No momento em que o PL 29 retoma seu andamento, agora na Comissão de Defesa do Consumidor da Câmara, mantendo e até ampliando contribuições ganhas durante os dois anos em que tramita no Congresso, surge no Senado uma proposta paralela para o setor de TV por assinatura. Trata-se do PLS 182, que ingressou na Comissão de Ciência, Tecnologia, Inovação, Comunicação e Informática (CCT) com forte ênfase na abertura para entrada das empresas de telecomunicações no negócio audiovisual, uma proposta essencialmente neoliberal. O projeto resgata, porém, a importância do Conselho de Comunicação Social.
O texto do PLS 182, que pretende unificar o regime jurídico das diversas modalidades de serviços de televisão por assinatura, ao contrário do que foi trabalhado pelo deputado Jorge Bittar – relator do PL 29 na Comissão de Ciência, Tecnologia, Comunicação e Informática (CCTCI) da Câmara –, tenta abrir o máximo possível a lei, para o ingresso das teles no setor audiovisual.
‘É uma proposta absolutamente flexibilizadora e que deixa muitas brechas. O projeto não apresenta qualquer restrição às teles e à produção de conteúdo, o que já era um problema detectado antes, no PL 29, e que surge aí mais radicalizado’, analisa o coordenador-geral do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), jornalista Celso Schröder.
Um dos problemas observados logo à primeira vista no enxuto texto do PLS 182, aponta Schröder, é que ele atende completamente às telecomunicações, na medida em que abre os serviços sem restrição ao capital estrangeiro. Por outro lado, o projeto atende aos movimentos sociais – pelo menos ao FNDC – na questão do controle público e com a manutenção dos canais públicos no seu must carry. ‘O PLS 182 traz algumas coisas interessantes que o PL 29 não tinha, como remeter atos normativos ao Conselho de Comunicação Social (CCS), reivindicação que tínhamos feito ao deputado Jorge Bittar, e a manutenção dos canais públicos, embora indicando uma certa flexibilidade’, destaca o jornalista.
PLS 182 — Art. 7º, Parágrafo único. A edição de atos normativos referentes ao serviço de televisão por assinatura deverá ser precedida de consulta pública em que será ouvido o Conselho de Comunicação Social.
Como fica a Lei do Cabo?
As propostas em andamento no Congresso visam atualizar – e onde não tem, criar – a legislação para o setor de TV por assinatura, que conta com uma diversidade de tecnologias para prestar o serviço. ‘Não me parece que seja o fim da Lei do Cabo. Ao contrário, o PLS 182 mantém o que ela tem de mais social em seu conteúdo’, avalia Schröder, referindo-se ao controle público e aos canais obrigatórios. Ele destaca que a proposta no Senado impõe o embate entre as duas grandes forças que são a TV por assinatura e as Telecomunicações. ‘É uma outra força política que entra em cena e precisa ser submetida ao debate público’, afirma.
O PLS 182 é um projeto ‘nitidamente neoliberal’, destaca a cineasta Berenice Mendes, membro da Executiva do FNDC. ‘Tem toda a cara do PSDB, prega que `lei boa é a lei que não existe´. Trabalha com a desregulamentação quase que total. Por isso mesmo, surpreende muito que apresente esses dois pontos importantes da Lei do Cabo’, avalia Berenice. Porém, a ‘homenagem’ que o PLS 182 faz aos canais básicos, pondera a cineasta, fica quase que só na boa intenção, porque a regulação não só é frágil, como também é ambígua. ‘Além de determinar que sejam carregados no ambiente analógico apenas, abre uma brecha para que, por impossibilidade técnica, as operadoras possam se eximir dessa obrigação. Então, fica mais como homenagem realmente, do que como um amparo efetivo a esta conquista da população’, ressalva a cineasta.
Berenice defende que esse itens (CCS e must carry com canais básicos) deveriam ser incorporados ao PL29 – ‘algum deputado deveria apresentar como emenda’.
PL 29, novo texto
O PL 29, de autoria do deputado Paulo Bornhausen (2007), que já tinha conseguido um avanço concreto no primeiro relatório apresentado pelo deputado Jorge Bittar, agora com o substitutivo apresentado pelo deputado Vital do Rêgo Filho, seu atual relator na CDC, avança em relação ao anterior, mas ainda precisa ser debatido e afinado. ‘De certa, forma faz um apaziguamento das diferenças que tinham surgido com a questão das cotas, de incentivo à produção nacional, e introduz a questão da internet. Essas são as diferenças fundamentais’, na opinião de Berenice.
Trata-se de um projeto de lei para fazer a transição do modelo analógico para o digital de TV, com o enfoque essencialmente no modelo de negócios e não o conteúdo. ‘O conteúdo acabou entrando como uma negociação, acho que ainda não tão bem contemplado como no projeto anterior (com Bittar), porém mais reconhecido nesse substitutivo’, avalia a cineasta.
Ela explica que o novo texto estrutura a cadeia produtiva, mantendo a distinção entre telecomunicação e radiodifusão, unifica a regulação da TV paga em suas diversas modalidades não reguladas, introduz cotas de exibição para programadores e empacotadores. Além disso, incrementa a produção audiovisual brasileira com recursos de 10% do Fistel (Fundo de Fiscalização de Telecomunicações). ‘Neste caso, a pergunta é: quem vai gerenciar – e de que modo – esses recursos para a produção independente do audiovisual?’, indaga Berenice.
O PL valoriza as produtoras de audiovisual independentes, na medida em que elas passam a poder ter participação das teles no seu capital acionário, tanto como participar das teles. ‘Então, elas se tornam atrativas. Conforme o valor desses recursos, a questão do gerenciamento (com isonomia, editais públicos, etc.) se torna muito importante, porque esse dinheiro pode ficar concentrado nas mãos das teles ou dos radiodifusores’, salienta a cineasta.
Morte anunciada no must carry
O PL 29 incorpora discussões travadas com a sociedade civil ao longo dos últimos dois anos. Apresenta uma negociação com relação às cotas, incremento à produção e difusão da produção audiovisual brasileira. Por outro lado, os canais básicos no must carry só seriam obrigatórios no sistema analógico, segundo o substitutivo de Rêgo Filho.
‘Como sabemos que até 2015 haverá uma migração de todo o mercado brasileiro para o sistema digital, então esses canais estariam com a sua morte anunciada’, destaca Berenice. Para ela, os canais obrigatórios não precisam ser carregados em high definition, podem ser transmitidos em padrão standard. Mas têm que estar no padrão digital.
A cineasta destaca ainda, do substitutivo de Rêgo Filho, a questão dos 30% de conteúdo brasileiro vinculado nos canais; o canal de jornalismo independente, ‘uma garantia à pluralidade de informações’. Considera que não houve grande alteração na publicidade, que surge limitada a 12,5% diários ou a 20% da hora e à limitação de 5% na programação infantil, relativizada e outorgada para decisão da Ancine. ‘Nós, do FNDC, propúnhamos a abolição da publicidade dentro da programação infantil, assim como está sendo feito em vários países do primeiro mundo. Houve aí um retrocesso’, avalia.
Propriedade cruzada
O mais delicado, porém, segundo a cineasta, é a questão da propriedade cruzada. O substitutivo do Rêgo estabelece que as prestadoras de serviços de telecomunicações não poderão, direta ou indiretamente, através de suas controladas, …., deter participação superior a 30% do capital votante de produção ou de programadora de conteúdo audiovisual brasileiro.
‘Esses 30% são a mais alta cota existente no planeta. De certa forma, vemos aí a desnacionalização do setor. E podemos aguardar isso progressivamente, porque o poder de fogo que as teles têm é muito grande’, avalia Berenice. Ela calcula que, aplicar 30% de injeção em determinadas empresas, como por exemplo a Globo Filmes, as tornará absolutamente na frente de todas aos outras produtoras independentes brasileiras juntas.
Também o contrário disso, o fato de permitir que as produtoras e programadoras de conteúdo audiovisual brasileiro possam participar com até 50% do capital votante das teles, não tem perspectiva. Se pegarmos o faturamento bruto das sete redes de televisão do Brasil juntas, ele será talvez menor do que o lucro líquido de uma única tele por mês. ‘Então, é até cínica essa proposta. É risível dizer que o Jeca Tatu lá de Piraporinha pode ser acionista da Times. Em tese, ele pode, mas essa é uma lei demagógica’, critica a cineasta.
O PL 29 contempla ainda a internet, que já ultrapassa alguns segmentos de mídia no mercado publicitário e precisa estar sujeita a alguma regulamentação, segundo Berenice. ‘Mas tem que deixar claro que não se quer regular no sentido de impedir o aspecto democratizante da internet, mas naquele tipo de conteúdo comercializado pelos grandes portais, e que devem estar sujeitos à mesma regulamentação dos outros meios. Acho que isso é positivo, dá um incremento ao conteúdo nacional e alguma proteção’.
Quanto à ‘alma do projeto’ (do PL 29), que é a flexibilização do artigo nº 86 da Lei Geral de Telecomunicações – permissão para que o serviço de TV seja feito por empresas de telecomunicações, e não apenas a radiodifusão, como também a produção – Berenice afirma: ‘Precisamos ter assegurados mecanismos de controle público sobre esses meios, que se tornam a cada dia, além de brutalmente poderosos do ponto de vista financeiro, também cada vez mais vital para a formação psicológica, social, cultural, sexual, enfim, a formação completa do ser humano’.
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Da Redação FNDC