O governo resolveu, nas vésperas das eleições, editar a Medida Provisória que regulariza o trabalho das empregadas domésticas. Para melhorar seu ibope com a classe média, a proposta do governo é que os empregadores descontem, no Imposto de Renda, parte da contribuição previdenciária. A resposta do Congresso foi incluir, na mesma medida, um item que determina o recolhimento mensal obrigatório do Fundo de Garantia e o pagamento de 40% sobre o total do fundo em caso de demissão sem justa causa.
O que se percebe, dos dois lados, é a tentativa de conquistar tanto empregados como empregadores para seus interesses exclusivamente por razões eleitoreiras. E percebe-se, também, que a imprensa mais uma vez ficou devendo aos leitores. Dizer que o governo está numa saia justa, sem saber se manda a MP pra frente ou deixa o assunto para mais tarde, é pouco, muito pouco.
Os leitores – empregadores em sua maioria – gostariam de entender melhor o que vai representar, no seu bolso e no seu dia-a-dia, essa bendita MP. Mas isso ninguém explica.
Toda vez que a imprensa fala de empregadas domésticas, a matéria acaba se resumindo a depoimentos de empregadas e patroas com longo e satisfatório relacionamento em que a empregada ‘já é da família’ e tudo são flores, além das dicas de cuidados na hora de contratar uma profissional. Nem mesmo agora a imprensa mostrou preocupação em explicar como vai ficar a vida dentro das casas se as empregadas – como o resto dos trabalhadores com carteira assinada – tiverem horário para começar e, especialmente, para terminar o expediente.
Profissão em extinção
O trabalhador doméstico pertence a uma categoria em extinção, uma herança dos tempos pré-industriais. Sobrevive, basicamente, em países subdesenvolvidos, com grande concentração de renda. O desenvolvimento dos eletrodomésticos, a expansão de prestadores de serviço como lavanderias, redes de fast-food, empresas de faxina ou de alimentos congelados, além da existência da oferta de empregos em outras profissões praticamente acabou com a doméstica nos países ricos.
Essa não é a situação do Brasil e é muito justo que esse trabalho seja regulamentado e beneficiado com os direitos de outras categorias. Mas não é um trabalho ‘mensurável’, nos mesmos termos em que se mede a produção de um operário. Digamos, por exemplo, que a doméstica esteja passando uma camisa e o relógio mostra que suas horas de trabalho terminaram. Que opções ela tem? Largar a camisa semi-passada e sair? Terminar e cobrar hora-extra? Transferir a tarefa para a dona-de-casa? E se ela sair, isto é motivo para demissão por justa causa?
São duas questões básicas: horário e justa causa. A chamada ‘patroa’ sempre agirá com forte dose de subjetivismo, dificilmente estará preparada para um comando profissionalizado. E quem vai decidir se o horário ou a demissão foi justa ou não? Segundo decisão do TST, a homologação do termo de rescisão do contrato de trabalho de empregada doméstica não necessita ser feita obrigatoriamente perante o sindicato da categoria.
Seria bom que a imprensa dedicasse um espaço maior ao tema, discutindo pelo menos essa questão com patrões, empregados e especialistas em direito trabalhista.
O que a imprensa está devendo – e não é de hoje – é discutir com seriedade quais deveriam ser as bases para um contrato de trabalho entre patrões e empregados domésticos. Como saber o que é justa causa numa relação trabalhista que se dá dentro da casa das pessoas, o único lugar onde elas teoricamente podem agir com total liberdade e impor a sua maneira de ser, suas preferências e manias?
Como determinar o que é justo ou injusto na relação de trabalho em que o humor, o jeito de dar ordens – ou pedir coisas – ou a maneira de temperar uma comida podem ser decisivos no sucesso da prestação de serviços? Os contratos de trabalho dos funcionários com as empresas quando dão certo é porque cada um sabe quais são seus direitos e deveres, e os objetivos da empresa em geral são muito claros.
Relação nebulosa
Mas, quando se fala da relação patrão-empregado doméstico, tudo tende a ser nebuloso. Mais nebuloso ainda se os empregados domésticos ganharem direitos semelhantes aos outros trabalhadores e os patrões não aprenderem a agir, dentro de casa, da forma que querem ser tratados na empresa onde trabalham. A imprensa tem a chance de prestar um serviço excepcional aos seus leitores. Basta lembrar que, além de dinheiro, estamos falando de seres humanos e da complexidade das relações que essa Medida Provisória envolve.
Estamos falando de uma relação de trabalho que envolve uma fortíssima dose de paternalismo e individualismo. Uma mera resposta atravessada pode ser motivo de demissão, na visão de uma típica ‘patroa’. E, o que é pior, por justa causa. E aí, ganha na justiça quem puder pagar o melhor advogado.
É uma relação que envolve mais da metade da população brasileira: as mulheres que podem – ou gostariam de poder – contratar uma empregada doméstica para ajudá-la e as empregadas domésticas, que precisam do emprego porque não têm condições de conseguir coisa melhor. Segundos dados do IBGE de 2004, existem, no Brasil, quase 6 milhões de pessoas trabalhando como empregados domésticos. Um contingente que merece – por parte da imprensa – um tratamento melhor, pelo menos em termos de informação.
Estamos, enfim, esperando o ‘Guia da patroa profissionalizada’.