Wednesday, 13 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1313

A imprensa não está muito bem na fita

São graves as constatações do Ouvidor da Folha de S.Paulo, Marcelo Beraba, veiculadas na edição televisiva do Observatório da Imprensa [terça (11/10), pela rede pública de TV, veja aqui]. Duas delas em especial:


** ‘A imprensa é pelo sim, só que isso é escamoteado.’


** ‘Se a matéria de Veja fosse ‘Sete razões para você votar no sim’ não teria causado o escândalo que causou.’


Com elas, Beraba identifica (ou denuncia) um pecado mortal de nosso jornalismo com os seus diversos desdobramentos: o engajamento político disfarçado, a incapacidade para manter um mínimo de equilíbrio e o patrulhamento dos que ousam rebelar-se contra o que se convencionou chamar de ‘politicamente correto’.


Não cabe aqui retomar a discussão sobre a matéria de capa de Veja que este Observador classificou como ‘exemplo clássico do jornalismo panfletário’ [ver remissão abaixo]. Veja mudou de tom nas edições seguintes, o que significa que a direção também percebeu suas falhas. Só que não poderia admiti-las publicamente.


O que interessa é a terrível conclusão dessas colocações do Ouvidor da Folha: nossa imprensa não é confiável.


E se não é confiável na preparação da sociedade para um referendo (que, independente dos resultados, pouco alterará o quadro da violência no país), seria confiável na cobertura das próximas eleições presidenciais?


Esta é a questão. Segundo Beraba, Veja teve a coragem de ir contra a corrente para defender o que considera legítimo ao interesse dos seus leitores. Mais coragem tem o ombudsman da Folha ao acolher e endossar o ceticismo deste Observatório – como de resto de todos os media-watchers em qualquer parte do mundo – no tocante à capacidade (ou disposição) dos homens de imprensa de hoje para conduzir o processo de aperfeiçoamento intelectual (ou espiritual) do seu público sem interferências partidárias. Sobretudo, sem o vírus do fanatismo.


Direita = esquerda


Beraba não mencionou o patrulhamento ideológico, nem os tabus politicamente corretos incrustados numa sociedade que há 75 anos tenta mas não consegue recusar em termos definitivos a violência política. Mas quando vemos os adeptos do ‘não’ serem tachados de ‘direita raivosa’ percebemos o quanto nossa imprensa está distante da tolerância com os opostos.


O jornalista e escritor João Ubaldo Ribeiro, por exemplo, poderia ser enquadrado na direita raivosa? A destemida ex-juíza e agora deputada Denise Frossard pode ser enquadrada desta maneira no espectro ideológico? E os para-jornalistas que só conseguem sonhar com o impeachment de Lula podem ser vistos como paradigmas de juízos equilibrados?


A verdade é que os dois lados, o do ‘sim’ e do ‘não’, esquecem que estão no Brasil e discutem a questão do desarmamento como se estivessem nos EUA. Tentam enfiar à força o nosso debate no cenário ideológico americano em que a National Rifle Association, fundada há 134 anos com mais de três milhões de filiados, era até há pouco tempo o mais poderoso lobby político do país (foi desbancado pelas diferentes confissões fundamentalistas).


Há cidadãos de direita que no próximo domingo apertarão a tecla 1, mas há também muitos liberais (lato e stricto sensu) que farão o mesmo. Não são da ‘bancada da bala’, não pretendem comprar armas, querem apenas vocalizar uma opinião e defender suas idéias. Em matéria de raiva e indignação o Brasil conseguiu o milagre igualar a direita com a esquerda. Falamos em desarmamento mas não desarmamos os espíritos.


Aquela matéria de capa de Veja (nº 1925, 5/10/2005, págs.78-86) representa um exemplo de mau jornalismo e péssimo serviço público. Mas graças a Marcelo Beraba ela suscitou um debate que precisa estender-se até o início da próxima campanha eleitoral.