Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

As rádios comunitárias devem morrer

Quando a conversa acaba vem a bala, o cassetete, a cadeia, ou, pior, o silêncio. O silêncio dos cemitérios. É assim hoje no Brasil. A Anatel e a Polícia Federal, arautos do Estado, todo dia calam a voz daqueles que há 500 anos tentam falar. Fecham rádios comunitárias, rádios de baixa potência, porque, segundo eles, elas servem a grupos terroristas e planejam derrubar avião, interferir nos serviços de segurança, servir ao narcotráfico. Por isso tratam essa gente brasileira como se trata traficante: armados de fuzis e metralhadoras, os agentes do Estado – digo, do Estado neoliberal-popular (transgênico, portanto) – ocupam salas e residências, berram ‘teje preso!’. Algemam e levam para a cadeia os ‘marginais perigosos’, quem tenta fazer rádio comunitária. Levam no camburão, que é para mostrar quem manda. E quem manda são eles.

É o tempo do medo. O governo Luiz Inácio Lula da Silva decretou morte às rádios comunitárias.

Na repressão às rádios, atuam a Anatel e a Polícia Federal. Mas a Polícia Militar e até a Polícia Civil já se apresentaram para a nobre causa de calar a voz do povo. Mais um pouco e até guarda noturno vai querer prender quem faz rádio comunitária.

Depois de dois anos no governo, Lula continua insistindo em tratar rádio comunitária como caso de polícia ou de cartório. De polícia quando a rádio não tem o papel (a autorização) fornecido pelo cartório que é o Ministério das Comunicações (MiniCom). De cartório porque o MiniCom mantém uma burocracia que emperra o processo de legalização das rádios comunitárias. Intencionalmente, diga-se de passagem. Porque, se quisesse, poderia fazer bem mais. Mas isto é assunto para linhas adiante.

Poder divino

Primeiro, veja-se a polícia. Neste momento mais de mil pessoas estão sendo processadas por operarem emissoras clandestinas. De acordo com documentos oficiais da Polícia Federal, as prisões em alguns estados são feitas com base no artigo 70 da Lei 4.117/62, o Código Brasileiro de Telecomunicações (CBT); em outros estados as ações são feitas com base no artigo 183 da lei 9.472/97, a Lei Geral de Telecomunicações (LGT).

Por que usam esses dispositivos? Porque os dois garantem cadeia para quem opera sem autorização. Poderiam usar, quem sabe?, um dispositivo menos duro, um que manda fechar, ou que dá advertência – no extremo, apreender os equipamentos… Mas, não, é preciso botar na cadeia! É preciso humilhar!

Em outubro passado, uma delegada da Polícia Federal, em Guarulhos (SP), enquadrou os que faziam uma rádio sem autorização por ‘formação de quadrilha’. Ao fazer isso, ela sabia, estava tirando o direito das pessoas de pagarem fiança e responderem o processo em liberdade. Ela queria humilhar. Na verdade, ela julgou e condenou os autores do ‘crime’ à pena máxima: serem colocados no meio de bandidos, assaltantes, traficantes. Ela julgou e condenou essas pessoas à humilhação.

A emissora fechada em Guarulhos era dirigida por um grupo de evangélicos. De fato, não era comunitária. Mas nenhum aparato de Estado tem o direito de fazer isso com as pessoas. Nenhum Estado decente pode ter esse poder de humilhar as pessoas. Nenhum agente público poderia fazer isso com um brasileiro. Quem deu esse poder à delegada? Quem lhe deu o direito de punir com a humilhação um grupo de evangélicos que queriam expressar sua fé? Aqui se acusa: o responsável por tudo isso, por omissão ou cumplicidade, o que dá no mesmo, é o governo Lula.

Eficiência política

Em 2003, a Anatel e a Polícia Federal fecharam 4.300 rádios. Em 2004, graças a extraordinária eficiência destes órgãos, o número deve se igualar. É uma eficiência rara. Hoje, se falta dinheiro à PF, a Anatel paga combustíveis e diárias para os agentes. Se um juiz dá liminar pela abertura da rádio, a Anatel recorre! E vai mais: a Anatel está em campanha junto ao Judiciário tentando fazer a cabeça dos juizes, convencendo-os de que os aviões são feitos de lata e madeira comida de cupim e, por isso, podem ser derrubados por um transmissor de 25 watts.

Trata-se de uma grande mentira que a Anatel e as emissoras comerciais propagam por todo país. Se um transmissor de 25 watts ou de 25 mil watts derrubasse avião ninguém deveria andar nesses troços. E terroristas poderosos, como Bush e bin Laden, ao invés de bomba, usariam tal expediente para suas ações. Sairia bem mais barato.

A Anatel, é bom não esquecer, foi criada no governo Fernando Henrique Cardoso para atender ao mercado. Por isso ela tem esse formato transgênico: por fora, em suas ações, é mercado; por dentro, é sustentada com recursos públicos.

De um modo geral, as agências se constituem na melhor invenção do mercado. Eis um órgão público, mantido pelo Estado, com servidores concursados, mas que deve ser ‘independente’, isto é, estar a serviço do mercado. Por isso a Anatel é tão eficiente em coibir as rádios de baixa potência e tão ineficiente quando se trata de fiscalizar o mercado.

Em meados de novembro deste ano, o Tribunal de Contas da União denunciou que a tecnologia usada pela Anatel para fiscalizar as empresas telefônicas era obsoleta. Isto é, não funciona. Quando se trata de rádios comunitárias a Anatel utiliza o artefato mais caro e moderno que existe, mas quando se trata de fiscalizar o mercado mantém um sistema obsoleto. Por quê? Porque não é para funcionar quando se trata do mercado.

Em outubro passado, em Brasília, o Ministério Público determinou às telefônicas que tirassem suas torres das proximidades de escolas e hospitais por representarem riscos à saúde. Imediatamente apareceu um técnico da Anatel dizendo que isso seria complicado (isto é, caro) para as empresas, e que não havia riscos. Por essas e outras é que, quando alguém anuncia que vai mexer na Anatel, tudo que é dono de empresa telefônica, concessionário de rádio ou TV comercial sai em defesa do órgão.

Será que o governo Lula não sabe disso? Será que vai insistir no modelo das agências? Será que o governo não sabe que as agências se constituem num dos pilares de sustentação do projeto neoliberal? Ele não sabe que uma sociedade mais justa nunca acontecerá num estado neoliberal?

Trata-se, portanto, de uma questão política. E política de Estado. A repressão às rádios se dá dentro deste contexto. Um contexto de fatos vergonhosos, como a ação policial e da Anatel com eficiência e modos similares aos tempos da ditadura militar.

A Anatel e a PF usam dispositivos criados pela ditadura militar. É o caso do artigo 70, da Lei 4.117/62, que pune com até 3 anos de cadeia quem opera sem autorização. O artigo foi adicionado à lei por um Decreto-lei (236/67) assinado pelo general Humberto de Alencar Castelo Branco. A função desse artigo, à época, era botar na cadeia ‘os inimigos do regime’. Como ele se encontra em vigor até hoje, acredita-se que os inimigos do regime são o povo brasileiro, que insiste em viver e em querer se comunicar.

O outro dispositivo usado para reprimir é a Lei Geral de Telecomunicações (artigo 183, cadeia de 2 a 4 anos), obra do homem que privatizou o país, Fernando Henrique Cardoso.

Em resumo: para calar a voz do povo, Lula usa um dispositivo criado pela ditadura militar e outro criado por FHC. E o extraordinário nisso é que os dois dispositivos tratam de telecomunicações e não de radiodifusão – e, portanto, não se aplicariam às rádios comunitárias.

Fora do ar!

Em suas manifestações, os órgãos públicos alegam seguir à lei para fazer a repressão. Mas a lei não fala que a Anatel tem pagar diária à PF, recorrer na Justiça quando algum juiz defender uma rádio, ou tentar fazer a cabeça de juizes. Qual a lei que eles dizem seguir? A antes citada, que aborda a repressão, e a legislação que regulamenta as rádios comunitárias: Lei nº 9.612/98, Decreto 2.615/98 e Norma Operacional 01/04.

O conjunto da legislação estabelece uma série de limites, de ‘não pode’: o alcance da rádio comunitária não pode ir além de 1km, a rádio não pode veicular publicidade, não pode entrar em rede com outras rádios, os diretores não podem morar fora do raio de 1km, não pode ter proteção do Estado para interferências de emissoras comerciais… Enfim, a rádio não pode existir.

Essa legislação está em vigor. É a pior da América Latina no tocante a rádios comunitárias. Não se sabe de uma legislação pior no mundo. O que o governo fez para mudar isso? Nada. Corrija-se: piorou mais ainda.

O Ministério das Comunicações fez uma nova Norma Operacional (01/04) que burocratiza mais ainda o processo e estabelece outros ‘não pode’. A burocracia é tão pirandeliana que pede até uma declaração da entidade de que ela vai seguir a lei. Não se sabe se isso foi um ato de burrice explícita ou simplesmente de má-fé de algum burocrata viciado em papéis.

As ações de má-fé do governo com relação às rádios comunitárias são mais explícitas. Por exemplo, no governo FHC, a Anatel designou como único canal para todas as rádios comunitárias, o 200, correspondente a freqüência de 87,9 MHz. Em alguns casos, destinou-se um canal alternativo.

No governo Lula, a Anatel – pressionada por um movimento legítimo de mais espaço no dial de São Paulo – achou por bem indicar mais dois canais – duas opções, mais exatamente, porque a lei só permite um canal por município. E designou as freqüências de 87,5 e 87,7 MHz.

Então, graças ao governo Lula, as rádios comunitárias têm três opções de canais. Ótimo. Não. Má-fé. Porque todos estes canais estão fora do dial! No dial do rádio, a faixa de operações em FM vai de 88 MHz a 108 MHz – e as rádios vão operar abaixo de 88 MHz. Como os aparelhos de rádio a princípio não foram feitos para receber sinais abaixo de 88 MHz, imagina-se que as rádios comunitárias irão transmitir para o nada. Eis uma situação surrealista.

Carrapatos do poder

Argumentam os tecnocratas e burocratas e carrapatos do poder que se trata de uma decisão técnica. Isto não é verdade. É, sim, uma opção política. Por exemplo, pergunte-se às emissoras ligadas a grupos poderosos, como a CBN, Globo, Transamérica, se elas topariam atuar nestes canais fora do dial. ‘Você pensa que eu sou idiota?’, seria a resposta publicável.

Foi uma decisão política mascarada como técnica. E muito mal mascarada. A Anatel chegou a contratar o CPqD, que apresentou estudo justificando a escolha dos novos canais. O tal ‘estudo’, porém, é visivelmente político. Há uma clara intenção de exclusão de um serviço considerado de quinta categoria, de gente pobre, chata, marginal. O estudo é preconceituoso, para dizer o mínimo. Eis algumas pérolas desse estudo:

‘Embora o canal 200 esteja designado para uso exclusivo do Serviço de RadCom, em nível nacional, na prática ele não pode ser designado para diversos municípios devido a interferência que provocaria em alguns canais previstos ou autorizados na faixa de freqüência para o serviço de radiodifusão sonora em FM e o canal 6 de TV/RTV’.

O CPqD já sai em defesa das emissoras comerciais, que, na sua visão preconceituosa, são superiores. Mais adiante reconhece, com grifo dele, que o canal 200 está fora da faixa:

‘Este obstáculo levou a agência a designar para execução do serviço de RadCom, em algumas localidades, canais alternativos dentro da faixa de FM com os seguintes inconvenientes:

(…)

A presença de estações de RadCom na mesma faixa de freqüência das estações de FM dificulta a fiscalização e a identificação de estações não autorizadas’.

No texto acima o preconceito é explícito. O CPqD – que já foi instituição pública e agora, bem se vê, é privada – não considera que estações de rádios comunitárias sejam estações de FM. E partindo do pressuposto que as rádios comunitárias são constituídas por marginais, piratas e bandidos, alerta para o risco delas ficarem dentro da faixa de FM – isto atrapalharia a repressão sobre elas.

Na verdade, este governo nem cumpre a lei, mesmo uma lei ruim como esta. Eis alguns exemplos. Diz o artigo 20 da Lei 9.612/98 (grifos meus):

‘Compete ao Poder Concedente estimular o desenvolvimento de Serviço de Radiodifusão Comunitária em todo o território nacional, podendo, para tanto, elaborar Manual de Legislação, Conhecimentos e Ética para uso das rádios comunitárias e organizar cursos de treinamento, destinados aos interessados na operação de emissoras comunitárias, visando o seu aprimoramento e a melhoria na execução do serviço’.

Desde a promulgação da lei, quantos cursos e treinamentos o Ministério das Comunicações realizou até hoje? Zero.

Diz o artigo 4º, § 1º da lei 9.612/98:

‘É vedado o proselitismo de qualquer natureza na programação das emissoras de radiodifusão comunitária’.

Diz ainda o artigo 11 da lei 9.612/98:

‘A entidade detentora de autorização para execução do Serviço de Radiodifusão Comunitária não poderá estabelecer ou manter vínculos que a subordinem ou a sujeitem à gerência, à administração, ao domínio, ao comando ou à orientação de qualquer outra entidade, mediante compromissos ou relações financeiras, religiosas, familiares, político-partidárias ou comerciais’.

Ora, o mundo inteiro – menos o governo – sabe que boa parte das 2.199 autorizações até hoje concedidas pelo Ministério das Comunicações está nas mãos da Igreja Católica ou uma das ramificações evangélicas. Isto é ilegal! Mas o Ministério das Comunicações e a Anatel nada fazem para coibir. É preciso haver uma revisão das autorizações concedidas.

Este é mais um motivo para não se acreditar neste papel concedido pelo governo. Um papel na parede, com a autorização oficial, não diz que a rádio é ou não comunitária. É apenas um papel – concedido pelo cartório estatal – que dá direito aquela emissora de funcionar ‘como se fosse’ uma rádio comunitária.

Em 2003 o Ministério das Comunicações, entregue a Miro Teixeira, formou um Grupo de Trabalho com a finalidade de encontrar um jeito de reduzir a burocracia no próprio ministério, porque havia 8 mil processos parados nesse cartório. O fato é, por si, estranho: chamar um grupo para resolver um problema burocrático interno. Houve outra estranheza nisso: Miro Teixeira incluiu nesse GT um representante da Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert), inimiga das comunitárias. No que esta pessoa contribuiria? Em nada. Ela entrou nesse GT com a missão de impedir que o grupo fizesse propostas mais avançadas.

Mas, apesar do ministro e do ministério, o GT até que trabalhou, apresentou propostas para reduzir a burocracia e outras que resolveriam alguns problemas maiores das rádios comunitárias. O ministro Miro mostrou que é um político experiente na arte de fazer política pelo poder. O atual, Eunício Oliveira (proprietário de emissoras no Ceará), fez algumas mudanças burocráticas, mas as principais propostas foram para o lixo. Não se constituiu um conselho de rádio comunitária e muito menos o governo encaminhou ao Congresso uma nova proposta de legislação, como pediu o GT.

Legislativo não faz leis

O argumento de todos os burocratas e tecnocratas e autoridades do atual governo para nada fazer é que eles têm que seguir a lei, e que mudar a lei é função do Legislativo. Conversa. Eles sabem que não é assim na política.

Estudo realizado pela Consultoria da Câmara dos Deputados revela que das 119 leis aprovadas pelo governo Lula até outubro de 2004, somente 10% foram feitas pelos parlamentares. Com o Governo FHC foi a mesma coisa. Portanto, quem faz leis neste país não é o Legislativo, mas o Executivo.

O Congresso Nacional tem hoje tramitando 43 projetos de lei sobre rádios comunitárias. Desse total, 17 aperfeiçoam a legislação vigente; 18 deles pioram o que já é ruim. Todos esses projetos estão hibernando na Comissão de Ciência e Tecnologia. Nada anda. Só vai andar se o governo quiser. Porque nesta comissão se encontram os interesses do poderosos da comunicação no país, e o governo Lula tem medo dessa gente. Daí, na hora de escolher as comissões, mesmo o PT, que é o maior partido na Câmara e ocupa a presidência da Casa, não ousa pegar a presidência da Comissão de Ciência e Tecnologia, e a deixa com os de sempre.

Tudo isso é muito simbólico. O Brasil tem historicamente dois grandes latifúndios: o das comunicações e o da terra. Neles se concentram as duas maiores forças políticas do país, responsáveis pela cruel realidade do povo brasileiro. Pois bem, o Ministério da Agricultura e a Comissão de Agricultura foram entregues aos respectivos latifundiários do setor; o das Comunicações e a Comissão de Ciência e Tecnologia, idem. Isto é uma sinalização histórica. Um equívoco que vai pesar na história de Lula.

São equívocos e omissões que insistem em acontecer. No início de 2004, o governo convocou algumas pessoas e entidades com a proposta de realizar uma Conferência Nacional de Radiodifusão Comunitária. Mais um ato surrealista: quem estava na organização da Conferência não era o Ministério das Comunicações, mas a Fundação Banco do Brasil, Casa Civil, e até o programa Fome Zero! O ministério entrou nas primeiras discussões, mas quando viu que poderia sobrar para ele, caiu fora. E como fazer uma Conferência sobre comunicação sem o Ministério das Comunicações?

Então o governo apresentou sua proposta de eixo da conferência: nada que se referisse a mudanças na lei, fim da repressão, anistia aos que estavam sendo processados, devolução dos equipamentos apreendidos e, o principal, mudanças no modelo político de comunicação.

O governo, com o apoio de entidades como o Viva Rio (aquela que distribui programas da Globo para as rádios comunitárias), queria discutir código de ética, associativismo… Mais surrealismo. Era a proposta de quem estava fugindo ao embate do momento, ou desconhecia a realidade das rádios comunitárias. Como o movimento não aceitou esta pauta, a Conferência gorou.

Mais GTs

Na sexta-feira (26/11), por decreto, o Governo montou um novo Grupo de Trabalho. Os objetivos desse GT são genéricos, mas não trata do principal. Ainda inclui um deboche: o GT pretende encontrar formas de ‘aperfeiçoar’ a fiscalização – isto é, melhorar a eficiência da Anatel/PF na repressão.

É um grupo fechado no governo, não tem a sociedade civil. O que se pode esperar dessa gente? Por que ao invés de fazer GTs e mais GTs o governo não faz o óbvio (em cinco minutos é possível para qualquer pessoa bem informada do movimento de rádios comunitárias revelar a realidade vivida por ele)? Por que, ao invés de um novo GT, não implementa as boas decisões do anterior? Será que o governo está tentando, mais uma vez, enrolar aqueles que atuam com rádios comunitárias, fugindo aos seus compromissos com o povo brasileiro?

É preciso deixar bem claro que, ao contrário do que dizem os burocratas e tecnocratas e autoridades comprometidas com a elite nacional, o governo Lula tem condições de fazer muito pelas rádios comunitárias. Eis algumas das ações que poderia encaminhar:

** Modificar o atual modelo de comunicação que privilegia o latifúndio da comunicação, estabelecendo regras que proíbam a concentração dos meios, e abrindo mais espaço para as emissoras comunitárias, educativas e estatais. Em outras palavras: deflagrar uma reforma agrária do ar.

** Elaborar um novo texto para o Decreto 2.615, corrigindo as deficiências do atual

** Elaborar uma Norma Operacional menos burocrática e limitadora.

** Apresentar PL modificando a Lei 9.612.

** Apresentar Medida Provisória anistiando os que foram criminalizados na Lei 4.117/62 e Lei 9.472/97.

** Apresentar Medida Provisória determinando a devolução dos equipamentos apreendidos

** Apresentar Medida Provisória revogando o art. 70 da Lei 4.117/62 e o art. 183 da Lei 9.472/97.

** A Advocacia Geral da União poderia dar parecer contrário ao uso dos Arts. 70 e 183, acabando com a repressão.

** Realizar cursos de qualificação.

** Inserir os canais de rádios comunitárias na faixa do dial.

** Inserir a TV comunitária no sinal aberto.

** Inserir publicidade oficial paga nas rádios comunitárias.

** Criar fundo para as rádios e TVs comunitárias.

** Fazer uma manifestação pública em defesa dos que fazem rádio comunitária. (Até hoje, com o pau comendo nas rádios, o governo não fez uma só manifestação nesse sentido.)

A questão das rádios comunitárias no Brasil é essencialmente política. A realidade mostra que a população brasileira não tem acesso aos meios de comunicação, é diariamente agredida com violações dos direitos humanos, e submetida a uma legislação que sedimenta uma exclusão secular.

Basta do governo fazer articulação política para se sustentar no poder. Temos aqui a busca do poder pelo poder. O povo quer mudança. Lula precisa dizer a que veio. Basta das autoridades tentarem fugir às suas obrigações, mascarando o que é decisão (ou indecisão política) como técnica, transferindo responsabilidades do Executivo para o Legislativo.

Um exemplo de como o atual governo faz política nessa área: há casos de rádios autorizadas pelo Ministério das Comunicações há mais seis meses, mas que não chegam ao Congresso Nacional porque a Casa Civil guardou para si o direito de ‘autorizá-los’ politicamente. Criou-se uma nova instância de deliberação sobre as rádios comunitárias, a Casa Civil. Nem no Governo neoliberal de FHC se fazia isso.

Afirmar que o governo tenta matar as rádios comunitárias não é exagero. Todas as ações realizadas pelo governo Lula – principalmente as omissões – indicam uma intenção oficial de impedir a operação das rádios comunitárias. Ela é derivada de compromissos assumidos com a elite econômica e, principalmente, com o latifúndio da comunicação. Se 70% dos recursos de publicidade, incluindo os das estatais, vai para uma única empresa, e um percentual quase zero vai para as estatais, e nada vai as comunitárias, é porque optou-se por servir ao latifúndio.

Poderia se argumentar que o Governo age assim, desprezando e aniquilando as rádios comunitárias, por desconhecer o assunto. Se esta ignorância, que cheira à burrice se for verdade, é inadmissível. É inadmissível que o governo desconheça a realidade das rádios comunitárias. Não se admite que o PT, sendo um partido nascido nas bases populares, desconheça o que acontece hoje com as rádios comunitárias. Seria um caso de incompetência ou desvirtuamento ideológico.

Do povo brasileiro está sendo tirado seu direito de falar. Sem voz, ele não tem acesso à informação, cultura, destino. Não tem liberdade de expressão. E quem não se comunica, morre, diz uma das leis da natureza. Se o povo brasileiro, sem voz (também sem terra, moradia, água, energia, escola, saúde…) há tanto tempo não morreu, foi por pura teimosia e esperança. Esta esperança sempre esteve associada ao medo; embora algumas vezes a esperança tenha sido maior que o medo. Mas hoje, quando se deflagra um processo político de destruição das rádios comunitárias, com a Polícia Federal invadindo salas, residências, batendo nas pessoas, algemando, enquadrando por ‘formação de quadrilha’, o medo é maior. Muito grande.

O que se escuta dos agentes do Estado é: as rádios comunitárias devem morrer. E o povo responde: fujam que a polícia vem aí; fujam que o governo Lula chegou.

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Jornalista, escritor, diretor do Sindicato dos Jornalistas do Distrito Federal, integrante da ‘Campanha contra baixaria na TV’