Uma reportagem publicada pelo Globo na edição de sexta-feira (10/5) oferece pistas para jornalistas que pretendam investigar a infiltração do crime organizado na política. O jornal carioca traz alguns nomes de parlamentares que estão criando uma corrente de apoio ao pastor Marcos Pereira da Silva, preso sob a acusação de estuprar adeptas da Assembleia de Deus dos Últimos Dias, a denominação evangélica que ele dirige.
A reportagem (“Pastor Marcos ganha corrente de apoio na Alerj”) se refere a homenagens que ele recebeu de deputados estaduais e do deputado federal Marco Feliciano, presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara. A corrente de solidariedade pode esclarecer os laços entre organizações religiosas, partidos políticos e chefes de milícias que tentam dominar as comunidades das quais o governo do Rio afastou quadrilhas de traficantes nos últimos meses. Conforme tem sido noticiado pelo Globo com frequência, esses grupos disputam o controle do transporte público, da distribuição de gás e outros serviços no interior das favelas.
Um dos principais defensores de Pereira da Silva, o deputado estadual Geraldo Pudim, é integrante da chamada “tropa de choque” do ex-governador Anthony Garotinho, com quem partilha a condição de réu em um processo por crime eleitoral. A reportagem do Globo pode ser tomada como uma pauta inicial para investigações mais profundas que podem revelar a complexa rede de interesses que transformou algumas regiões do Brasil em paraísos do crime organizado.
Parte dessa história, que inspirou os filmes da série Tropa de Elite, já foi contada em capítulos pelos jornais, mas as acusações levantadas contra o pastor Marcos Pereira da Silva permitem juntar os episódios e esclarecer a relação ambígua de seitas religiosas com a política e o crime.
O Rio de Janeiro tem, de longe, a maior bancada dita evangélica entre todas as Assembleias Legislativas. O bloco chamado de Frente Parlamentar Evangélica conta com quase 60 parlamentares no Rio, dos quais mais da metade enfrenta processos na Justiça por crimes eleitorais, peculato, roubo, improbidade administrativa, formação de quadrilha e, agora, com a contribuição de Marcos Pereira da Silva, também por crimes de estupro e lavagem de dinheiro.
Propaganda enganosa
O crescimento das chamadas seitas neopentecostais, nas últimas décadas, não produziu apenas grandes fortunas e muito poder na mídia. Como consequência natural, os líderes dessas organizações foram buscar também o poder político, caminho direto para os cofres públicos.
Parlamentares ligados a essas igrejas repassam recursos de orçamentos públicos para organizações não governamentais controladas por eles mesmos, e assim o círculo iniciado numa pequena sala de orações se expande até a criação de um sistema de mídia com emissoras de rádio e televisão, jornais e portais de internet.
Nem todas exibem o poder alcançado pela Igreja Universal do Reino de Deus, mas pelo menos cinco denominações brasileiras já se tornaram poderosos empreendimentos multinacionais. Seu discurso típico consiste em convencer o fiel a doar seus bens à igreja, em troca de uma vida melhor. Não no suposto paraíso eterno, mas aqui e agora. Pessoas com dificuldades financeiras e fragilizadas emocionalmente chegam a se endividar para fazer esse pacto.
De acordo com os jornais, o apartamento em Copacabana onde o pastor Marcos Pereira da Silva promovia orgias foi doado por um empresário cuja família tentava interditar, por apresentar problemas psicológicos.
No mês passado, o governo de Angola baniu daquele país as igrejas de origem brasileira, pela prática de propaganda enganosa. Um representante do governo angolano declarou, na ocasião, que os pastores brasileiros “se aproveitam das fragilidades do povo”.
Num regime democrático, o direito ao culto limita a ação das autoridades contra os exploradores da fé. Por isso, o episódio que envolve o líder da Assembleia de Deus dos Últimos Dias pode fundamentar um trabalho mais consistente da imprensa no esclarecimento do papel dessas organizações no Brasil, com uma investigação de todas as suas conexões nas instituições da República.
Além das evidências de enriquecimento ilícito eventualmente levantadas quando a imprensa tradicional entra em choque com as mídias evangélicas, é preciso ir além, esclarecendo como a mistura de religião com negócios invade a política, interfere em decisões de governos e contamina com preconceitos o debate público sobre questões essenciais para o aprimoramento institucional do país.
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