Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A “saúde” no rádio

Impossível não lembrar da cena do filme Sintonia de Amor, na qual a personagem de Meg Ryan, procurando uma estação no rádio do carro na noite de Natal, passa por uma estação que anunciava o programa Você e o Seu Baço. O que está acontecendo com as rádios AM, e até FM, no que se refere a assuntos ligados à “saúde”? Com a honrosa e admirável exceção de Aulus Selmer, que realmente fala de saúde e do que podemos realisticamente fazer para melhorá-la, o resto é puro terrorismo de doença!

Só pode ser um complô – quiçá altamente bem pago – com a indústria farmacêutica e as cadeias de farmácias, que abrem nas cidades com a rapidez do estouro de pipocas num microondas (quem dera livrarias abrissem com essa rapidez!). Chega de falar de câncer, problemas cardíacos, tumor no cérebro, distúrbios comportamentais e mentais etc.; até porque, com relação ao último, alguém já disse que “de perto, ninguém é normal”.

E, lógico, tudo isso, e muito mais, faz parte da dolorosa vida humana; mas, para que falar simplesmente de estatísticas dos variados problemas e doenças e do respectivo número de mortes por ano, só fazendo aterrorizar as pessoas sem acrescentar qualquer boa notícia ou orientação? Além do que, os problemas focalizados são, em geral, tão sérios que devem ser tratados na intimidade dos consultórios médicos e hospitais.

Repensar e redirecionar o uso do tempo

Que nos deixem a nós, ouvintes, ouvir uma programação de notícias e variedades, de entretenimento e de algo que acrescente alguma coisa de positivo na vida. E que limitem as notícias de saúde à verdadeira saúde: as últimas descobertas de alimentos que beneficiam as pessoas, dicas de alimentação saudável e exercícios e, no máximo, informações sobre direitos do cidadão no que se refere aos planos de saúde. Esse espaço de tempo de “saúde” nas rádios poderia ser ocupado por coisas muito mais interessantes e inspiradoras; por exemplo, o que os ex-gordos (aqueles que fizeram dieta ou que se submeteram à tal da cirurgia bariátrica) sentiram quando ficaram magros (aspectos da aceitação social, a estranheza de se sentirem olhados com interesse etc.), ou então os últimos lançamentos de livros sobre temas interessantes ou escritos por gente interessante – não uma coisa com tom pseudo-intelectual, mas sim, uma coisa real, de gente que sofreu para ter a sua obra publicada (como é o caso da grande maioria dos autores num país como o Brasil), gente que tem algo a dizer, seja do assunto que for. Ou também sobre personagens interessantes da cidade-sede da rádio, suas histórias de vida etc. Ou então sobre gente realizadora, gente que fez a diferença, seja na área que for. Ou então sobre coisas poéticas – veja o exemplo do espaço dado aos textos do Juca de Oliveira na Rádio BandNews, denominado Devaneio – é efetivamente um devaneio, um oásis na louca vida moderna.

Apesar da arrogância humana de pensar que “só eu sinto isso”, não importa o que pensemos, nunca estamos sozinhos num dado pensamento; por isso, certamente há milhares de pessoas que sentem e pensam o que eu sinto e penso desses programas de “saúde”. É preciso que as rádios repensem esse assunto e redirecionem – para melhor – o uso dos seus espaços de tempo, para maior satisfação de seus ouvintes.