A entrevista de Eugênio Bucci, presidente da Radiobrás, à Folha de S.Paulo (29/11) é interessante. O primeiro ponto relevante é quando defende que TV pública deve ser instrumento do Estado, não de governo. Concordo com Bucci e discordo de Bernardo Kucinsky, ex-assessor de Lula, que defende uma Radiobrás adaptando o discurso à proposta do governo.
O discurso governamental é tarefa política a ser desenvolvida pelo presidente da República e seus assessores políticos e de comunicação. Se o discurso não é claro, não tem Radiobrás que resolva.
Por outro lado, uma agência estatal não pode se diferenciar das privadas apenas por não comportar o uso do ‘off’, como explica Bucci. A pauta precisa ser diferenciada e ir muito além do factual.
Por exemplo, se o tema gestão pública ganha relevância, competiria a Radiobrás a cobertura e o mapeamento de todas as experiências relevantes na área pública. Levantamento de trabalhos, reportagens sobre experiências bem ou malsucedidas, promoção de debates, de maneira a constituir um acervo disponível para o público.
Hoje em dia a bola da vez é o biocombustível. Do lado do governo, estão envolvidos nessa operação a Casa Civil, o Ministério do Desenvolvimento Agrário, o da Agricultura, o do Desenvolvimento, o da Integração Social, instituições como Embrapa, Banco do Brasil, BNDES. A missão de dar visão de conjunto deveria ser da Radiobrás. Mas não conseguirá se se limitar a cobrir o factual.
Agente de democratização
Do mesmo modo, há um trabalho de planejamento estratégico no âmbito do Núcleo de Assuntos Estratégicos (NAE) da Presidência. É tema relevante, mas de baixo interesse na mídia comercial por visar discutir os próximos vinte anos. É tema por excelência de uma rede pública.
O bicho Estado é grande e complexo. Escondem-se nele de abusos (que são noticiados) a experiências importantes, que são relegadas a terceiro plano.
Trocar em miúdos o Estado é tarefa grandiosa, que exige identificar temas relevantes, não cobertos pela mídia convencional e, com as ferramentas da Internet, promover a formação de acervos que ajudem a opinião pública a entender o governo e, entendendo, pressioná-lo, o que é uma maneira de coibir abusos mas também de fortalecer boas iniciativas.
Sem essa visibilidade – que só uma Radiobrás poderia prover – o Estado continuará escondido, a mercê de grupos de pressão que sabem o caminho dos gabinetes.
Externamente, dentro da concepção correta de Bucci, de que a Radiobrás e a rede pública de televisão são organizações do Estado, e não de governo, caberia lutar pela consolidação da rede, assim como pela definição de temas de cobertura que transcendessem o dia a dia.
Da forma como está estruturada hoje, a Radiobrás foi poupada da manipulação política. Mas também não se comportou como uma agente de democratização e de explicação do Estado brasileiro.
Fazer meramente a cobertura convencional, com um pouco mais de cuidado que a mídia comercial, é muito pouco, se se quiser ambicionar ter uma BBC brasileira.
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Jornalista