A trajetória do publisher, jornalista, ensaísta e escritor Otavio Frias Filho, que morreu em São Paulo na última terça-feira, 21/08, é representativa não só da valorização do jornalismo como instituição fundamental à democracia, como também da necessidade de crítica constante sobre a mídia e o fazer jornalístico. Quando Alberto Dines criou, nos idos dos anos 1970, a coluna “Jornais do Jornais” na Folha de São Paulo publicação da família Frias, Otavio Filho era um jovem que já escrevia editoriais para o jornal. Aos 18 anos de idade aprendia com o pai e com Cláudio Abramo — o jornalista que liderava o projeto editorial que tornou o jornal o mais moderno e plural do país — as intrincadas relações entre jornalismo e poder.
Alguns anos depois, quando atravessávamos a transição da ditadura para a democracia, Otavio Frias Filho assumia, aos 27 anos, a direção editorial do grupo. Era um momento importante da vida do país e a Folha de S.Paulo teve um protagonismo histórico em relação às campanhas pelas eleições diretas, vivendo nos anos seguintes um dos seus momentos mais férteis.
O Observatório da Imprensa surge em meados dos anos 1990 e deve sua expansão a uma iniciativa que também envolveu a figura de Otavio Frias Filho. A convite de Caio Túlio Costa, o portal do OI passou a ser veiculado no UOL, o braço digital criado pelo grupo Folha. Essa atitude, ao dar maior visibilidade ao projeto, pode ter sido decisiva para a futura expansão do conteúdo do Observatório para a televisão, o rádio e o impresso.
Há, ainda, um terceiro fator que faz de Otavio Frias Filho um personagem singular entre os empresários da grande mídia brasileira. Foi a iniciativa pioneira de instituir na Folha de S.Paulo a figura do ombudsman. “No meu entendimento, o ombudsman dentro de um jornal, ou de uma televisão, de uma revista, funciona como um mecanismo de freio e contrapeso aos abusos de poder”, dizia Frias Filho a Alberto Dines numa entrevista especial em comemoração aos 15 anos do Observatório da Imprensa, em maio de 2013. A crítica que funciona, diz Frias, é a que incomoda.
Durante os mais de cinquenta minutos da entrevista, Frias expõe o preceito filosófico que norteia o seu projeto editorial e toca em questões fundamentais ao exercício do jornalismo e dos negócios da imprensa no Brasil. “Sempre é desejável que haja mais pluralismo no debate, na política, no jornalismo”, diz, lembrando que na Folha existem colunistas de centro, de esquerda e de direita. E os governos, sejam de quais tendências ideológicas forem, só enaltecem a imprensa se forem elogiados. “Quando a imprensa começa a noticiar aspectos que são vistos como desfavoráveis ou opiniões que incomodam por serem críticas, a reação de todo governo, aí não importa se um governo de direita, liberal, de esquerda, é quase invariavelmente a mesma, que é uma reação de defesa e, quando o governo tem força, de ataque”.
A entrevista acontece um mês antes das manifestações de junho de 2013 que, apesar de surgirem como promessas de mudanças sociais, foram sucedidas por uma pauta conservadora. Aquela ainda era uma época de otimismo. Frias, mesmo se dizendo um pessimista por convicção e prudência, faz um balanço dos mais de 30 anos de sua atividade como diretor editorial do grupo Folha para demonstrar sinais de uma evolução na vida pública brasileira e no planeta. “Há menos guerra, menos ditadura, há mais liberdade de escolha, o Brasil experimentou uma melhora em termos institucionais, um progresso notável, econômico, social”, diz, para concluir que o jornalismo teve algum papel na obtenção de todas essas melhorias.
Alberto Dines, antevendo o cenário disruptivo que iria se acentuar nos anos seguintes, sobretudo pelas novas formas de circulação e produção de informação na sociedade midiatizada, quer saber do entrevistado qual o cenário possível para o jornalismo. Otavio Frias Filho recorre a uma boutade atribuída a Xico Sá: “Jornalismo é que nem barata, não acaba nunca”.
Apesar de reconhecer o aspecto nebuloso do impacto da internet no fazer e nos modelos de negócio da imprensa, Frias reconhece uma demanda crescente por jornalismo de qualidade, na medida em que a população vai melhorando seu padrão de educação, o acesso à cultura e bens de informação. O jornalismo que se pauta por um compromisso de veracidade e verificabilidade não só vai sobreviver como vai crescer, conclui Frias.
Em tempos de desinformação em rede, a fala soa premonitória. A sociedade saberá reconhecer o valor da informação checada, contextualizada, aprofundada, a capacidade de análise e de interpretação da realidade. Ainda que, como observa Frias, a prática seja por natureza precária, precisaremos afinar o senso crítico para buscar aperfeiçoar o imperfeito. Esse sentido que conduziu a vida profissional de Otavio Frias ficará como um legado ao jornalismo brasileiro.