Desde que pronunciou em 11 de junho a expressão “legião de imbecis” para ser referir aos que antes “falavam apenas em um bar e depois de uma taça de vinho, sem prejudicar a coletividade”, Umberto Eco se tornou o centro de polêmica mundial a respeito do direito de expressão nas mídias sociais.
No Brasil, a repercussão aumentou após a entrevista que Eco deu à revista “Veja”, publicada na semana passada, na qual ele tentou contemporizar um pouco a força de suas palavras originais: “veja bem, num mundo com mais de 7 bilhões de pessoas, você não concordaria que há muitos imbecis? Não estou falando ofensivamente quanto ao caráter das pessoas. O sujeito pode ser um excelente funcionário ou pai de família, mas ser um completo imbecil em diversos assuntos. Com a internet e as redes sociais, o imbecil passa a opinar a respeito de temas que não entende”.
Afinal, a expressão pejorativa “legião de imbecis” para se referir a quem expressa opiniões, ainda que infundadas, ilógicas, mal formuladas, cheias de erros gramaticais, contradiz o pensador que um dia defendeu que todos deveriam, “antes de tudo, respeitar o direito da corporalidade do outro, entre os quais o direito de falar e pensar”, como bem realçou recentemente em seu blog o professor Carlos Chaparro.
De fato, “ignorantes” (no sentido não ofensivo que define alguém que ignora determinados assuntos) não devem ter contestado seu direito de se expressar publicamente pelas mídias sociais, por mais disparatadas que sejam suas falas. Mesmo porque elas podem ofender o bom senso, o vernáculo, a sensibilidade estética, mas não causam real prejuízo a ninguém.
Muito diverso, no entanto, é o discurso de ódio disseminado em larga escala pelas redes virtuais, como o de que tem sido alvo a jornalista Maria Júlia Coutinho, da Rede Globo de Televisão.
Os comentários racistas de internautas na página do “Jornal Nacional” no Facebook e em outras mídias sociais não podem ser admitidos e merecem investigação que leve à punição de seus autores, como já foi solicitado ao Ministério Público.
O caso de Maju é um dos mais expressivos, inclusive pelo componente de racismo, que remete aos linchamentos literais de que foram vítimas centenas de negros nos EUA durante muitos anos há pouco mais meio século. Aqueles linchamentos físicos, que inspiraram Billie Holiday a compor a pungente canção “Fruta Estranha” (“Árvores do sul produzem uma fruta estranha/Sangue nas folhas e sangue nas raízes/Corpos negros balançando na brisa do sul/ Fruta estranha penduradas nos álamos”) eram quase tão corriqueiros como são agora os linchamentos morais via internet.
Outra vítima recente da sanha linchadora eletrônica é o jornalista Zeca Camargo, também da Globo, que sofreu com a ira dos que se enfureceram por um comentário sobre a cobertura feita da morte do cantor sertanejo Cristiano Araújo, na qual ele colocou em discussão os critérios da pauta do jornalismo cultural brasileiro atual, sem ter sido minimamente desrespeitoso com o artista.
Igualmente da Globo, Jô Soares sofreu até ameaças de morte por causa da entrevista que fez com a presidente Dilma Rousseff porque alguns “imbecis” o consideraram muito condescendente com ela.
Imbecis que só falam são relativamente inofensivos. Mas os que lincham moral ou fisicamente não podem ser tolerados em sociedades democráticas. As leis de repressão a crimes de informática devem ser usadas para conter e punir os que as desrespeitam. Censura prévia, é claro, não pode ser admitida. Mas a condenação legal pelos efeitos do discurso de ódio é imprescindível, bem como a reação em defesa dos atingidos, como expressão de solidariedade a eles e de repulsa coletiva aos linchadores.