A divulgação, pelo FNDC, de levantamento feito nos registros do Sistema de Controle de Radiodifusão da Anatel, revelando que cerca de 40% das emissoras de televisão estão funcionamento em ‘caráter precário’ com suas outorgas vencidas – algumas há mais de 15 anos, prazo limite de duração das concessões – vem apenas confirmar a que ponto chega a ausência de fiscalização e controle público da radiodifusão no nosso país.
Embora na lista de 145 emissoras existam também televisões estatais educativas, a grande maioria é de emissoras privadas, inclusive as TVs Bandeirantes de Brasília, Rio de Janeiro, Campinas e Presidente Prudente. As concessões são, por lei, precárias e com data para vencimento e renovação, sob determinadas condições. Mas não é novidade para ninguém que, uma vez ganha a concessão, os concessionários passam a agir como ‘proprietários’ e, agora, torna-se público que boa parte deles sequer cumpre – a cada 15 anos – as formalidades burocráticas exigidas para as renovações.
‘Interesses nem sempre confessados’
Ao que se noticia, o ministro das Comunicações Hélio Costa teria agora solicitado à Câmara dos Deputados a devolução dos 225 pedidos de renovação e concessões de rádio e televisão comerciais que lá estão parados por pendências administrativas. O prazo concedido pela Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática (CCTCI) para que as pendências fossem resolvidas aparentemente não foi cumprido e marcou-se nova data (5 de julho) para votação dos pedidos. Mas, pergunta-se, esse ‘relaxamento’ não revelaria que algo mais sério está a ocorrer no controle público do setor?
A essa incrível situação de funcionamento ‘em caráter precário’ de dezenas de emissoras se somam várias outras.
Noticia-se também a criação de uma Subcomissão Especial na CCTCI da Câmara dos Deputados com o objetivo de ‘rever as normas de concessão de rádio e TV vigentes no país’. Aparentemente a criação dessa subcomissão teria sido provocada pela denúncia, feita pela Folha de S.Paulo, de que continuou no governo Lula a velha e conhecida prática de se beneficiar políticos profissionais nas concessões de emissoras de rádio e televisão educativas. A primeira reunião da subcomissão, que deveria acontecer na quinta-feira (22/6/), foi adiada para quarta (28/6).
Segundo a Agência Câmara, a deputada Luiza Erundina (PSB-SP) – que deve presidir a subcomissão – se disse preocupada com o uso das concessões como moeda política por parte do Executivo.
‘No passado era até pior, hoje já existem alguns critérios mais transparentes e mais rigorosos, mas ainda é preciso aperfeiçoar esses critérios que ainda deixam muitas dúvidas quanto aos motivos que determinam a concessão e a renovação dessas concessões, com base em interesses nem sempre confessados e nem sempre do interesse público, que não têm a transparência necessária quando se trata de uma questão com claro interesse público [sic]’.
Os que ganham sempre
A criação da subcomissão e a preocupação da deputada constituem uma boa notícia, mas, convenhamos, além de tardia, soa quase como ironia. Afinal, o Congresso Nacional não é co-responsável pelas renovações e concessões de radiodifusão desde a Constituição de 1988? E não são membros da própria CCTCI aqueles que descumprem flagrantemente a Constituição e o Regimento da Câmara ao serem – eles próprios – concessionários e de participarem e votarem nas reuniões que aprovam a concessão ou a renovação dessas mesmas concessões? [Ver aqui a íntegra da representação feita pelo Instituto Projor (mantenedor deste Observatório) à Procuradoria Geral da República, em outubro de 2005.]
Se somarmos a essas questões o fato de a Anatel – a agência reguladora das telecomunicações – estar há cerca de 15 dias sem presidente nomeado, e o fato de estarmos escolhendo um modelo tecnológico para a digitalização de nossa radiodifusão sem que exista um marco regulatório para o setor das comunicações eletrônicas de massa, não pode haver dúvida de que as comunicações no Brasil estão mesmo perto do caos.
Só não enxergam essa realidade aqueles grupos e interesses que estão ganhando sempre com a ausência de controle público e de regulação na radiodifusão. E que, como atores poderosos, conduzem e determinam o rumo do setor.
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Pesquisador sênior do Núcleo de Estudos sobre Mídia e Política (NEMP) da Universidade de Brasília e autor, entre outros, de Mídia: Teoria e Política (Editora Fundação Perseu Abramo, 2ª ed., 2004)