Depois de sete anos paralisado, o Conselho de Comunicação Social (CCS) foi, enfim, reativado. O órgão está previsto na Constituição de 1988 e foi instituído em 1991 para auxiliar o Congresso Nacional em assuntos relativos à mídia, mas funcionou efetivamente apenas entre 2002 e 2006, com reuniões mensais. Para especialistas em Comunicação, o esvaziamento do CCS por um período prolongado foi resultado da falta de vontade política do Congresso Nacional, uma vez que algumas das discussões levantadas no Conselho podem contrariar interesses de parte dos deputados. Um exemplo é a concessão de canais de radiodifusão a parlamentares.
Ao final de cada ciclo de dois anos, a presidência do Senado deve indicar os novos integrantes do Conselho entre representantes de setores da radiodifusão e membros da sociedade civil. Para esta gestão, o presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), escolheu Dom Orani João Tempesta, arcebispo do Rio de Janeiro, como presidente e Fernando Cesar Mesquita, secretário de Comunicação Social do Senado, como vice-presidente. Mesmo antes da posse, a escolha do arcebispo levantou polêmica, pois poderia pôr em risco o conceito de laicidade do Estado Brasileiro.
Cabe ao órgão emitir estudos, pareceres e recomendações sobre temas cruciais para a Comunicação no país, como liberdade de expressão; concentração da mídia; TV digital; convergência dos meios de comunicação; propaganda comercial de cigarro e bebidas alcoólicas; diversões e espetáculos públicos e produção e programação das emissoras de rádio e televisão. O Observatório da Imprensa exibido na terça-feira (28/8) pela TV Brasil debateu a nova composição do colegiado e a importância do CCS para o fortalecimento da democracia brasileira.
Para discutir este assunto, Alberto Dines recebeu no estúdio do Rio de Janeiro o secretário-geral da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), Celso Schröder, que representará a entidade no CCS. Professor da Faculdade de Comunicação da PUC-RS, Schröder é também coordenador do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC) e foi presidente do Sindicato dos Jornalistas do Rio Grande do Sul. Em Brasília, o programa contou com a presença do sociólogo e jornalista Venício A. de Lima, colaborador deste Observatório. Pós-doutor pela Universidades de Illinois e Miami-Ohio, Venício é fundador do Núcleo de Estudos sobre Mídia e Política (Nemp) da Universidade de Brasília (UnB). Acompanhou, como assessor, as decisões sobre o tema “Comunicação” na Constituinte de 1987-88 e foi convidado na primeira instalação do CCS a tratar da concentração da mídia, tema que nunca havia sido formalmente encarado pelo Congresso Nacional.
Novela antiga
Em editorial, antes do debate no estúdio, Dines avaliou a conturbada trajetória do CCS. “A história deste Conselho é trágica e joga uma penosa sombra não apenas sobre nossa mídia como também sobre nosso descaso com o disposto pela Carta Magna. Esta lamentável história tem apenas um protagonista: o senador José Sarney, que durante 14 anos procrastinou a instalação deste Conselho”. Dines comentou que quando o Senado foi presidido por Ramez Tebet (PMDB-MS) foi possível “montar um Conselho politicamente equilibrado, tecnicamente competente e responsável, que funcionou de 2003 a 2005, tendo como presidente o jurista pernambucano especializado em Comunicação José Paulo Cavalcanti Filho”.
A reportagem exibida no programa entrevistou Cavalcanti Filho. Para ele, há problemas graves na Comunicação do Brasil que precisam ser examinados pelo CCS, como a regulação da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) sobre a televisão por satélite, considerada ilegal. “Uma legislação criada por resolução da Anatel, ao contrário da lei, contra a lei, e sequer aplicaram as regras da televisão a cabo à televisão por satélite”, avaliou o jurista.
A deputada federal Luiza Erundina (PSB-SP) contou que comandou uma frente de parlamentares que se organizou para sugerir uma lista de nomes da sociedade civil para compor o Conselho, mas a presidência do Senado ignorou a iniciativa. “Ficamos indignados e soltamos uma nota denunciando a forma autoritária, antidemocrática e o desrespeito que o Congresso teve com a Frente Parlamentar que havia indicado nomes da sociedade civil para integrar o Conselho e, lamentavelmente, sequer foram considerados. Portanto, foi revoltante, nos indignou bastante e nós vamos ter uma relação com o Conselho de forma a garantir que ele tenha representatividade e atenda aos anseios da sociedade em relação à sua participação numa questão estratégica, como é a questão da Comunicação Social no país”.
Estado e religião
A cientista política Roseli Fishmann avaliou o impacto da escolha de Dom Orani para o conceito de Estado Laico. “A indicação de um cardeal do Rio de Janeiro, com todo o respeito à figura religiosa dele para os católicos, fere profundamente os princípios do Estado laico porque a autoridade dele é uma autoridade no âmbito da igreja católica, dentro das normas que regem a igreja católica, que não são as mesmas normas que regem o Estado. No caso da igreja católica, as normas são consideradas como advindas de uma orientação divina. Então, é realmente lamentável porque é uma interferência nos princípios do Estado laico e indica uma submissão do Estado à religião”, ressaltou.
No debate no estúdio, Dines lamentou a pouca cobertura da reativação do Conselho. Celso Schröder ressaltou que o desinteresse da imprensa é uma espécie de reiteração do problema e que essa situação contribui para justificar a atuação do órgão. “O silêncio da mídia a respeito dele mostra exatamente o quanto deixa de existir, o quanto é sonegado, um debate dos mais importantes na medida em que a mídia nesses últimos anos assume uma função determinante sobre a sociedade”, disse. O representante da Fenaj sublinhou que é importante discutir o aspecto constitucional, uma vez que o Conselho está previsto na Carta Magna de 1988.
Na avaliação de Schröder, o Conselho foi instalado no bojo de uma negociação sobre a abertura do capital estrangeiro para as empresas de Comunicação. Ele destacou que, durante os anos em que o CCS funcionou sob a presidência de José Paulo Cavalcanti Filho, período em que Dines fez parte do fórum, a atuação do Conselho foi exemplar, tendo produzido um importante relatório sobre a concentração da mídia no Brasil. Na gestão seguinte, quando o Conselho foi presidido pelo escritor Arnaldo Niskier, o fórum foi tomado pela lógica da hegemonia dos meios de comunicação. “As empresas assumiram o papel das cinco cadeiras destinadas para a sociedade civil e, a partir daí, nós tivemos um Conselho inócuo no primeiro momento e que, depois, desapareceu”, criticou Schröder.
Dines questionou os motivos que levaram o senador José Sarney a escolher o arcebispo Dom Orani Tempesta para presidir o CCS. Uma vez que a Constituição prevê a separação entre igreja e Estado no Brasil, na avaliação de Dines, uma única confissão não poderia ser contemplada com a presidência do órgão. A Fenaj defende que as cadeiras da sociedade civil sejam ocupadas por pessoas, organizações ou entidades com ampla representação pública no país, como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), por exemplo. “Dom Orani já fazia parte do Conselho anterior e eu testemunho a sua idoneidade, o seu compromisso republicano, a sua dimensão sintonizada com a Comunicação. Nós não vimos problema nenhum na sua convocação para fazer parte desse Conselho, embora isso seja privilégio a um tipo de crença”, disse Schröder.
Um órgão polêmico
O professor Venício Lima afirmou que a questão do artigo 224, que criou o Conselho, foi dominante durante todo o processo da Constituinte. A proposta original de uma emenda popular, subscrita pela Fenaj, era de um órgão regulador que tinha como referência a Federal Communications Commission (FCC), dos Estados Unidos, mas o formato encontrou forte resistência. A proposta original de um órgão regulador foi descaracterizada e transformou-se em um conselho como um órgão auxiliar.
“O artigo 224 tem sido boicotado desde que a Constituição foi promulgada”, lembrou Venício Lima. O professor contou que, embora regulamentado, houve reações internas no Congresso Nacional, sobretudo no Senado Federal, que causaram a demora na sua instalação. “Nós não temos, no Brasil, o hábito de discutir as questões da Comunicação. A mídia não discute a si mesma”, criticou.
Sobre a indicação dos nomes para compor o Conselho, Venício Lima ressaltou que a frente organizada no Congresso pela deputada Luiza Erundina contou com mais de 200 deputados e mais de uma centena de organizações da sociedade civil. “Houve um processo demorado de consulta a essas entidades, com a participação dos deputados da frente, para a indicação de nomes que representassem a sociedade civil. Foi enviada uma correspondência para a presidência do Senado. Eram sete nomes”, relatou. O fato de o presidente do Congresso sequer ter respondido a esta correspondência, na opinião do professor, mostra o parâmetro que foi utilizado para a escolha dos integrantes do Conselho.
Pauta urgente
Celso Schröder comentou que é imprescindível firmar uma agenda para o CCS. “Nós não podemos mais ficar à mercê da vontade do presidente ou das pressões particulares que incidem sobre o Congresso, inclusive oriundas, muitas vezes, do próprio Congresso. O nosso papel lá é apresentar reflexões para o parlamento produzir políticas públicas como, por exemplo, o Marco Regulatório Brasileiro”.
Outro tema que o conselho precisa examinar, na avaliação do representante da Fenaj, é a forte presença de confissões religiosas dentro da Comunicação brasileira, muitas vezes caracterizando proselitismo religioso. Schröder ressaltou que a escolha dos assuntos que serão tratados no Conselho não cabe exclusivamente ao presidente e ao vice-presidente do fórum. Os treze membros do coletivo têm igualdade de condições e a Fenaj irá defender a inclusão do Marco Regulatório e das religiões na pauta.
Venício Lima também defendeu que o Conselho detenha-se com urgência sobre o Marco Regulatório do setor porque o Código Brasileiro de Telecomunicações está completando 50 anos em 2012. “Há a necessidade inquestionável de que se faça uma atualização dessa legislação, mas a única entrevista de um membro do Conselho que eu vi, um membro importante, que é o vice-presidente eleito… ele deu uma entrevista para o jornal O Estado de S.Paulo onde fala que uma das coisas que o Conselho vai fazer é ‘acabar com essa conversa de Marco Regulatório’”, criticou o professor. Para Dines, a autorregulação ou a regulação por um mecanismo externo, apesar de estar na pauta de diversos países, foi “dogmaticamente eliminada” nas discussões sobre Comunicação no Brasil.
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Novela melancólica
Alberto Dines # editorial do Observatório da Imprensa na TV nº 654, exibido em 28/8/2012
Bem-vindos ao Observatório da Imprensa.
Nosso programa de hoje debate o Conselho de Comunicação Social, que acaba de ser reativado depois de seis anos. São dois os nossos convidados: ao meu lado, Celso Augusto Schröder, jornalista, professor da PUC do Rio Grande do Sul e presidente da Fenaj. E, em Brasília, Venício Lima, jornalista e professor da UnB.
A nossa mídia pode ser avaliada folheando os jornais e revistas, ouvindo o rádio, acompanhando a televisão e portais de notícias. Mas também avalia-se a mídia através de estatísticas – quantos títulos, leitores comparados com habitantes, número de emissoras e respectivas audiências.
Outra forma de avaliar os meios de comunicação de uma determinada sociedade pode ser examinando suas instituições: nós temos sindicatos profissionais, associações patronais, uma entidade pluralista chamada ABI e estamos conversados.
Pensando na necessidade de criar pontos de convergência e instrumentos de debates, os constituintes de 1988 imaginaram no artigo 224 a criação de um Conselho de Comunicação Social, órgão auxiliar do Congresso Nacional, espécie de fórum para ajudar os legisladores a tomar decisões no tocante aos Meios de Comunicação.
A história deste Conselho é trágica e joga uma penosa sombra não apenas sobre nossa mídia como também sobre nosso descaso com o disposto pela Carta Magna. Esta lamentável história tem apenas um protagonista: o senador José Sarney, que durante quatorze anos procrastinou a instalação deste Conselho.
Aproveitando a presença do senador Ramez Tebet na presidência do Senado, no período 2001-2003, alguns senadores do PT e do PSDB, entre eles Artur da Távola, Eduardo Suplicy e Aloizio Mercadante, conseguiram montar um Conselho politicamente equilibrado, tecnicamente competente e responsável, que funcionou de 2003 a 2005, tendo como presidente o jurista pernambucano especializado em Comunicação José Paulo Cavalcanti Filho.
Terminado o primeiro mandato, o senador Sarney voltou à carga com força total e indicou seu colega imortal da Academia Brasileira de Letras Arnaldo Niskier para a presidência com a precípua função de acabar com o órgão.
Durante seis anos, o Conselho manteve-se desativado num flagrante desacato à Constituição. Novamente pressionado por diferentes forças políticas, o caprichoso senador Sarney admitiu ressuscitar o único órgão da República voltado para a Comunicação Social e escolheu todos os seus 13 membros.
Nesta edição do Observatório da Imprensa vamos examinar o novo capítulo desta melancólica novela.