O que é uma rede pública de televisão? Considerando-se que todas as emissoras e redes de TV operam sob o regime de concessão pública, num sentido amplo se poderia dizer que públicas são as 470 geradoras de TV no País. Mas numa definição mais estrita, que excluísse os canais de TV de uso comercial e incluísse apenas as educativas, somando-se as 26 emissoras estaduais associadas a 53 retransmissoras e mais outros canais institucionais de programação educativa, mantidos pelo Poder Público – embora, em alguns casos, com o apoio de patrocínios privados –, já temos uma Rede Pública de TV, no Brasil, de 150 emissoras. Portanto, educativo é quase um terço dos canais de TV no Brasil.
Então, para que montar uma nova rede pública de televisão? Deixemos de lado os custos do empreendimento, sem dúvida elevados, e o cabide de empregos em que se transformará. O presidente Lula disse que quer uma TV pública para ser usada em aulas, cursos, programas culturais, exibição de artes – o que corresponde, precisamente, ao que se possa entender por uma televisão educativa. Isso já existe há muitos anos.
A TV Cultura de São Paulo foi uma das primeiras a adotar ensino supletivo em sua programação. Em 1969 começou a transmitir o ‘Curso de Madureza Ginasial’. Em 1977 a TVE do Rio de Janeiro já iniciava produção do Projeto Conquista, curso com formato de novela-aula, para o ensino supletivo de 1º grau. O sinal da TVE Brasil/RJ é transmitido via satélite e, não estando codificado, pode ser recebido por todas as 12 milhões de antenas parabólicas existentes no País. Diversas TVs educativas transmitem o hoje chamado Telecurso 2.000, criado há 30 anos – transmitido pela Rede Globo, TVE, Canal Futura (UHF), Rede Mulher, TV Cultura e Rede Minas para todo o País, e até para o exterior, via Globo Internacional –, englobando aulas de todas as disciplinas de 5ª a 8ª série, no ensino médio e no profissionalizante.
Rodar a roda
O presidente reclamou do horário do Telecurso, achando-o ‘muito cedo’. É o melhor horário, indicado em pesquisas, para a população trabalhadora. Lula deveria consultar, a esse respeito, o dr. Vicente Paulo da Silva – o deputado Vicentinho – que por meio do Telecurso se formou e chegou à universidade.
Mas a evidência que há é a de um disfarce educativo, na criação dessa ‘nova’ Rede Pública de TV, para uma intenção notoriamente política. O simples fato de dizer que não quer uma televisão que possa ‘pintar de cor-de-rosa’ nem ‘pichar’ já desvela a intenção de dar uma orientação editorial à sua ‘rede’ (já chamada de TV Lula), pois, certamente, gente do Planalto terá que definir até que ponto uma notícia ou uma opinião foi pintada de cor-de-rosa e até que ponto atos ou autoridades do governo receberam ‘pichação’. E o ‘colorido’ dessa TV já transpareceu nas palavras do novo ministro-chefe da Secretaria de Comunicação Social, Franklin Martins, ao dizer que é por ‘preconceito’ e por ‘resistência a tudo que não seja privado’ que se critica a iniciativa.
Sempre é bom lembrar que, além de já dispor da Radiobrás, da TV Nacional de Brasília e de outras TVs públicas, além de uma rede de mais de 3 mil emissoras de rádio que transmitem, obrigatoriamente, a Voz do Brasil, e de um programa semanal de rádio com o presidente da República, o governo federal tem a prerrogativa de convocar, a qualquer tempo, redes nacionais de televisão e de rádio, para pronunciamentos do próprio presidente ou de ministros de Estado. E nem seria preciso lembrar do enorme espaço que o governo federal ocupa no conjunto do noticiário da mídia privada, assim como da propaganda oficial da administração direta e de empresas estatais nos canais abertos de televisão. Então, seja ‘educativa’ a finalidade dessa nova Rede Pública de TV, como diz o presidente Lula, ou seja transmitir à população ‘atos e idéias do governo’, como confessa o ministro Hélio Costa, tudo isso já está coberto.Tanto que o seu colega Franklin Martins afirmava ao programa Observatório da Imprensa, na TVE, que ‘ninguém vai inventar a roda, é simplesmente fazer a roda rodar’.
Para fazer rodar a roda que já existe não era, e não é, necessário criar uma nova e dispendiosa TV. Basta gerir melhor a ampla rede já existente.