para vencer as forças que de um lado pretendiam que a conferência não acontecesse, mantendo assim o status quo e, por outro, dos que não desejavam uma conferência com a dimensão que aconteceu. Para os empresários permanecerem foi preciso que os movimentos sociais que apostavam na realização da conferência cedessem ao limite do suportável. Garantindo, entre outras questões, a inclusão das propostas destes setores não habituados ao debate público e, principalmente, à crítica e exposição pública. De tal maneira que estas 700 propostas são na verdade uma agenda política que deve ser selecionada e encaminhada como políticas públicas a partir do agente público que é o governo. A sociedade civil fez a sua primeira parte garantindo e propondo políticas. Agora deve partir para a mobilização e agitação no sentido de desencadear o processo legislativo. O governo, que bancou a parte inicial da consulta popular, agora deve transformar o que foi proposto, a partir de sua visão política que é a sua prerrogativa, propor regulações e regulamentações que traduzam estas propostas. Vamos agora ajudar a hierarquizar e selecionar políticas de comunicação.


Carlos Scomazzon, jornalista da Câmara Municipal de Porto Alegre e membro da Rede Brasileira de Comunicação Pública, aponta que, no debate que se faz sobre a democratização da comunicação no Brasil, muito se tem discutido sobre os meios de comunicação que são concessões públicas e estão em mãos de empresas privadas e, especialmente, de algumas poucas e poderosas famílias, mas ele avalia que não se debate com o devido e merecido destaque a comunicação das instituições públicas e das organizações do terceiro setor. Ele quer saber: qual a importância que você atribui a esses dois temas (instituições públicas e terceiro setor) para o debate sobre a democratização da comunicação no Brasil? Que espaço estas questões devem ocupar neste debate? o que você pensa sobre a instituição de Conselhos de Comunicação nos diversos órgãos públicos dos três poderes, a exemplo do que já existe na TVE-RS e na TV Câmara Taubaté (SP) e está em discussão na Câmara Municipal de Porto Alegre e em outros Legislativos?


C.S. – Caro Carlos, penso que estes debates devem ser tratados com a mesma importância. Sem dúvida nenhuma o sistema de comunicação brasileiro tem uma hipertrofia no setor comercial e sua concentração e verticalização acabou por contaminar o sistema como um todo. Por outro lado, também é verdade que a parte estatal do sistema também foi sempre privatizada no sentido de ser apropriada, desde seu início, por governos e estados que representavam exclusivamente partes privadas da sociedade. Esta história de apropriação privada por estados autoritários e antidemocráticos determinou um espaço pequeno e não reconhecido para este segmento da radiodifusão brasileira. A partir das últimas décadas começou-se a exigir dos governos um maior controle público, nem estatal nem privado, da comunicação como um todo e, é claro, do segmento estatal e público. O FNDC e a Fenaj sempre reivindicaram este controle como forma de democratização dos conteúdos. Este debate cresce e se qualifica com a criação da EBC, que tem o grande mérito de atribuir uma dimensão estratégica para o segmento de radiodifusão pública, demonstrando vontade política e, finalmente, um papel que não seja de mero coadjuvante ao sistema comercial. Os conselhos são uma das formas que este controle deve e pode ter. Eles devem ser fortalecidos e mantidos sempre autônomos em relação às empresas que ajudam a administrar. Ainda temos uma longa jornada para efetivamente estabelecer uma rede pública democrática e eficiente. O Rio Grande do Sul foi um dos primeiros estados a implementar o conselho da Fundação Piratini, TVE e Rádio Cultura FM, que, infelizmente, não tem tido o respeito que a sua história e a dos seus membros merecem. A Câmara de Vereadores de Porto Alegre está fazendo um importante debate para a instalação do seu Conselho de Comunicação.


Jorge Fernando dos Santos, assessor de comunicação do Sindicato dos Jornalistas de Minas Gerais, encaminhou algumas perguntas que constituem uma entrevista ‘quase exclusiva’. Ele comenta que durante a ditadura tivemos a ação desastrosa da censura federal. Toda ideia que destoasse do regime era tida como subversiva. Hoje, notamos certa paranóia de setores que se dizem de esquerda, que insistem no patrulhamento ideológico da mídia e de articulistas que criticam o atual governo. Qual é o risco dessa paranóia se consolidar como censura oficial? Ele pede, também, que você especifique as diferenças entre o Conselho Federal dos Jornalistas e o Conselho Nacional de Comunicação. Até que ponto serão eles órgãos democráticos, sem a tutela do governo ou de partidos políticos? Jorge comenta, também, que ‘a TV brasileira não tem muito compromisso com a educação e a cultura nacional, pelo contrário, a mídia alinha por baixo o gosto estético da população’. E questiona: como evitar que isso aconteça sem que o Estado intervenha arbitrariamente? E faz mais quatro perguntas: qual será a estratégia para tirar do papel as propostas aprovadas pela Confecom e transformá-las em lei? Por qual motivo políticos publicamente desgastados pelo envolvimento em escândalos, como o José Dirceu, apoiam a Confecom, seria uma espécie de revanchismo contra a imprensa que os desmascarou? Até que ponto os jornalistas estão interessados na mudança das leis de comunicação no país? Você tem esperanças de que o monopólio da informação e a propriedade cruzada mudem de fato a partir das propostas aprovadas na Confecom?


C.S. – Ufa, vamos lá Jorge. 1)Tens razão em trazer esta preocupação da possibilidade de censura nas ações pretensamente democratizantes na área da comunicação. Daniel Herz sempre nos alertava que democratizar a Rede Globo não significava construir uma Rede Globo de sinal contrário. Conviver com a crítica e com a opinião contrária é da natureza da política. Suprimir estas características é suprimir a política e, portanto, a possibilidade de democracia. Mas, por outro lado, temos que entender que não é legítimo um meio de comunicação, principalmente uma concessão pública, se comportar como um partido político, que é, afinal, por natureza uma parte da sociedade, e não, portanto, todo o público. O grande desafio é enfrentar uma história de meios de comunicação autoritários e partidarizados sem reproduzir esta lógica. Mas não vejo esta tendência como uma possibilidade neste momento.


2) Conselho Federal dos Jornalistas é uma autarquia que deve, a exemplo da OAB e Cremers, fiscalizar o exercício profissional no que diz respeito às questões éticas e de regulamentação profissional. Ou seja, é um conselho nitidamente corporativo e que deverá existir para dar uma garantia à sociedade de profissionais éticos e eficientes. Por outro lado, o Conselho Nacional de Comunicação terá um papel mais próximo ao do FCC norte-americano, que é de fiscalizar o cumprimento das grandes regras nacionais de comunicação. Deverá ser formado por representações de diversos segmentos profissionais e/ou sociais. Este conselho já tem similar nas principais democracias do mundo. A sua inexistência no Brasil é a prova mais cabal da dificuldade, por parte do setor comercial, de dar uma dimensão realmente pública ao sistema de comunicação nacional.


3) Acho que a TV brasileira sofre dos males que o meio, principalmente mas não exclusivamente, possui. Como diz o Pierre Bourdieu é um meio que tende à superficialidade devido às suas características técnicas agravadas pela necessidade comercial de aumentar ao limite da racionalidade a sua faixa de público. Não é somente a TV brasileira que ignora a educação e a cultura. Portanto para superar esta tendência é preciso criar um contra fluxo que imponha outro tipo de lógica onde a velocidade não se sobreponha ao raciocínio, onde o roteiro e o argumento não sejam substituídos pelo cenário, onde a qualidade do ator ou atriz não seja proporcional ao botox destinados aos seus gigantescos lábios. Enfim, precisamos construir uma televisão onde a existência de um programa não seja dado somente pelo número de espectadores que ele possa garantir nas pesquisas de audiência. Por outro lado não podemos ignorar as características deste meio e imaginar que programas herméticos ou elitistas possam ser uma alternativa. Por isso o debate realizado na Confecom sobre conteúdo nacional e convergência tecnológica foi muito importante. Precisamos garantir um conteúdo nacional de qualidade para garantir uma identidade nacional.


4) Vou atender as quatros perguntas restantes nesta resposta. A) Mobilização social é a resposta para garantir mudanças. Cristina só conseguiu programar a Lei dos Meios na Argentina depois que quarenta mil pessoas foram para a frente do Congresso. Devemos mobilizar, no mínimo, o dobro aqui no Brasil. B) Não tenho elementos para julgar o propósito do Zé Dirceu ao defender a Confecom, o que posso dizer é que seus argumentos são muito próximos aos da Fenaj e do FNDC, portanto, são bem vindos. C) Os jornalistas estão muito interessados na mudança do cenário legal da comunicação brasileira. A presença da maior delegação na conferência, mais de trezentos delegados e outros tantos observadores, é a prova disso. Por outro lado foi muito acertada a estratégia de levar suas demandas para serem discutidas e aprovadas inclusive pelo setor empresarial presente.


José Ivanaldo Dias Xavier, do Rio Grande do Norte, diz que o Governo Federal divulgou, no Portal do Brasil, a informação de que o resultado da 1ª Confecom será usado na elaboração de uma nova legislação brasileira na área de comunicação. Já existe algum entendimento nesse sentido e quais das decisões da Conferência de Comunicação devem virar leis para democratizar a comunicação no Brasil? E, aproveitando a deixa, segue a pergunta da Jandira Rezende: o resultado final da Confecom será uma lei federal a ser aplicada em todo o País?


C.S. – O Governo tem se manifestado no sentido de iniciar um processo de transformar as decisões da Conferência que achar pertinentes, é claro, em normas e leis. Para isto, me parece que deve instalar um processo alicerçado em alguma comissão ou comissões que deverão, espero, buscar apoio nos movimentos que o ajudaram na construção da Confecom. Não tenho certeza de que uma única lei seja a melhor saída, mas certamente será constituído, a partir de agora, um processo regulatório que deverá articular leis e normas assim como agentes reguladores e fiscalizadores.


Álvaro Britto, do Sindicato dos Jornalistas do Estado do RJ e da Comissão Pró-Confecom do RJ, diz que a Confecom deu peso institucional a uma pauta que até então era apenas do movimento social. Para tornar realidade as suas deliberações, considera, ‘precisaremos manter a unidade e mobilização dos movimentos sociais e apontar para o diálogo com outras forças políticas, já que algumas medidas dependem apenas de iniciativas do Governo mas a maioria depende de aprovação do Congresso Nacional’. E pergunta se o FNDC e a Fenaj pretendem continuar investindo na unidade do movimento através da Comissão Nacional Pró-Conferência de Comunicação (CNPC), que, apesar das suas diferenças internas, conduziu a participação da sociedade civil na Conferência? Como será o processo para a definição do cronograma de implementação/mobilização da pauta de propostas aprovadas na Confecom? Qual a sua avaliação sobre o fato de 2010 ser um ano eleitoral em relação à implementação das propostas da Confecom?


C.S. – Álvaro, a pauta aprovada na Confecom dá conta dos interesses dos movimentos sociais, sem dúvida, mas também apresenta reivindicações do setor empresarial que participou e do setor público também. Para isto ela foi pensada. A Confecom só foi realizada nos moldes em que aconteceu por que foi vitoriosa na Comissão Pró Conferência Nacional a tese do FNDC e suas entidades, Fenaj entre elas, da realização de uma conferência de abrangência nacional e amplamente representativa. A Comissão Organizadora Nacional e suas entidades organicamente vinculadas à comunicação conseguiram construir as bases de acordo para a sua efetivação. Sem dúvida a unidade é necessária e desejável e ela acontecerá concretamente nas ações. A mais urgente delas é de mobilização para garantir a implementação das decisões da Confecom.


Adroaldo Corrêa, de Porto Alegre, registra que viu a Rede Globo – em seus principais jornais eletrônicos – denunciar a Conferência como anti-democrática ao justificar a ausência das organizações de proprietários da mídia grande. Depois, viu os mesmos veículos, citando alguns trechos pinçados da nota final da Confecom, justificarem por isso a ausência no espaço de participação para o debate da comunicação em nosso país. E pergunta: terá sido porque seriam minoria? Terá sido porque são eles os auxiliares da ditadura que impuseram aqui em 64 e depois continuaram com a tarefa que lhes atribuiu o poder discricionário, conforme a pauta da reunião na III Região Militar (então 3° Exército) a competência de censurar os conteúdos a publicar?


C.S. – Caro Adroaldo, tens absoluta razão nas tuas considerações. A Rede Globo, que iniciou seu império com a ditadura militar – história contada pelo já citado Daniel Herz no seu livro A História Secreta da Rede Globo, relançado na Confecom com um posfácio assinado por mim e pelo Nilo Piana de Castro – e ajudou a manter os governos autoritários de todo o período, colaborou, ainda, para sabotar o movimento pelas Diretas Já e também eleger Collor depois de manipular todo o processo da campanha eleitoral, portanto, sendo cúmplice da censura mais abjeta da história do Brasil, se arvora a reivindicar a defesa da liberdade de expressão e a denunciar qualquer tentativa de regular seus privilégios como ameaça à liberdade de imprensa. A Globo, que participou de todo o processo de instalação da Confecom, demonstrou em plena discussão do regimento aquilo que o professor Murilo Ramos chama de seu DNA: uma incapacidade atávica à democracia e ao debate público. Acostumada aos lobbies em Brasília, não resistiu à ameaça de ter que negociar suas propostas publicamente. Acho que não avaliou bem o preço histórico que pagará por mais esta tentativa de sabotagem ao país.


Odilmar Oliveira Franco, diretor da Federação das Rádios Comunitárias do Paraná, diz que, na estatística não oficial, muito mais que a metade das rádios comunitárias em funcionamento nos três Estados do Sul do Brasil estão nas mãos de pequenos grupos políticos ou religiosos. Ele lembra que, na abertura da Confecom, o presidente Lula disse que a sociedade tem que se mobilizar para evitar que as rádios comunitárias fiquem nas mãos de políticos que acabam utilizando-as para fins eleitoreiros. E pergunta: que atitudes as pessoas devem tomar para denunciar esses abusos, já que nessas emissoras sequer é permitida a associação das pessoas, a não ser de um pequeno grupo dominante, e já que muitos promotores públicos dos municípios sequer conhecem a lei da radiodifusão comunitária?


C.S. – Em primeiro lugar é preciso fazer uma defesa intransigente da radiodifusão comunitária. A Fenaj, com Daniel Herz, foi decisiva para a elaboração da lei que consagrou o conceito de comunitária e foi a primeira a reconhecer os defeitos que o resto da lei contém. Este segmento é muito importante para a democracia do país. Por outro lado, concordo contigo, inclusive a própria Abraço denuncia isto, existem inúmeras rádios que não são comunitárias. Bem, para isto existe a lei e os instrumentos de fiscalização. O problema é que somente as comunitárias (ou não) são fiscalizadas. As rádios comerciais, com raras exceções, são muito pouco avaliadas pelo poder público no que diz respeito às suas legalidades. Acho que a sociedade, junto com a Abraço e as verdadeiras rádios comunitárias, deve usar a Anatel para garantir a legalidade do sistema como um todo, seja comunitário ou comercial.


Gilberto Gonçalves, jornalista que hoje atua com empreendedorismo em Campinas (SP), com uma Agência de Notícia e uma Editora, enviou um longo e-mail que te repassaremos na íntegra depois. Em síntese, ele diz que por princípio é contra as verbas públicas destinadas à publicidade oficial, mas não pode deixar de se juntar aos que defendem uma melhor distribuição enquanto elas existirem. E quer saber como ficou, nas resoluções da Confecom, esta questão? Lembra que na Confecom Municipal/Campinas a proposta foi de reserva de 40% para os considerados pequenos veículos e pergunta se na conferência nacional ficou neste índice mesmo? Gilberto pergunta, também, se a discussão avançou sobre quem e como será responsável pela distribuição dessa verba? A criação de uma entidade nacional chegou a ser discutida? Teve proposta encaminhada? O que você acha destas propostas? E questiona, ainda, se não seria mais democrática uma divisão ‘compulsória’ com base na tabela de preço ‘Pública’ de cada veículo seja ele grande ou pequeno, evitando picaretagens?


C.S. – A questão dos financiamentos sempre é delicada. Para modificar o sistema brasileiro de comunicação é necessário rever o seu financiamento. As novas tecnologias estão sucateando rapidamente o modelo brasileiro de financiamento através de publicidade. Teremos que ter coragem para urgentemente pensar sobre formas que, ao mesmo tempo, incorporem novos players no mercado e não canibalizem a radiodifusão nacional. No modelo atual, distribuir as verbas públicas de maneira diferente do que foi feito até agora e que possibilitou esta distorção absurda da concentração da mídia brasileira, já será uma revolução. Temos que entender que a decisões da Confecom foram indicativas e, necessariamente, genéricas. No processo regulatório é que deveremos nos debruçar sobre índices, formas de arrecadação e fiscalização. Mas concordo que embora fundamental, o financiamento deve ser tratado com muito cuidado para não criarmos novos privilégios.


O jornalista Amoroso Jorge, de Sergipe, conta que em seu estado nem de longe se aplica o termo ‘Democratização da Comunicação’. A justificativa para tal afirmação merece ser reproduzida: ‘As duas emissoras de TV existentes no Estado (afiliadas da Globo e Record), pertencem aos irmãos Franco; um é ex-deputado e o outro ex-governador, ex-senador e atual deputado federal, ambos aliados e parceiros do governo do Estado. Os dois jornais diários, um de propriedade dos mesmos Franco e o outro do ex-governador João Alves Filho. E o controle absoluto de emissoras de rádios AMFM em todo o território sergipano, é do ex-genro do ex-governador João Alves Filho, e que mantém sob o seu crivo, condicionados aos seus exclusivos interesses, um grupo de oito deputados estaduais (inclusive o presidente da Assembléia Legislativa e o filho do presidente do Tribunal de Contas) e dois federais, todos da bancada do governador do PT, que, por sua vez, controla o prefeito da capital e de quebra é aliado e compadre do presidente da República’. Amoroso pergunta: ‘E agora? Sobrevive a imprensa ‘democratizada’ em um território desses? Especialmente eu, que atuo no jornalismo investigativo? Como, as ‘teorias resistentes’ que norteiam a cabeça e os princípios dos líderes de comunicação neste país, explicam isso?


C.S. – Sergipe pode ser um caso extremo, mas, infelizmente, está longe de ser o único. Os ‘coronéis eletrônicos’, denunciados pelo Daniel Herz no seu estudo ‘Os Donos da Mídia’, não dão sinais de desaparecer espontaneamente. Somente com um novo marco regulatório e agentes fiscalizadores públicos eficientes é que poderemos reverter esta situação dramática de falta de democracia nos meios de comunicação brasileiros. Mas não tenho dúvida que é possível reverter isto. Sem abusar do otimismo, acho que nos próximos cinco anos estaremos mudando radicalmente o cenário nacional de comunicação e jornalismo.


A defesa da exigência do diploma de jornalista para o exercício da profissão foi respaldada pela Confecom. Camila Santos questiona se a não obrigatoriedade do diploma para exercer o jornalismo democratiza ou banaliza a profissão? As empresas efetivamente têm a pretensão de contratar pessoas ‘não habilitadas’ ou de reduzir drasticamente os salários iniciais de um jornalista recém formado? E Ana Mendes, de Campinas, pergunta por que a grande maioria das empresas de comunicação do país não se manifestou diante da desobrigatoriedade do diploma para o exercício da profissão?


C.S. – A decisão do Supremo é um desastre sob vários aspectos. Para a desorganização da profissão dos jornalistas, para a qualidade da informação para a sociedade, para a valorização do ensino como um todo, entre muitas outras questões. Mas este ano foi positivo para os jornalistas brasileiros. Acho que a opinião pública está majoritariamente do nosso lado e isto se refletiu na posição do parlamento, que dá sinais de aprovar a nossa PEC que reintroduz a formação superior em jornalismo como condição de exercício profissional. O acordo firmado entre Band e Fenaj na Confecom demonstra que é insustentável esta posição desregulamentadora imposta pelo Supremo, em que pese a covardia do Ministério do Trabalho de sustentar os acordos para uma mínima regulamentação provisória.


A estudante de Jornalismo Iani Faria encaminhou várias perguntas. Muitas delas já foram contempladas nas tuas respostas anteriores. Mas duas carecem de resposta. Qual foi o maior avanço da Confecom e que questões ainda precisam ser mais aprofundadas? A conferência traz uma nova e real perspectiva de democratização da comunicação para nosso país?


C.S. – Não tenho dúvida que a Confecom aponta para uma nova realidade na comunicação. Mas ainda falta a pressão necessária para que esta realidade finalmente se estabeleça. A expectativa é que o novo governo brasileiro tenha a coragem de continuar o processo de democratização em curso.


Helton Costa encaminhou um questionamento que, embora não diga respeito diretamente ao tema de nossa coletiva, merece tua atenção. É correto dizer que a Fenaj, assim como os grandes veículos de comunicação pensam suas ações e suas políticas somente para o Centro-sul do país e se esquecem dos estados e cidades mais interioranas? Por quê?


C.S. – Penso que a Fenaj não reproduz esta distorção que é visível nos grandes meios de comunicações. A grande mídia radiodifusora está articulada através dos sistemas de afiliadas, cujas sedes estão no eixo Rio-São Paulo. Isto produziu, além do monopólio da propriedade, um monopólio geográfico que impôs uma estética sulista empobrecedora para a cultura nacional. A Fenaj ao contrário é composta pela associação do todos os Sindicatos de Jornalistas do país. Esta representação está garantida na sua direção e suas ações nunca deixaram de lado demandas dos estados do norte e nordeste.


Para finalizarmos, restam duas contribuições que dizem respeito mais à sua condição de presidente da Fepalc. Ernesto Vianna, presidente do Sindicato dos Jornalistas do Estado do RJ, lhe deseja sucesso em sua atuação sindical internacional e pede uma avaliação sua sobre o estágio atual do movimento pela democratização da Comunicação no Brasil, comparando com os países abrangidos pela entidade que você preside. E Bruno Duarte quer saber qual é a sua análise sobre as últimas ações do governo argentino buscando democratizar a comunicação naquele país?


C.S. – Obrigado Ernesto, o Brasil tem um movimento social pela democratização da comunicação muito potente e diferenciado. A Fenaj e o FNDC são, sem dúvida, responsáveis em grande parte por isso. Por outro lado, o monopólio da mídia também tem muita força neste país. A desregulamentação e a conseqüente concentração resultantes desta situação é a maior prova. Me parece muito acertadas as estratégias que o movimento social brasileiro, em especial Fenaj e FNDC, adotaram para a luta pela democratização. Os resultados nos últimos tempos comprovam este acerto. Por outro lado a América Latina tem desigualdades razoáveis nos níveis de democracia. México e Colômbia, por exemplo, ainda estão num estágio de ameaça constante à vida de comunicadores e jornalistas. Por outro lado, Argentina e Uruguai, ressalvadas as diferenças, estão num nível de regulamentação semelhante ao do Brasil. A Argentina ao aprovar a Lei de los Médios demonstrou capacidade de mobilização e de ação de governo para enfrentar estes poderosos e ilegítimos centros de poder em que se transformaram os meios de comunicação na América Latina. Aliás, quero aproveitar esta entrevista para convocar todos os jornalistas brasileiros a se incorporarem à campanha que a Fepalc está propondo de ajuda ao povo haitiano vítima desta catástrofe ocorrida há alguns dias. A Fepalc estará abrindo uma conta para angariar recursos e, junto com a FIP, ajudar a população e jornalistas atingidos pelo terremoto.