Em sua primeira entrevista depois da indicação anunciada pela presidenta Dilma Rousseff para a pasta da Educação, o filósofo Renato Janine, falou da sua visão da educação brasileira e da ideia de aproximá-la do mundo da cultura.
“Acredito na educação como libertação. Saber não é uma transmissão de conteúdos, não é uma padronização. Penso que um dos pontos importantes é como a gente aproxima isso do mundo da cultura”, disse em entrevista ao jornalista Alberto Dines, no programa Observatório da Imprensa, da TV Brasil, que foi ao ar hoje [terça, 31/3], às 20h.
“O mundo da educação é muito mais regulado, porque há cursos, currículos, nota, diploma. Estou fazendo uma esquematização muito simples. O mundo da cultura, você pode ver [o filme] Lincoln, do [diretor Steven] Spielberg, é uma aula sobre escravagismo e abolição. Aula mesmo seria diferente”, acrescentou Janine, lembrando que o aprender tem se tornado mais uma obrigação e menos um prazer.
Professor titular de ética e filosofia política da Universidade de São Paulo (USP), o ministro disse estar empolgado com sua nova missão e confessou que, para ele, foi uma “enorme surpresa” a indicação da presidenta para que ele assumisse a pasta. “Estou empolgado. Foi uma surpresa. Realmente eu não esperava. Houve algumas postagens no Facebook em favor do meu nome, mas também em favor de outros nomes.”
Percalços da liberdade
O novo ministro também fez reflexões sobre a democracia brasileira e as recentes manifestações de rua. Considerando que a democracia depende de instituições, mobilização política e cultura política, o professor avaliou que o país ainda enfrenta problemas no terceiro quesito.
“O problema é a cultura política. Política quer dizer que não existe um lado totalmente certo e outro totalmente errado. Você tem preferências. Tem de ter pelo menos dois grupos divergentes, apresentando propostas diferentes. Mas ambos dignos, ambos legítimos”, destacou.
“A tendência para escassez de cultura política é achar que a origem de todos os males está sempre na corrupção. E sempre o corrupto é o partido que nós não gostamos. É o outro. Quando vejo esse tipo de discurso, a recusa de diálogo, me parece coisa infantil”, explicou.
Sobre como analisaria o reaparecimento de movimentos fascistas, Janine informou que vê na atualidade muita liberdade, mas também insegurança. E que, ao contrário de décadas atrás, as pessoas não vivem mais dentro de um pacote de identidade, que antes trazia garantias.
“No passado, cada um de nós vivia em um pacote identitário. A gente nasceu na classe média. Tinha umas três ou quatro carreiras universitárias para fazer. Iríamos escolher uma, casar no rito religioso. Tudo está pronto e você não sai dele”, observou.
“De repente, nada mais é obrigatório. Você pode dar vazão ao que você é e ao que você quer. Ficamos em situação mais instável, mas com maior liberdade, com maior possibilidade de realização pessoal, mas, estranhamente, com maior possibilidade de frustração. Acho que esse horizonte assusta muito”.
“Homem providencial”
O futuro ministro acrescentou que, após receber a indicação para assumir a pasta, recebeu muitas mensagens. Um pequeno número delas cobrando disciplina na sala de aula e até a expulsão de alunos em determinadas situações.
“Olho e penso que eles estão falando de condutas horríveis, que não podem ser toleradas. Concordo. Mas a demanda principal é saber se se colocar ordem na bagunça vai resolver. Isto não existe. Este não é um projeto pedagógico, não é um projeto de país.”
“No Brasil, há uma certa ideia muito antiga de que, com um homem providencial, autoritário, mal-humorado, despótico, tudo vai funcionar”, concluiu. [Edição: José Romildo e Lana Cristina]
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O novo ministro
[ Editorial do Observatório da Imprensa na TV exibido em 31/3/2015 ]
Bem-vindos ao Observatório da Imprensa.
Ele é um velho conhecido e muito querido. Suas participações sempre marcadas por uma enorme generosidade: diz o que pensa, não se esconde, se entrega. Fala com o coração e a razão em pé de igualdade. Professor de ética e filosofia política, uma espécie de guru, mentor, mestre numa esfera do conhecimento onde poucos brasileiros se sobressaem. Foi convidado por nossa produção depois de publicar um corajoso texto sobre as manifestações do dia 15/3 na Folha de S.Paulo. Hoje, seis dias depois, está aqui na condição de ministro-indicado para a pasta da Educação. No intervalo, converteu-se no mais aplaudido ministro do segundo mandato da presidente Dilma. Uma unanimidade. Sua posse, no próximo dia 6/4, poderá ser um marco, uma reversão no clima de ressentimento que parece mais perigoso do que o nível da taxa de juros.
Renato Janine Ribeiro, boa noite: há dias o ensaísta espanhol Fernando Savater, entrevistado pelo telefone, disse à Folha que o mundo de hoje precisa mais de professores do que de filósofos. Savater é um filósofo respeitado, você também: o que pensa desta afirmação? Seria um falso dilema? (Alberto Dines)
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Bruno Bocchini é repórter da Agência Brasil