Saturday, 02 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1312

A imprensa nacionalista no Brasil e o golpe: O Semanário

‘O Brasil continua sendo uma colônia mal disfarçada a serviço do capitalismo estrangeiro, que aqui se faz e desfaz, como se estivesse em casa de mãe Joana.’ [‘Maravilha das holdings’, Barbosa Lima Sobrinho em sua primeira contribuição para o periódico O Semanário. Nº.149, p. 3, Ano IV, 5-11/03/1959]

O movimento político militar de 1964 não representou apenas a ruptura da incipiente institucionalidade democrática nascida no Brasil após a queda do Estado Novo. Significou também o silêncio imposto a diversos setores progressistas que passaram a postular, no início dos anos 60, importantes reformas no capitalismo brasileiro. Neste contexto, segmentos da imprensa brasileira que se percebiam como canais de interlocução destes setores também foram violentamente calados pelo dispositivo militar, que sacramentou a derrubada do governo nacional reformista de João Goulart nos idos de abril de 1964. Nosso objetivo neste breve artigo consiste em refazer rapidamente a trajetória e os momentos finais de um dos periódicos mais importantes da chamada imprensa nacionalista de esquerda que existiu no Brasil entre 1945 e 1964. Buscaremos recortar as reações do periódico O Semanário frente à conspiração civil-militar (vitoriosa) que visava à desestabilização do governo Jango.

Fundado pelos jornalistas Oswaldo Costa e Joel Silveira, em abril de 1956, possuindo uma tiragem de cerca de 60 mil exemplares, O Semanário circulou em todo o território nacional. Sua redação funcionava em dois endereços, no Rio, na Avenida Presidente Vargas 502 8º andar, e em São Paulo, na Rua 15 de Novembro 137, 7ª andar. Circulando por cerca de 8 anos, foi uma das mais longas publicações nacionalistas do período. O periódico surgiu num momento de arrefecimento da crise política deflagrada após o 11 de novembro de 1955. [‘Movimento militar deflagrado sob a liderança do general Henrique Lott, ministro da Guerra demissionário, no dia 11 de novembro de 1955. Teve como conseqüência a destituição do presidente da República em exercício, Carlos Luz, e a posse na chefia da nação do vice-presidente do Senado, Nereu Ramos, confirmadas a seguir pelo impedimento do presidente licenciado João Café Filho. Seu objetivo era neutralizar uma conspiração tramada no interior do próprio governo com o fim de impedir a posse do presidente eleito Juscelino Kubitschek’. LAMARRÃO, Sérgio. DHBB FGV CPDOC. Coord. Geral Alzira Alves de Abreu e Israel Beloch; coordenação dos verbetes biográficos Sérgio Tadeu de Niemeyer Lamarão; coordenação dos verbetes temáticos Fernando Lattman-Weltman. 2.ed. rev. atual. Rio de Janeiro: Editora Fundação Getulio Vargas, 2001.] Assegurada a normalidade democrática, O Semanário se debruçaria sobre as mais diversas temáticas da agenda política e econômica brasileira.

Defesa do interesse nacional

No primeiro editorial, O Semanário não se declarava textualmente nacionalista e se entendia como um espaço aberto para o debate político. A edição inaugural ostentava os objetivos e propósitos do jornal numa espécie de ‘profissão de fé’:

‘Nenhum povo, numa democracia que se prese (sic) pode viver, trabalhar, progredir, aprimorar suas instituições, corrigir as falhas de sua informação, traçar seus rumos e decidir sobre seus destinos sem uma informação exata e objetiva, que esclareça e oriente (…) O Semanário surge para, livre de quaisquer influências ostensivas ou disfarçadas de sindicatos econômicos e políticos, dizer a verdade, tal como é sem condescendências desfibradas (…) Seremos uma tribuna aberta ao mais amplo debate de idéias e princípios democráticos do governo e dos programas, planejamentos e iniciativas sérias de trabalho e produção (…)'[O Semanário. Editorial nº1 p. 2 nº. 1 Ano I, 05-12/04/1956]

Dentre a infinidade de temas, de natureza política e econômica abordados pelo periódico em seus oito anos de existência, uma perspectiva orientou toda a ação do jornal: a defesa intransigente daquilo que ele entendia como interesse nacional. Incluía-se aí o monopólio estatal do Petróleo, a regulação efetiva do Estado sobre a exploração, pesquisa e comercialização de minerais atômicos [naquele contexto de Guerra Fria a temática em torno da exploração e controle sobre minerais atômicos no Brasil era essencial. O Semanário fez um detalhado acompanhamento da Comissão Parlamentar de Inquérito instalada no Congresso Nacional em 1956 que teve como objetivo investigar os acordos assinados entre Brasil e EUA à respeito desta questão. Tal CPI teve como relator o deputado do PSD paulista Dagoberto Salles, que posteriormente publicou as conclusões da comissão no livro Razões do Nacionalismo. Ed. Fulgor. Rio de Janeiro. 1959.], a adoção de uma política externa independente, além do ataque direto a empresas que atuavam no Brasil, mas que pertenciam ao capital estrangeiro como a Light no Rio de Janeiro e a Bond and Share no Rio Grande do Sul.

Avesso à euforia dos ’50 anos em 5′ da Era JK, O Semanário colocava-se como um crítico contumaz do modelo de desenvolvimento industrial adotado naquele período. Não eram poucos os predicados atribuídos a figurões do governo JK, como Augusto Frederico Schimdt, que era corriqueiramente qualificado como agente dos trustes no Brasil, testa de ferro do capital alienígena e outros adjetivos similares. Aliás, a linguagem panfletária do periódico e a irreverência de algumas ações lhe garantiam uma ampla popularidade e legitimidade entre os setores nacionalistas do cenário político brasileiro naquele momento. [Isso pode ser verificado nas inúmeras cartas dos leitores publicadas nas edições do periódico. O Semanário se entendia como um baluarte na defesa dos interesses nacionais, ou ainda, segundo alguns leitores um ‘oásis na imprensa brasileira… um jornal que usa a linguagem expressiva da verdade’, entre outros adjetivos. O Semanário. P 1 2º caderno. Ano II nº.79 11-18/10/1957. Nas últimas edições do ano de 1957 o periódico fez uma espécie de concurso/enquête com os leitores perguntando a respeito dos dez mais entreguistas da política brasileira, figurou em primeiro lugar o nome do empresário Assis Chateaubriand, proprietário do Grupo Diários Associados. Chatô era um dos alvos preferidos do periódico quando este se referia a chamada imprensa sadia, uma clara ironia aos grandes órgãos de imprensa no Brasil da década de 50.]

O Semanário se opôs decididamente ao nacional desenvolvimentismo dos anos juscelinistas, identificava-se muito mais como um nacionalismo popular que ganhava corpo e popularidade no Brasil da década de 50. O nacionalismo popular do periódico postulava muito claramente um modelo desenvolvimento industrial no qual o Estado regulamentaria com rigor a atividade econômica numa espécie de ‘capitalismo de Estado’, aonde este não faria concessões ao capital estrangeiro.

Base de apoio a Jango

Em momentos críticos da conjuntura política brasileira O Semanário manteria sua postura coerente e combativa aos grupos políticos considerados entreguistas. O periódico não hesitaria em se engajar de forma profícua na campanha presidência da chapa Lott/ Jango em 1960, o mesmo ocorreria na crise sucessória deflagrada após a renúncia de Jânio Quadros e outros momentos decisivos do conturbado governo Jango, como o plebiscito pelo presidencialismo em janeiro de 1963 e na defesa das Reformas de Base, última grande bandeira da Era João Goulart.

Compondo a base de apoio do governo Jango, as atenções da linha editorial de O Semanário se voltaram à denúncia da possibilidade demarcada e (já prevista) da conspiração golpista por parte de grupos conservadores. Neste momento, a preocupação do jornal se centrou na manutenção da ordem democrática e na continuidade do projeto nacional reformista, alavancado após o comício da Central do Brasil naquela sexta feira, 13 de março de 1964. Na leitura das ultimas edições, em diversos momentos encontramos matérias alertando as forças progressistas sobre a movimentação dos grupos conservadores: Golpistas se organizam e se armam por todo o Brasil [O Semanário. P. 5. Nº. 375. Ano VIII 12- 18/03/1964]. Nesta mesma matéria, o periódico apontava nominalmente os principais figurões, civis e militares, articuladores do golpe: Carlos Lacerda (governador da Guanabara); o almirante Silvio Heck (ex-ministro da Marinha do Governo Jânio Quadros), Bilac Pinto (então presidente da UDN), o marechal Humberto Castelo Branco (então Chefe do Estado Maior das Forças Armadas) e Adhemar de Barros (governador de São Paulo) são destaques. Numa linguagem que mesclava acidez e sarcasmo estas lideranças conservadoras eram continuamente ridicularizadas pelo periódico.

O dispositivo militar deflagrado em 31 de março/ 1º de abril de 1964, mais do que impedir a continuidade dos trabalhos do periódico (sua redação foi invadida e fechada logo após o golpe) representou a pulverização desta cultura política popular expressa nas páginas de órgãos de imprensa como O Semanário, um jornal combativo, panfletário e que sintetizou muito bem o nacionalismo popular existente no Brasil nas décadas de 50 e 60.

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Historiador, integrante da equipe editorial da revista eletrônica Nova História