Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

“A imprensa é pelo sim, só que isso é escamoteado”


** ‘A primeira coisa a se pensar é que a mídia em geral vem fazendo a campanha pelo sim há muito tempo. A campanha para desarmar a população está ligada hoje à questão do plebiscito, do referendo, então não é uma campanha que tenha começado agora. A imprensa está majoritariamente pró-sim. A capa da Veja não me chocou tanto então pelo seguinte: pela primeira vez um órgão de imprensa estava claramente colocando uma outra opção para discussão na sociedade. Sob esse ponto de vista, sem entrar no mérito da qualidade da reportagem, eu achei que a Veja colocou um contraponto nessa discussão. A questão da neutralidade não só é algo a ser desmistificado, mas nós vamos criando também, de uma certa maneira, um falso equilíbrio. Algumas dessas capas citadas, se você pegar a reportagem, verá que não leva a lugar nenhum. Eu não chego ao fim dela sabendo onde eu vou encontrar uma informação relevante. A verdade é que a publicidade está brigando, os dois campos estão mistificando, há falsos argumentos para os dois lados. Na imprensa isso também se reflete com uma cobertura superficial. Sete razões para o sim e sete razões para o não, eu não vejo nisso necessariamente uma neutralidade, às vezes, ao contrário, é uma abdicação de aprofundamento na discussão.’


** ‘No caso da Folha de S. Paulo, ela é nitidamente pelo sim, declarou isso não só nesse editorial como em outros dois anteriores. Ela faz um esforço que eu acredito que seja verdadeiro para manter um equilíbrio nessa cobertura, mas eu acho que há uma simpatia pelo sim que aparece na cobertura, no equilíbrio das pessoas que estão sendo ouvidas pela reportagem. Eu citei claramente na coluna o caso da Folha Teen. Havia evidentemente um esforço para ser uma cobertura equilibrada para os jovens, mas quando você vai ver eram dois depoimentos, um de um músico famoso e o outro o de um estudante defendendo o não. Então esse equilíbrio é relativo. A imprensa em geral é favorável ao sim, só que isso vai um pouco mais escamoteado. Já a Veja escancarou, colocou claramente que é não.’


** ‘O jornalista e as empresas jornalísticas têm que ter o compromisso de buscar isso, tentando assumir se possível a neutralidade, a objetividade, a isenção e a eqüidistância. Nós somos influenciados por vários fatores, é muito difícil que isso se alcance, mas se a gente não tiver isso como objetivo claro e permanente é uma brincadeira. O que eu considero nesse campo concreto é que nós não estamos diante do bem e do mal, no caso do sim e do não; a maneira como freqüentemente aparece – agora, por exemplo, o [Marco Antonio] Villa se referiu à ‘bancada da bala’, ou seja, o não está caracterizado como a bancada dos bandidos e tudo mais, e a gente sabe que é muito mais complexo. O referendo não vai resolver essa complexidade e a imprensa não está conseguindo enfrentar isso exatamente porque há uma predisposição de achar que há o bem e o mal, então é muito difícil discutir de uma maneira isenta. E isento na minha na minha opinião é levar o não em consideração. Se a capa da Veja fosse ‘Sete razões para você votar no sim’ não teria causado o escândalo que causou entre nós. Eu acho que ela continuaria tendo os mesmos problemas de reportagem, deveria ter as mesmas críticas, mas não teria causado o mesmo escândalo que provocou por uma predisposição nossa. A imprensa acaba sendo cobrada por uma função que não é só dela, ela tem dificuldade em fazer isso e, ao fazê-lo, faz de maneira superficial e atrasada. Ela não sabe mais quais são os dados estatísticos que estão valendo para essa discussão.’


** ‘Eu acho que se vencer o sim é algo mais ou menos esperado, e se vencer o não é algo que vai ter um impacto realmente. Em geral nós temos tratado mal essas questões, elas são sempre tratadas de forma fragmentada. Quando chega um momento como esse, fica difícil fazer uma ligação com tudo, fica difícil entender a questão do comércio, a proibição do comércio e que implicação vai ter no dia-a-dia ou não. Assim, a coisa mais fácil é dizer que se você for pelo sim você vai estar desarmando, o que não é verdade, e se você for pelo não está sendo favorável a uma sociedade mais repressora, o que também necessariamente não é verdade. São limitações da imprensa mesmo. Ela tem que se esforçar para ser mais qualificada, mais presente, para ter uma pauta com mais continuidade para que esses temas estejam mais no dia-a-dia. Agora, a verdade é que nós temos uma tendência muito grande de ir fragmentando. Nós estamos discutindo nos jornais do Rio, no Globo principalmente, a questão das favelas. É uma questão importantíssima, fundamental, difícil. Há um tabu para discutir isso, mas mais uma vez a gente está discutindo o tema dissociado de uma série de outras questões. Fica difícil entendermos o que está em jogo.’


** ‘A gente centrou o debate num ponto fundamental, que é a questão do equilíbrio da cobertura. Mas há um outro ponto muito importante, que é a qualidade da informação. É muito comum a gente ver o que está acontecendo agora, uma cobertura assistemática e irregular de um caso concreto, um caso muito importante no qual você tem que concentrar um esforço muito grande para noticiar com qualidade. A imprensa vai ser obrigada, até o referendo, de alguma maneira, a se aprofundar nesse assunto, a colocá-lo de uma maneira mais clara. Não necessariamente se posicionando mais do que já se posicionou, mas sim em relação a trabalhar a qualidade da informação. Eu considero que o que saiu até agora, independentemente dessa questão do equilíbrio, é fraco; seja o material que a Veja deu, seja o material que as revistas concorrentes deram com o objetivo de parecer que estavam equilibradas, mas que também era raso. Você não tira daí sete opiniões a favor e sete contra. Então eu acho que esse é um grande desafio da qualidade da informação que está diante da imprensa nesses próximos dias.’

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Ombudsman da Folha de S. Paulo