Sunday, 17 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

As propostas para o sistema público

Responsáveis por apenas cerca de 10% das emissoras de rádio e TV do país, os meios públicos de comunicação seguramente serão objetos centrais de discussão na 1ª Conferência Nacional de Comunicação (Confecom). É o que já vem acontecendo nas etapas preparatórias realizadas nos estados. Nas conferências livres e nas etapas estaduais, é recorrente o surgimento de propostas que buscam criar mecanismos de fortalecimento dessas mídias. Entidades de representação nacional também lançaram documentos propositivos a fim de fomentar a discussão sobre o tema. Muitas das propostas visam atacar duas grandes fragilidades dos veículos do campo público de comunicação: o financiamento e a gestão. A falta de dinheiro para ampliar a produção e melhorar a estrutura das emissoras educativas existentes nos estados é notória, assim também como a falta de abertura para a participação da população em muitas delas. Como a mídia brasileira privada foi historicamente privilegiada, pouco se avançou nessas questões ao longo do tempo.


A proposta de criação de uma reserva financeira para apoiar os meios públicos tem surgido com força. Na visão da Associação Brasileira de Rádios Comunitárias (Abraço) deveria ser criado um Fundo Nacional para o Desenvolvimento da Comunicação Comunitária. ‘O fundo deve atuar no financiamento, a fundo perdido, dos equipamentos necessários a instalação da emissora’, descreve o documento publicado pela entidade. Esse dinheiro seria arrecadado, segundo a Abraço, do Orçamento Geral da União, do Fundo de Universalização das Telecomunicações (Fust) e das taxas cobradas pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel).


Mecanismo de compensação


O Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social também vê importância na iniciativa. Sua proposta, porém, é a criação de fundos nacionais e estaduais de comunicação pública, formados pela contribuição que cria a Empresa Brasil de Comunicação (EBC), a partir do direcionamento de recursos do Fundo de Fiscalização das Telecomunicações (Fistel) e por doações de pessoas físicas e jurídicas, entre outras fontes. Proposta semelhante foi pensada pela Associação das Rádios Públicas do Brasil (Arpub). A diferença é que neste caso, ele está sendo chamado de Fundo Público Especial de Fomento à Radiodifusão Comunitária.


A proximidade entre as propostas que tratam comunicação pública e comunicação comunitária se explica por conta de um entendimento crescente entre diversos atores de que tanto os veículos ligados a entes públicos – em alguns casos, estatais –, como aqueles dirigidos comunitariamente fazem parte de um mesmo campo de atuação, diferente da comunicação comercial. Assim mesmo, é importante notar que, em muitos casos, as propostas para um e outro tipo de veículos são diferentes.


Ainda em relação à sustentabilidade, no bojo das discussões da Confecom tem aparecido a idéia de se criar uma contribuição das emissoras comerciais para os veículos públicos. O Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), por exemplo, defende o estabelecimento de contrapartidas sociais pelos concessionários.


Para o Intervozes, é necessário taxar as empresas de rádio e TV. ‘Entre os diversos benefícios recebidos pelas empresas de radiodifusão está a imunidade do pagamento do ICMS, um privilégio inaceitável para um setor que tem grandes lucros pela exploração de um bem público. A retomada da cobrança do ICMS constitui-se como medida justa e deve ser revertida ao financiamento da comunicação pública, de modo a respeitar o princípio da complementaridade entre os sistemas público, privado e estatal previsto no Artigo 223 da Constituição. Este mecanismo de compensação é usual em outros países e fortalece suas estruturas públicas, como nos casos da França e de Portugal’, justifica a entidade, em seu documento de propostas para a Conferência de Comunicação.


Operador de rede único


A Abraço ainda defende que os governos distribuam de forma mais democrática as verbas empregadas em publicidade a fim de promover a radiodifusão comunitária. A entidade propõe a criação, pela Secretaria de Comunicação do Governo Federal, de editais específicos para as mídias comunitárias, destinando 5% da verba publicitária para as rádios comunitárias. O mesmo deve ser feito nos estados, no Distrito Federal e nos municípios.


Além disso, a associação defende uma mudança legal que permita a entrada de publicidade nos meios que representa. ‘É legitimo que uma rádio comunitária faça a publicidade do setor produtivo local, isto serve para garantir a sobrevivência do veículo e incluir os mesmos que são excluídos do sistema comercial, contribuindo para o desenvolvimento local. Mas não pode cobrar por mensagens de utilidade pública (assembleia de moradores, festas populares etc.), pois esta é a razão de ser de uma emissora comunitária’, diz, em seu documento.


Para a Associação Brasileira de Canais Comunitários (ABCCom), uma outra iniciativa que poderia tornar os meios públicos mais sustentáveis seria a implementação de um ‘operador de rede único, que congregue todas as emissoras de TV do campo público, com direito de multiserviços, multiprogramação e à interatividade para a ampliação da transmissão e recepção de conteúdos que venham, de fato, a colaborar para a construção da cidadania no Brasil’, defende a associação. Essa proposta tem sido apoiada por outras entidades.


Implantação de comitês


Criada em 2007, a EBC tem sido entendida pelas entidades sociais como um passo importante rumo à construção de um sistema público. Por isso, a maioria das propostas surgidas buscam fortalecer a empresa. Com esse intuito, o FNDC propõe, por exemplo, a implementação de conselhos de redação, produção e programação, com integrantes eleitos pelos seus pares. Defende a abertura para a participação da sociedade nas reuniões do Conselho Curador, com pautas e dias previamente divulgados, e adoção de consultas públicas como mecanismo de gestão.


Já a Abraço, acredita que deveria ser implantada na EBC ‘uma nova mentalidade de Rede Nacional. Empresa Brasileira de Comunicação, regionalizando a produção cultural, artística e jornalística. A Abraço propõe a criação de seis centros de produção, no Sul, no Sudeste, no Centro-Oeste, no Norte, no Nordeste I e no Nordeste II, com a divisão equânime da grade de programação, propiciando retratar a diversidade cultural, artística e jornalística do Brasil.’


E a preocupação com a influência da população nos meios públicos não diz respeito apenas à EBC. ‘No Sistema Público de Comunicação, instituir conselhos em todos os organismos mantenedores de mídias públicas com prerrogativa de definir as diretrizes relativas às atividades da corporação e acompanhar a sua implementação. Estes espaços devem ser compostos observando a maioria da sociedade civil, a partir de eleição junto à população ou às suas representações. Deve ser exigida a implantação de comitês por veículo, gênero e programa de cada uma das iniciativas de comunicação dos organismos mantenedores de mídias públicas’, pensa o Intervozes.


Rádios comunitárias


Preocupação compartilhada pela Arpub, que pede o ‘aperfeiçoamento de mecanismos e ferramentas de controle público no âmbito das empresas de comunicação pública, sejam federais, estaduais ou municipais, tais como conselhos, audiências públicas, ombusmans, ouvidorias, agências reguladoras etc., como forma de aprofundar e consolidar em nossa sociedade uma cultura de maior controle social sobre os meios de comunicação públicos.’


E as propostas relativas à gestão dos meios também não dizem respeito apenas aos veículos analógicos. Uma das elaborações do Intervozes referentes ao mundo digital prevê a reserva de blocos de freqüências radioelétricas para uso das redes comunitárias de acesso à internet que utilizem tecnologia sem fio – a serem utilizadas por órgãos públicos e instituições sem fins lucrativos – que podem prover o acesso à rede mundial de computadores aos cidadãos de forma gratuita ou com baixo custo.


Para além das proposta já citadas, a Abraço fez uma série de propostas para mudar o atual quadro das rádios comunitárias de dificuldade de sobrevivência. Entre elas estão a garantia de digitalização dos sinais sem custos, o aumento do número de canais destinados às emissoras comunitárias, o aumento de potência dos transmissores para até 250 watts, a permissão da transmissão em rede, o fim do poder discricionário da Anatel, a reparação e anistia para os comunicadores processados e/ou punidos por operarem rádios comunitárias sem outorga e o fim da criminalização da rádios comunitárias e dos comunicadores populares.


A Associação Brasileira das Emissoras Públicas, Educativas e Culturais (Abepec) deve divulgar suas propostas para a Conferência na próxima semana.


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Na biblioteca do Observatório do Direito à Comunicação você encontra a íntegra das propostas das entidades envolvidas no processo da Conferência Nacional de Comunicação. Clique aqui.