Quando o assunto é a subserviência do Estado brasileiro aos interesses dos empresários de televisão, pode-se pensar em estabelecer um limite. Mas os fatos irão sempre além dele. A prova vem da festa que marcou o início das transmissões de TV em tecnologia digital para um limitado público de algumas dezenas de afortunados paulistanos. Como mestre-de-cerimônias, com direito a texto e coreografia prontos, o presidente da República.
Pensou-se que o governo federal já teria feito todos os favores aos radiodifusores no que diz respeito à implantação da TV digital no Brasil. Escolheu o padrão japonês, tecnologia preferida e defendida pela Abert. Deixou de lado, com isso, investimentos e pesquisas que levariam à constituição de um padrão nacional. Definiu um plano de ‘transição’ que garante aos atuais donos da TV seguirem donos, com seu latifúndio ampliado em um canal extra para transmitirem em alta definição por 10 anos a mesma programação para a qual já têm garantido o seu espaço. Optou por acelerar o lançamento da TVD, desconsiderando que o desenvolvimento pleno do potencial da tecnologia – a interatividade real, que poderia significar a universalização da internet no país – leva tempo. Garantiu, assim, a manutenção do modelo de negócios que enche o bolso de poucos e mostra quase nada do Brasil pela TV.
Latifúndio midiático
Faltava um favor. Menor, se considerarmos a gravidade das decisões anteriores. Porém, extremamente significativo. E, no domingo (2/12), oito e meia da noite, lá estava o governo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva em pessoa, fazendo o favor de ler o texto que a ele coube na transmissão conjunta montada pelas principais redes de TV privadas do país.
Quando, ao terminar sua parte no jogral da cerimônia, Lula tomou o controle remoto cenográfico, fingiu apertar um botão e colocou ‘no ar’ o filmete publicitário que se tornou o primeiro produto da TV digital a ser transmitido no país, não se estava entrando numa nova era da televisão no Brasil. O que se viu foi a prova de que ainda vivemos na era do latifúndio midiático, do qual o Estado brasileiro segue sendo o capataz.
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Jornalista e coordenadora do Intervozes