Manchete da edição de domingo do jornal Folha de S. Paulo: ‘Lula distribui concessões de TV a políticos’.
Uma chamada forte, suficiente para deixar os leitores irritados com mais um escândalo envolvendo o presidente e o seu partido, que, segundo a imprensa, desde que chegaram ao poder não fizeram outra coisa senão ‘aparelhar’ o Estado brasileiro e empregar companheiros a torto e a direito. Só que no caso das concessões de rádio e televisão, a coisa não é bem assim. Em primeiro lugar, a reportagem mostra que políticos do PT não são beneficiários de nenhuma concessão. O que a apuração da Folha descobriu no tocante a políticos foi que 8 políticos do PMDB, 2 do PTB, 2 do PSDB (incluindo o senador Leonel Pavan, de Santa Catarina), 2 do PL, um do PSB e um do PP receberam concessões de emissoras ou rádios educativas. Para o PT, nenhuma concessão. Estranho?
Sim, soa estranho. Mas o jornal também sonegou algumas informações essenciais para que os leitores pudessem formar opinião sobre o caso. Segundo a Folha, ‘as concessões de TV são dadas por decreto do presidente, enquanto as de rádio são aprovadas pelo ministro, por portaria’. O jornal ignorou o artigo 223 da Constituição Federal. Desde 1988, as outorgas e renovações para o funcionamento de emissoras de rádio e televisão precisam ser aprovadas pelo Congresso Nacional. Aliás, é bom lembrar que o Projor, entidade mantenedora do Observatório da Imprensa, entregou ao Ministério Público Federal , em outubro do ano passado, uma petição questionando o fato de parlamentares titulares das comissões responsáveis, na Câmara e Senado, pela análise das concessões, serem eles mesmos proprietários de emissoras de rádio e/ou televisão (clique aqui para ler o material do OI sobre este assunto).
Estudo detido
Na verdade, a manchete da Folha de domingo revela que o jornal caiu no canto do denuncismo irresponsável. A repórter que assina as matérias, é bom que se diga, é uma profunda conhecedora do assunto sobre o qual escreve e sua investigação foi impecável. O problema foi a edição do material que a repórter apurou. O jornal forçou a mão para tentar responsabilizar o presidente Lula, torná-lo mais parecido com José Sarney e Fernando Henrique Cardoso, enfim, envolvê-lo em mais um escândalo.
Neste caso particular, porém, a Folha errou o alvo. Dizer que Lula usou a caneta presidencial para beneficiar peemedebistas e tucanos é chamar o leitor de imbecil. Para começar, a caneta não tem este poder todo no tocante às concessões. Se quisesse beneficiar a CUT com uma rádio em cada município do País, por exemplo, o presidente assistiria à rejeição de seu pleito pelo Congresso. A Folha não explica nada disto, sequer menciona que os decretos e portarias do ministro das Comunicações precisam ser chancelados pelo legislativo federal. A acusação também é fraca porque não faz muito sentido político: afinal, segundo a apuração, Lula simplesmente não ajuda o PT e o PCdoB, seu aliado mais fiel e ainda dá uma rádio a um senador tucano.
A Folha deu pouca atenção (e uma só retranca, como se diz no jargão das redações) à concessão de emissoras de rádio e televisão a entidade religiosas, especialmente católicas e evangélicas. Em vez de procurar pêlo em ovo, o jornal poderia ter focado a investigação neste filão. Como se sabe, uma das ‘pernas’ do PT sempre foi a Igreja Católica e suas Comunidades Eclesiais de Base. É certo que hoje os católicos radicais estão mais perto de Heloísa Helena e os conservadores, de Geraldo Alckmin, mas uma boa investigação poderia mostrar a influência de um Frei Betto nas concessões da primeira etapa do governo Lula; ao passo que um estudo detido dos evangélicos abençoados com emissoras de rádio e televisão talvez explique muita coisa na relação de PT, José Alencar, o PL e o recém-criado PRB.