Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

A infância na mídia latino-americana

No final de janeiro, a Rede Andi América Latina, iniciativa da Agência de Notícias dos Direitos da Infância (http://www.andi.org.br/), foi anunciada como um dos três projetos sociais com maior potencial de replicação e impacto social no mundo.

O reconhecimento aconteceu por meio do Prêmio Japão de Projeto Mais Inovador de Desenvolvimento, oferecido pela Global Development Network, organização associada ao Banco Mundial, com apoio do governo do Japão. Foram inscritos cerca de 300 projetos de todo o mundo.

Em entrevista ao redeGIFE, o coordenador executivo da Rede Andi América Latina, Ulisses Lacava, fala sobre o trabalho da rede, a cobertura de temas sobre a criança e o adolescente pela mídia latino-americana e a importância dessa premiação.

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O que é a Rede Andi América Latina?

Ulisses Lacava – A Andi é reconhecida dentro e fora do Brasil como um centro de referência em comunicação para os direitos humanos e para o desenvolvimento social, com ênfase na promoção dos direitos de crianças e adolescentes. Desde 2000, estas estratégias de ação já estão sendo replicadas por todo o país, com a criação da Rede Andi Brasil, que atualmente reúne 11 agências parceiras em vários estados. A Rede Andi América Latina surgiu como um desdobramento natural desse trabalho e é uma rede de entidades não-governamentais comprometida com o uso da comunicação para o desenvolvimento humano e social, em especial na promoção dos direitos de crianças e adolescentes. Atualmente são nove entidades participantes, da Argentina, Bolívia, Paraguai, Colômbia, Venezuela, Costa Rica, Nicarágua e Guatemala, além do Brasil. O objetivo é chegar a uma rede com 15 países até 2006. Cada entidade será responsável pela execução, em nível nacional, de um conjunto de metodologias de monitoramento, mobilização e capacitação, desenvolvidas e testadas no Brasil pela Andi.

Qual é a linha de atuação e as atividades desenvolvidas pela Rede?

U.L. – A metodologia da Andi é baseada no uso da comunicação para o desenvolvimento social. Somos uma agência de notícias que não produz notícia, mas sim mobilização e capacitação de jornalistas, monitoramento da mídia, pautas de temas estratégicos, fontes organizadas de informação. Aproximamos a mídia do terceiro setor e vice-versa. As agências da Rede Andi vão fazer a mesma coisa em seus países. Há uma dezena de ações previstas, da produção de resenhas informativas à elaboração de relatórios avaliando como os meios de comunicação estão cobrindo os temas de interesse da infância e da adolescência. O projeto Jornalista Amigo da Criança, realizado no Brasil, também será expandido para os demais países, reconhecendo publicamente os profissionais que se destacarem na área. Haverá ainda atividades de capacitação para estudantes de comunicação. A Rede vai permitir um trabalho conjunto das entidades em torno de uma agenda comum.

É possível perceber um avanço na cobertura pela mídia de temas sobre a criança e o adolescente na América Latina?

U.L. – O potencial do tema ainda está por ser explorado. As informações que temos é que a mídia da América Latina, em relação aos direitos das crianças e dos adolescentes, ainda está nos anos 80. Há casos de jornais publicando fotos de adolescentes abusados sexualmente na primeira página. Há países em que o tema mal aparece. Talvez seja resultado do pouco tempo que temos com essa nova visão baseada nos direitos da infância e da adolescência. Afinal, a Convenção da ONU sobre os Direitos da Criança foi aprovada em 1989, e há países latino-americanos que ainda nem criaram suas próprias legislações sobre o tema.

As atividades da Rede Andi Brasil seguem a mesma linha da rede da América Latina?

U.L. – A Rede América Latina foi inspirada no trabalho realizado pela Rede Brasil e está adotando os mesmos procedimentos e o mesmo modelo de gestão. Claro que há diferenças, a começar pela língua. Trabalhamos em espanhol. E há diferenças entre os países. Fizemos, por exemplo, um glossário de termos jornalísticos, pois cada um chama cada coisa de um jeito, e isso complicava a comunicação interna. Estamos adaptando nossos bancos de dados de classificação das matérias e de fontes, um exercício complexo. Enquanto no Brasil nos limitamos a identificar etnia como sendo branco, negro, asiático ou indígena, por exemplo, há países com duas dezenas de etnias indígenas que devem estar identificadas no processo de classificação. Adotamos novos indicadores, como ‘violência – conflitos armados’, por conta da realidade da Colômbia e da América Central.

Quais são os maiores obstáculos encontrados para o trabalho de uma rede como essa?

U.L. – A questão financeira é crítica. A cada reunião feita com um representante de cada país é necessário um investimento de quase 35 mil reais. É muito mais barato viajar para a Europa do que ir até a América Central. Estamos desenvolvendo opções mais baratas, como o uso de webcams (câmeras de vídeo pela internet) e ferramentas interativas na internet. Este início de projeto está sendo muito intenso, com enormes demandas para serem tratadas em um tempo curto, nosso cronograma é bem apertado. No entanto, não temos encontrado grandes obstáculos, mas sim muita gente interessada e disposta a ajudar. Tem sido uma boa experiência.

Como a Rede é mantida financeiramente?

U.L. – Por meio de parcerias, como os demais projetos da Andi. Somos responsáveis pela arrecadação dos fundos necessários para as ações coletivas da Rede América Latina, mas boa parte do trabalho será feita por cada entidade parceira, com recursos levantados por elas no seu próprio país. Já temos o apoio do Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância) e da Save the Children Suécia, entidade que integra uma das maiores redes mundiais de suporte à infância. Há outros apoios em fase final de negociação, inclusive o de uma grande empresa brasileira que atua na América Latina e manifestou o desejo de colaborar.

Como fazer parte da Rede Andi?

U.L. – O principal critério é ser uma organização sólida em seu país, com experiência comprovada seja em comunicação para o desenvolvimento, seja na promoção de direitos da infância e adolescência. Uma entidade capaz de implementar o conjunto de atividades proposto na metodologia em escala nacional. Cabe à Andi visitar cada país e identificar as instituições que sejam melhores candidatas. Mas a decisão final é do Conselho Gestor da Rede Andi América Latina, formado pelos líderes das nove entidades participantes.

Como a Rede foi indicada ao prêmio Japão e quais ações a levaram a ser uma das vencedoras?

U.L. – Quando tomou conhecimento do prêmio, a Andi inscreveu o projeto da Rede. O processo de seleção foi muito rigoroso, levou meses. Especialistas enviados pela Global Development Network vieram à Andi duas vezes para avaliar o nosso projeto. A cada rodada, o número de participantes ia sendo reduzido: dez finalistas, cinco. No final, representantes de cada um dos três projetos finalistas foram convidados a fazer uma apresentação durante a Conferência Anual da GDN, realizada na Índia, em janeiro deste ano. Só então o vencedor foi apontado: um projeto de Bangladesh. A Andi ficou empatada em segundo lugar com o outro concorrente.

Qual a importância deste prêmio para a Rede?

U.L. – Foi uma grande felicidade para nós chegar tão longe, afinal foi um enorme reconhecimento internacional ao nosso trabalho. A oportunidade de apresentá-lo para os participantes da conferência também foi excelente. Há sinalizações de outros países que ficaram interessados em reproduzir a metodologia. Quem sabe a Rede Andi não cresce ainda mais? O prêmio recebido agora vai reforçar o orçamento da Rede América Latina e esperamos que a visibilidade dada por ele ajude o projeto a arrecadar, pois ainda não temos todo o recurso necessário para os próximos três anos.

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Repórter do redeGIFE (http://www.gife.org.br/)