Josué Franco Lopes, coordenador nacional de Comunicação da Abraço Nacional – Associação Brasileira de Radiodifusão Comunitária, participou de audiência pública sobre rádio comunitária (RadCom), na Assembléia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), a convite do deputado estadual Carlim Moura (PCdoB), combativo aliado dos movimentos sociais.
O evento foi promovido pela Comissão de Cultura, através de seu vice-presidente, Deputado Juninho Araújo (PRTB), natural de Dionísio, com base eleitoral no Vale do Aço, motivo pelo qual participou também o presidente da Abraço daquela região, Afonso Pereira da Silva. Silva citou o fato de que o Brasil é signatário de tratados internacionais que amparam a liberdade de expressão, como o Pacto de São José da Costa Rica (Convenção Americana sobre Direitos Humanos):
‘Art. 13. Liberdade de pensamento e de expressão
(1) Toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento e de expressão. Esse direito compreende a liberdade de buscar, receber e difundir informações e idéias de toda natureza, sem consideração de fronteiras, verbalmente ou por escrito, ou em forma impressa ou artística, ou por qualquer outro processo de sua escolha.
Receber e transmitir informações
(2) O exercício do direito previsto no inciso precedente não pode estar sujeito a censura prévia, mas a responsabilidades ulteriores, que devem ser expressamente fixadas pela lei e ser necessárias para assegurar: o respeito aos direitos ou à reputação das demais pessoas; ou a proteção da segurança nacional, da ordem pública, ou da saúde ou da moral públicas.
(3) Não se pode restringir o direito de expressão por vias ou meios indiretos, tais como o abuso de controles oficiais ou particulares de papel de imprensa, de freqüências radioelétricas ou de equipamentos e aparelhos usados na difusão de informação, nem por quaisquer outros meios destinados a obstar a comunicação e a circulação de idéias e opiniões.
(4) A lei pode submeter os espetáculos públicos a censura prévia, com o objetivo exclusivo de regular o acesso a eles, para proteção moral da infância e da adolescência, sem prejuízo do disposto no inciso 2.’
Também citou a Carta dos Direitos Humanos da ONU:
‘Art. XIX – Todo homem tem direito à liberdade de opinião e expressão. Esse direito inclui a liberdade de receber e transmitir informações e idéias por quaisquer meios, sem interferências e independentemente de fronteiras.’
Perseguição e complacência
Estes tratados foram assinados pelo Brasil e amparados por nossa Constituição Federal, tendo o mesmo efeito das demais leis de nosso arcabouço jurídico:
‘Art. 5º, inciso IX: É livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença.
Art. 215: O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes de cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e difusão das manifestações culturais.’
Em função da campanha midiática contra as chamadas ‘rádios piratas’ como interferindo na comunicação aeronáutica e acusadas de até derrubar avião, Josué Lopes procurou demonstrar o contraste entre a legislação em vigor e a opção preferencial pelos ricos, por parte da Anatel, Polícia Federal, Abert e do próprio Estado brasileiro.Lopes apresentou cópia de um documento do Cindacta I, datado de 06/02/2002, solicitando providências urgentes à Anatel para solucionar problema provocado pela Rede Globo que interferia com a comunicação aeronáutica em Bom Despacho-MG, o qual está no final da página disponível aqui.
Para surpresa geral, o gerente regional da Anatel, José Dias Coelho Neto, atuando ali desde antes desta época, alegou jamais ter tido conhecimento desta solicitação. Assim ficou patente que a perseguição às RadCom contrasta com a complacência com que são tratadas as emissoras comerciais pela Anatel e Ministérios das Comunicações.
Diagnóstico da potência
Naturalmente, por se tratar de uma cópia, tal documento foi tratado como carecendo de constatação de sua veracidade. Trata-se de um arquivo eletrônico divulgado na lista de discussão da diretoria da Abraço, por seu Coordenador Nacional para a Região Sudeste, Jerry de Oliveira, da Abraço Campinas-SP.
Josué Lopes também demonstrou que há RadCom outorgada que não atua como comunitária e não outorgada que cumpre sua função social, quando o delegado da Polícia Federal Adão Inácio da Silva afirmou que atua somente sobre emissoras ‘piratas’.
O coordenador da Abraço declarou que a entidade tem um Código de Ética determinando que suas afiliadas em todo o país sejam realmente comunitárias e não defende as chamadas ‘rádios piratas’, cujo conceito difere do discurso dos agentes do Estado. A Abraço defende aquelas emissoras que são realmente comunitárias, mesmo não sendo autorizadas, operando na desobediência civil, em função do atraso em milhares de processos que há anos esperam por uma autorização do Estado para funcionar. Assim, há sentenças judiciais autorizando emissoras a funcionar e proibindo a Anatel de incomodá-las. Infelizmente, são raras as que podem pagar um advogado para se defender.
Precisamos nos aprofundar neste assunto e compreendermos melhor a situação, diagnosticando exatamente o que acontece, de fato:
(1) Rádio de baixa potência autorizada a funcionar como RadCom, pelo Estado. Há aquelas que são e aquelas que não são comunitárias. Umas atendem à lei e outras atendem ao interesse de políticos, religiões ou empresários. A Anatel e o Ministério das Comunicações não se interessam em averiguar esta questão.
(2) Rádio de baixa potência NÃO autorizada a funcionar como RadCom pelo Estado.
Atraso na renovação de outorgas
Também há aquelas que são e as que não são comunitárias. As que são administradas por uma associação local, com endereço público e conhecido, fornecendo seu número de telefone e tendo seus diretores reconhecidos pela comunidade, a qual determina sua gestão, são comunitárias de fato, ainda que não o sejam de direito. É extremamente dotado de má-fé ou ignorância quem chama este tipo de emissora de ‘pirata’. Outras atendem apenas ao interesse de políticos, religiões ou empresários.
Lamentavelmente, para atender aos interesses dos radiodifusores comerciais, o governo, Anatel e Polícia Federal fazem vista grossa a esta realidade e agem conforme convém aos interesses dos capitalistas em geral, que financiam a campanha eleitoral da maioria dos políticos eleitos.
Se, por um lado o Estado faz de tudo para retardar a concessão para RadCom, por outro, tolera o vencimento das outorgas das comerciais. Josué Lopes apresentou documento disponível na rede, no próprio sítio da Anatel, onde se pode constatar que, por exemplo, há 182 rádios, apenas na modalidade FM, em MG com outorga vencida, algumas há mais de 10 anos. Mesmo assim, jamais são incomodadas pela Anatel ou Ministério das Comunicações. O formulário para pesquisa sobre a vigência das outorgas está aqui.
‘De acordo com Coelho Neto, o atraso na renovação de outorgas deve-se à falta de pessoal no Ministério das Comunicações e à demora do Congresso Nacional em apreciar os processos’ (Notícia da ALMG já citada).
Dois pesos e duas medidas
Contudo, ele não percebe, ou, se percebe, não o diz, que, o fato de não haver interesse do governo em modificar esta situação, ocorre somente porque é favorável à Abert – Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e TV, dificultar a vida para as RadCom.
‘Essa história de que a gente está aqui a serviço de rádio comercial não existe’, insistiu o gerente da Anatel. Ele apenas cumpre a legislação feita pelos detentores do oligopólio da mídia.
Já Marilena Chauí, filósofa da USP e membro da Direção Nacional do PT enxerga o Brasil de outra forma: como tarefa urgente para o país, deve ser realizada a reforma política para a ‘democratização do Estado brasileiro, que tem uma forma completamente oligárquica e autoritária’ [ver aqui].
Tanto é que, no governo Lula, tido como ‘democrático e popular’ (como se democracia não fosse o governo do povo e nem naturalmente, popular!) houve um acréscimo na perseguição às RadCom, alcançando uma média anual de quase 2.000 emissoras fechadas, apesar dele se declarar, quando em campanha, como seu ‘um eterno defensor’ [ver aqui].
Justamente por isto, Josué Lopes insistiu que a Anatel usa de dois pesos e duas medidas para tratar desta questão. Assim, defendeu algumas vezes a realização da 1ª Conferência Nacional da Comunicação, prevista para dezembro deste ano, com a versão estadual e regional sendo preparadas para breve. Ali será um fórum onde se poderá abordar estas questões com mais profundidade e objetividade [ver aqui].
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Engenheiro civil, militante do movimento pela democratização da comunicação e em defesa dos Direitos Humanos, membro do Conselho Consultor da Câmara Multidisciplinar de Qualidade de Vida (CMQV) e articulista