Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A barbárie que não passa nos rádios e TVs

No dia 5 de outubro venceram as concessões públicas de diversas emissoras de televisão do país. Esta foi a data escolhida para o lançamento da ‘Campanha por Democracia e Transparência nas Concessões de Rádio e TV’, que aconteceu em 16 capitais brasileiras. No Espírito Santo, um ato em frente à TV Gazeta de Linhares, que está na lista das centenas de emissoras com a concessão vencida, foi um marco na relação entre a sociedade capixaba e as empresas de comunicação do Estado.

Para obter o direito de transmitir sinais de TV e rádio é preciso que um grupo empresarial receba uma concessão pública. Cabe ao Estado, portanto, conceder, por um determinado tempo, o direito de utilização de um bem que é público, ou seja, pertencente ao conjunto dos cidadãos deste país. Contraditoriamente, essa informação não é de conhecimento geral da população brasileira. Qual emissora de TV ou de rádio tem como hábito transmitir essa informação à população? Essa omissão deliberada ajuda a construir a imagem de que não cabe ao Estado e à sociedade construírem um processo de avaliação da programação das concessões públicas de rádio e TV e de se posicionarem quando do momento de sua renovação.

Um silêncio autoritário

As concessões comerciais de rádio têm duração de 10 anos, enquanto na TV o prazo é de 15 anos. Após este período, as concessões podem ou não ser renovadas. Infelizmente, o processo de renovação destas concessões é historicamente automático e sem qualquer debate público e fiscalização por parte do Estado e da sociedade. Sabe-se que jamais na história deste país uma concessão pública de rádio ou de TV deixou de ser renovada. E, pior, centenas de emissoras de rádio e TV estão com suas concessões vencidas há anos. No Espírito Santo, o quadro, sem qualquer visibilidade pública, é de total descontrole.

Das 14 concessões de TV em funcionamento no Estado, três (21,4%) estão vencidas: TV Gazeta (2005), TV Gazeta Linhares (maio de 2007), e TVE (1991). Entre as emissoras de rádio FM, das 54 outorgadas existem 24 vencidas (44,4%). Já entre as 23 rádios AM existem 16 vencidas (69,5%). Através das chamadas ‘autorizações precárias’ estas emissoras continuam a operar normalmente. Em muitos casos, o processo de renovação pode ter duração de até sete anos. Ou seja, ao longo deste período, que legalmente deveria ser de poucos meses, a emissora continua operando com uma concessão pública vencida e nada acontece.

Nunca houve um processo amplo, transparente e democrático de debate na sociedade sobre o papel desempenhado por uma emissora ao longo do tempo em que esta deteve a concessão pública. Audiências públicas para que o cidadão possa emitir sua opinião sobre a programação não são realizadas. As emissoras comerciais não promovem programas que tratem deste assunto. As mesmas emissoras não realizam ao longo dos anos seminários para que a sociedade possa constantemente avaliá-las. Como no Brasil, diferentemente de outros países, um mesmo grupo comercial pode controlar TV’s, rádios, jornais e internet, há um silêncio autoritário sobre o tema.

Vínculos políticos e religiosos

É importante destacar que a Constituição Brasileira estabelece que as emissoras de TV e rádio atenderão aos seguintes princípios: preferência a finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas; promoção da cultura nacional e regional e estímulo à produção independente que objetive sua divulgação; regionalização da produção cultural, artística e jornalística; respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família. Quem liga a TV e o rádio no Brasil percebe que muitas vezes estes princípios não são cumpridos por conta de interesses comerciais.

Inúmeras outras irregularidades acontecem em detrimento do interesse público. A Constituição estabelece que nenhum parlamentar pode ter relação direta com qualquer empresa concessionária pública. Entretanto, um em cada três senadores é concessionário de rádio e TV. Na Câmara dos Deputados 15% dos parlamentares são radiodifusores. Na Assembléia Legislativa do Espírito Santo existem pelo menos três deputados (10%) que mantêm relação com emissoras de rádio: Guerino Zanon (PMDB), Luciano Pereira (PSB) e Giuliano dos Anjos (DEM). Esta relação histórica entre as emissoras de rádio e TV e parlamentares contribui decisivamente para a falta de transparência e fiscalização no setor além de possibilitar a utilização de concessões públicas para fins políticos partidários.

No que diz respeito às rádios comunitárias capixabas, essa relação é muito semelhante. Um estudo realizado pelos pesquisadores Venício Lima e Cristiano Lopes apontou que entre as 35 autorizações concedidas pelo ministro das Comunicações entre 1999 e 2004, 22 (63%) mantêm vínculo com políticos e duas (6%) com entidades religiosas. Um caso de conhecimento público na capital capixaba é a presença do vereador licenciado José Carlos Lyrio Rocha (PSDB) no controle da Rádio Comunitária da Praia do Canto.

Desafios são os mesmos

Foram essas e outras irregularidades no processo de autorização, renovação e utilização das concessões públicas de rádio e TV que motivaram o Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social, a Central Única dos Trabalhadores (CUT) e a União Nacional dos Estudantes (UNE) a protocolarem no Ministério das Comunicações, no último dia 5, um pedido de informação sobre as centenas de concessões públicas vencidas em todo país, incluindo as emissoras capixabas. Outras ações judiciais serão utilizadas para que a barbárie no setor não permaneça.

Silêncio na mídia capixaba. No último dia 5, cerca de 300 pessoas da Via Campesina e da Rede Alerta contra o Deserto Verde realizaram, em frente à TV Gazeta em Linhares, um júri popular durante o qual a emissora foi acusada de criminalizar os movimentos sociais, principalmente as comunidades indígenas de Aracruz e as comunidades quilombolas de Sapê do Norte, que lutam pela retomada de suas terras. Pela decisão popular do júri, a Rede Globo e a Rede Gazeta foram condenadas a não terem suas concessões renovadas.

A ‘Campanha Nacional por Democracia e Transparência nas Concessões Públicas de Rádio e TV’ reivindica ainda a convocação de uma Conferência Nacional de Comunicação ampla e democrática para a construção de políticas públicas e de um novo marco regulatório para as comunicações (www.proconferencia.com.br). Outra exigência é a instalação de comissões de acompanhamento da programação das concessionárias, com participação efetiva da sociedade civil, para avaliação e elaboração de pareceres que subsidiem a renovação ou não das concessões.

Nos últimos meses, os mais diversos setores e grupos sociais vêm construindo um processo contínuo e muito bem qualificado de questionamento ao oligopólio da comunicação no país. Pesquisas apontam a perda de credibilidade e audiência das grandes redes de comunicação. A crítica à mídia está na ordem do dia para aqueles e aquelas que não vêem o pluralismo presente na sociedade brasileira representado nos meios e para os que compreendem que para uma efetiva transformação da realidade social, política e econômica brasileira é preciso que haja uma profunda democratização da comunicação neste país.

No Espírito Santo, os desafios são os mesmos. Por isso, precisamos do envolvimento de todos e todas neste processo para que possamos romper o silêncio e construirmos juntos mecanismos de avaliação e acompanhamento das concessões públicas de Rádio e TV do estado.

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Jornalista e integrante do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social