Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A cara suja do Brasil

Há um conflito à vista no final do processo de votações do Código Florestal. O noticiário dos jornais informa que os parlamentares conduzem um acordo que poderá beneficiar com anistia os desmatadores punidos com multas, a bancada ruralista dá como certo o atendimento de suas demandas e os ambientalistas alertam que, se não houver rigor no controle da expansão das áreas agrícolas, o Brasil não poderá cumprir os compromissos internacionais que tem assumido para reduzir as emissões de gases do efeito estufa.

A uma semana do encerramento da 17ª Conferência do Clima da ONU, que se realiza na África do Sul, ainda não se sabe com que cara o Brasil vai receber os visitantes, no ano que vem, durante a Conferência Rio+20.

Durante o fim de semana, os jornais brasileiros passaram superficialmente pelo tema. O Estado de S.Paulo foi verificar a origem da violência contra índios no Mato Grosso e retornou no domingo (4/12) com reportagem sobre queixas de agricultores a respeito do que consideram como avanço das reservas indígenas sobre áreas de plantio consolidadas.

Sem interesse

O Globo explora o vazamento de petróleo na área explorada pela americana Chevron para dar curso a um alerta do Greepeace de que, com a extração nas reservas do pré-sal, o Brasil pode vir a triplicar suas emissões de gases nocivos ao meio ambiente em oito anos, tornando-se o terceiro maior país poluidor do mundo, atrás apenas de China e Estados Unidos.

A Folha de S.Paulo foi mais longe, com uma reportagem na qual se afirma que a política ambiental do Brasil empacou em 2011, afastando o país da meta de cortar até 39% de suas emissões de carbono até 2020.

Especialistas ouvidos pelo jornal paulista afirmam que os avanços de 2008 e 2009, que levaram a um recorde na redução de desmatamentos em 2010, foi seguido por um retrocesso que coloca em risco a reputação brasileira nos fóruns internacionais.

Contribuem para esse recuo, segundo as fontes cidadas pela Folha, as quedas de ministros, que provocaram paralisações em vários ministérios e atrasaram projetos. O principal impacto, diz o jornal, foi causado pela saída de Antonio Palocci da Casa Civil: ao contrário dele, sua sucessora, a ministra Gleisi Hoffmann, não manifesta interesse especial pela questão ambiental e nunca compareceu às reuniões sobre o tema, preferindo sempre ser representada por um assessor.

Compromissos a cumprir

A entrevista da ministra do Meio Ambiente Izabella Teixeira ao Estadão, publicada na segunda-feira (5/12), parece uma resposta às críticas veiculadas pela Folha no domingo. Em sua manifestação, a ministra afirma que há avanços na proposta de Código Florestal que será votada no Senado na terça (6), e anuncia a licitação para a compra de imagens de satélites para monitorar as propriedades rurais.

Às vésperas de viajar para a África do Sul, onde a Conferência do Clima se desenrola até o fim desta semana, a ministra procurou claramente passar o recado de que o governo não vai abrir mão de exigir a recuperação das matas e que as multas já impostas aos desmatadores só serão suspensas quando a vegetação for restaurada.

Na sua visão, portanto, o Congresso não está propondo uma anistia para os desmatadores, mas um processo de conversão da multa em obrigação de reflorestar.

O principal mecanismo que o governo pretende utilizar para a contenção dos desmatamentos é o crédito. Quem não cumprir as normas ambientais perderá o direito a financiamento público. Por outro lado, anunciou, haverá mecanismos de estímulo econômico para quem fizer o caminho contrário, promovendo a recuperação da cobertura vegetal. Segundo a ministra do Meio Ambiente, o desafio é estabelecer normas que sejam compatíveis com a definição do Brasil como uma potência agrícola, energética e ambiental.

O que está sendo votado no Senado nesta semana é a capacidade do legislador brasileiro de entender que, sem um dessas pernas, o Brasil pode até seguir crescendo nos próximos anos, mas estará encurtando suas possibilidades de um desenvolvimento sustentável.

Longe das florestas, pouco avançou o programa nacional de redução das emissões de gases nocivos nas indústrias. A Confederação Nacional da Indústria resiste a definir metas detalhadas, que são mais facilmente mensuradas, e tenta convencer o Ministério do Meio Ambiente a aceitar uma meta genérica de redução relativa ao Produto Interno Bruto.

Tendo que enfrentar no Congresso a agressiva bancada ruralista, que eventualmente ganha reforços até mesmo de integrantes da aliança governista, e, nos bastidores, lidando com o lobby do setor industrial, o governo precisa demonstrar que não está recuando.

À imprensa cabe manter a sociedade informada sobre os riscos de o Brasil descumprir seus compromissos com o resto do mundo. O Brasil não pode aparecer na Rio+20 com a cara suja de fuligem.